31 janeiro, 2006

||| Crítica, 2.
Deixaste de ir almoçar ali?
Deixei.
Porquê?
O Fortunato almoça lá de vez em quando.
E então?
Ele publicou um livro, não sabias?
Mas tu eras amigo dele...
Já não sou. Ainda lhe disse para publicar sonetos, mas ele atreveu-se a um romance.

||| Crítica.
Aqui está uma das maneiras de fazer proceder a coisa -- cada crítico devia passar umas semanas a insultar os amigos que escrevem livros. Depois, estaria disponível para viver sem suspeita.

||| Ah, rapazes.
Uns dias longe da pátria e é isto: Vasco Pulido Valente entra na blogosfera; há uma interessante guerrilha e discussão na alta literatura (já lá irei); nevou pelo país fora (eu estava mergulhado em 36º); mails sobre o Hamas (hei-de lá ir); Maria Velho da Costa também na rede; e vários comentários e mails acerca de futebol. Só um recado para estes últimos: meus amigos -- considerem-me, por favor, inimputável em matéria futebolística; não vale a pena chamarem-me à razão, mostrarem-me a luz, clamarem por justiça, atacarem-me com argumentos correctos; nesses assuntos, é como se não tivesse ouvidos.

29 janeiro, 2006

||| Brasil, Lula.
Rogério, Rogério! Acho que deves ter razão. A Dilma Rousseff é candidata pelo PT às eleições. O Lula vai pelo PMDB.

||| Longe da pátria. O cantinho do hooligan.
Longe da pátria, leio os jornais pela net e vejo a tristeza geral de A Bola. Nem compreendo o resultado, só vejo essa tristeza do jornal que já deve ter esgotado os baldes de tinta vermelha para as suas primeiras páginas. Mas percebi: o glorioso tinha perdido. E bem, segundo leio depois (coisa que A Bola não refere, para não molestar o seu negócio lampião). É sempre bom receber boas notícias da pátria.

27 janeiro, 2006

||| Lupícinio Rodrigues.
Carla e Alberto: acabei de almoçar no Naval. Parece que o Lupicínio Rodrigues, o génio, vinha aqui almoçar todos os dias. Tinha uns boiões de pimenta e de azeite temperado que não deviam ser lavados desde meados do século e, assim, é provável que o músico de que tanto gostamos tenha neles mergulhado a colher para temperar a costela, o mocotó ou a feijoada. Quem compôs aquela música toda, não me admira.

||| Brasil: Zé Dirceu tenta amnistia.
Esta história é divertida; o ex-ministro José Dirceu, depois de uma férias, voltou a Brasília e jantou a sós com Lula. Entretanto, como conta a Folha de hoje (disponível só para assinantes), está lançando o projecto de uma amnistia, que seja global o suficiente para o livrar da cassação de que foi alvo. Para isso, os membros do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) tratarão das assinaturas -- cerca de um milhão -- para que se trate de uma petição popular, coordenada por João Pedro Stédile, o tal que deu uma entrevista mirabolante à Visão portuguesa.

À atenção do Gonçalo Soares, o correspondente paulista do A Origem das Espécies.

||| Lei de imprensa / Catalunha.
Da Helena Matos, comentando a questão deste post, mais abaixo:

«A Catalunha e o país Basco são dois exemplos de como as instituições democráticas podem ser subvertidas "por dentro". Sendo certo que para que essa subversão aconteça é indispensável uma imprensa colaborante. Apesar de pouca ou nenhuma relevância o caso ter em Portugal aconselho que se siga a atribuição de licença de emissão à COPE e a demissão da responsável pelo Repórteres sem Fronteiras em Espanha.»

26 janeiro, 2006

||| Notícias e tal.
Actualizações no Livro Aberto.

||| Lei de imprensa.
Ah, catalães, catalães. Lei de imprensa na Catalunha já começa a ser criticada.

||| Sobre coisas passadas no futuro.
David Justino fala do congresso do PSD. Pacheco Pereira já tinha dado sinais. Paulo Gorjão tem acompanhado o assunto com atenção, e parece ter já um desenho do tabuleiro de xadrez.
Recordo o que escrevi sobre a eleição de Marques Mendes num texto chamado «O Velho PSD», de Abril de 2005:

«O congresso do PSD manteve uma outra correlação de forças: a dos grupos que levaram o PSD a tornar-se praticamente irrelevante para tudo o que seja o debate sobre o papel do Estado na sociedade e na economia, sobre as novas realidades culturais, sobre o sentido que tem a política portuguesa na Europa de hoje.»

||| Hitchens sobre o pesadelo ugandês. As guerras pouco populares.
«For 19 years, Joseph Kony has been enslaving, torturing, raping, and murdering Ugandan children, many of whom have become soldiers for his "Lord's Resistance Army," going on to torture, rape, and kill other children. The author exposes the vicious insanity—and cynical politics—behind one of
Africa's greatest nightmares.» Artigo de Christopher Hitchens na Vanity Fair.

||| Adeus Cavaco.
Artigo de hoje no JN.

25 janeiro, 2006

||| Eleições, alhures.
Em Portugal também se discute, de vez em quando, quem ganha as eleições e quem está à frente na contagem dos votos.

||| Estatísticas.
Os números, vistos de cá de baixo, fazem sempre aflição. Mas não são só números; são coisas perigosas.

||| Eleições, adeus.













Vai sair dia 30: José Pacheco Pereira, Quod Erat Demonstrandum. Diário das Presidenciais. (edição Alêtheia)

||| Às vezes, convém fazer reload.
Mail de um leitor do Abrupto, Medina Ribeiro:

«E ao menos sabe comer à mesa? É impossível ler hoje o livro «Angústia para o jantar», de Luís de Sttau Monteiro, sem recordar as inúmeras observações de Mário Soares em desprimor de Cavaco Silva - de tal forma elas parecem inspiradas neste romance em que um outro António é humilhado da mesma forma torpe. Quando, nos anos 60, o li pela primeira vez, a personagem que faz o papel de snob-de-serviço provocou-me uma náusea que agora (no decorrer de uma segunda leitura) ressuscitou - e em duplicado, vá lá perceber-se porquê.»

||| Revista de blogs. Vulturinos.
«São as sobras da campanha. Gente que se agregou a ela com o fim mais ou menos explícito de obter futuras e gordas sinecuras, mas não de imediato, que parece mal; gente de focinhito convalescente, que não passa sem a sua imagem nem que seja no forro de um caixote de maçãs; uma raça cavalar, que capitalizará a prazo a estrondosa contribuição que ofereceu.»
{Filipe Nunes Vicente, no Mar Salgado.}

||| Revista de blogs. O cantinho do hooligan.
«Uma das frases mais bonitas da língua portuguesa: "E Cristiano Ronaldo perde a bola."»
{No Golpe de Estado.}

||| Leitores, 2.
O Quinto Galarza, comentando este post:

«Foi, aliás, o único discurso de Soares em toda esta caminhada que me prendeu do início ao fim. Fora assim desde o arranque e poderia ter feito muito mais e muito melhor... O Soares da derrota foi bem mais elegante, sóbrio, sério, respeitador - em suma, presidenciável - que o Soares da pré-campanha/campanha.»

Sobre a interrupção de Sócrates a Alegre, ver este post nos Galarzas («na sede de Manuel Alegre se sabia, também, que Sócrates ia entrar em directo "dali a cinco minutos"»).

Sérgio Letria, sobre a crítica a Jerónimo:
«Reaccionário quem? O Jerónimo? O Francisco, mesmo depois da vitória, tem um tom agreste que não lhe fica nada bem. E surpreende-se pelo súbito aparecimento do PSD? A ingenuidade anda por aí? Não espere que depois destas eleições, e só porque Cavaco ganhou, as críticas desapareçam e se ouça um coro de elogios ao novo presidente. A vitória é legítima. Sem dúvida. Mas o passado e o presente de Cavaco não podem ser esquecidos. O futuro o dirá.»
Carlos Azevedo, sobre o raciocínio das décimas:
«É uma questão de interpretação. Eu concordo parcialmente consigo: «pobre esquerda que se contenta com a pequena liga dos últimos». Mas, se o país mudou, não foi apenas pela vitória de Cavaco Silva. Cavaco Silva foi, de facto, o grande vencedor da noite. Contra factos não há argumentos. Mas há mais análises que se podem fazer, não lhe parece? Há exactamente 20 anos, a única candidatura independente, a de Maria de Lourdes Pintasilgo, conseguiu apenas 7,4% dos votos expressos. Agora, a candidatura de Manuel Alegre (na qual votei, apesar de considerar que Manuel Alegre não chega aos calcanhares de Pintasilgo), igualmente sem apoios partidários, conseguiu 20,7% dos votos. Ora, isto também significa alguma coisa, não lhe parece? Claro que o Francisco pode optar por desvalorizar quem perde, o que é perfeitamente legítimo, mas a verdade é que 49,4% das pessoas que votaram nestas eleições não escolheram o candidato vencedor. Perderam, claro: é uma regra da democracia. Mas não deixam de existir, nem têm que se remeter ao silêncio: é outra das regras da democracia.»
O Cidadão Profissional, também sobre as décimas:
«A distância entre Freitas do Amaral e Mário Soares na primeira volta foi muito diferente da que se verificou entre Cavaco e Alegre? Ganhou o Freitas? Compreendo a irritação de quem esperava votações da ordem dos 60%.Ainda bem que isso não aconteceu. Assim temos a pessoa certa na Presidência sem uma votação que poderia dar "ideias", não ao candidato, mas a apoiantes mais excitados.»
Sobre o texto do El Pais referido aqui, o comentário de Daniel Marques:
«Este artigo é um disparate. Limita-se a reproduzir lugares comuns baseados em instantaneos que sendo reais passam apenas uma pequena parte da realidade. Portugal tem muitos problemas: é pequeno e é periférico (*). Viver a crédito não é de certeza um deles. Cada pessoa (e o seu banco) sabe de si. E resignar-se a comer sopa e massa não é certamente o caminho. Principalmente porque muitos portugueses por muito tempo não tiveram outra escolha.
O discurso de Rui Martins não se arrisca a ser, é mesmo Salazarista. Só falta queixar-se que os pobres até já têm televisão.
(*) O Excesso de estado e o clientelismo não são mais do que a consequência destes dois problemas. Há uma grande dificuldade de acumulação de Capital que obriga a passar para o Estado muitas obrigações de financiamento. Quando há uma efectiva acumulação de capital por privados a unica hipotese de crescimento é secar a concorrência.»
E A. Garcia Barreto:
«O português deve ser o povo que mais mal diz de si próprio. (...) Precisamos de encontrar outros parceiros na vida (sem pôr de lado os de sempre), que nos despertem pela competitividade em vez de nos adormecerem pelo pasmo e pelo atraso de que eles próprios padecem (mesmo que tenhamos alguma culpa nesse aspecto). Precisamos de pensar "grande", como os povos do norte da Europa, sem hipotecar as nossas próprias qualidades. E não deixar que a inveja envenene as nossas acções.»

||| Leitores, 1.
Nelson Paiva, por email:

«Em relação ao post, partirei de um irónico principio que assim seja. Tenho 35 anos e estou desempregado, sempre gostei de trabalhar e, também, sempre o fiz com dedicação e empenho. Se quem deu essa entrevista e quem com ela concorda souber de algum trabalho onde não paguem apenas 600 ou 700 euros por mês, tratem as pessoas mal e, principalmente, não as façam parecer que estão a receber um favor pelo trabalho e ordenado respectivo, estou bastante disponível para trabalhar e ajudar a mudar as vossas opiniões. Fico à espera, para além do que tenho procurado.»

||| Jane Austen, Orgulho e Preconceito e felicidade.
João Pereira Coutinho sobre Jane Austen; tinha-me passado, na Folha.

||| Relações difíceis.
Clara: relações difíceis eu acho graça. Mas muitas vezes as coisas melhoram bastante depois de a tempestade passar. Sobre as presidenciais «todos nós» escrevemos bastante; no fundo, tratava-se de um «combate político» (faz uma certa espécie a expressão) mais ou menos decisivo depois da bagunça em que Barroso deixou o país e das fracturas que se abriram nessa altura ou um pouco antes -- Casa Pia, PSD-PP no governo, Iraque, frentes nacionais, «revolução-evolução», etc. Por isso as presidenciais foram, acho eu, uma extensão das polémicas que estavam em roda livre há dois anos e que o epifenómeno Santana Lopes veio agravar. Dito isto, todos nós tivemos «relações difíceis» quando se falava de política nos últimos dois anos.
Vantagem e desvantagem da blogosfera -- escreve-se muito, escreve-se rápido, escreve-se depressa. E porque todos temos, à solta, o admirável génio que nos manda discordar antes de ler bem. Muitas das discordâncias absolutas nesta campanha têm a ver com esse admirável génio e com as consequências desses dois anos de bagunça. Vejamos: concordo com a Clara em todo o post, mesmo admitindo que votámos em candidatos diferentes e mesmo quando discorda de mim acerca do discurso de Soares; pareceu-me, dadas as circunstâncias, que a sua saída foi digna, ao contrário da sua campanha; mas, ao contrário de Soares, não faço julgamentos de carácter. Justamente porque uma das coisas mais desagradáveis dessa campanha -- é a minha opinião -- foi a quantidade de ataques pessoais infames que passaram por ser ataques políticos. E foi só ressentimento. Se um dia alguém tiver paciência (é um interessante trabalho de arqueologia política e de linguística) pode inventariar os adjectivos usados por Louçã, por exemplo, ou por muitos apoiantes de Soares acerca de Cavaco.

PS - Sobre o caso do «sapo com óculos». Claro que não me referia a nenhum candidato. Evidentemente. Mas o ar escandalizado de muitos mails e comentários deixa-me perplexo; depois de terem passado um mês a acrescentarem insultos sobre «o Cavaco», a minha irritação foi quase nada.

||| «Cidadania planetária.»
Gilberto Gil foi à Suíça falar sobre internet e cidadania planetária, em nome do governo brasileiro que, faz esta semana um ano, enviou uma delegação à China para discutir a «experiência do governo de Pequim em matéria de direitos humanos»; e justamente um ano depois de o próprio Gil ter sido derrotado num projecto que visava instituir um processo de censura no cinema e no audiovisual brasileiro.

24 janeiro, 2006

||| Cheques sin fondos.
«Ya sé que es un discurso un poco salazarista, pero es que trabajamos poco. Preferimos hacer agujeros en el calendario para ver cuándo nos vamos de vacaciones a Brasil y así volver bronceados para parecernos a los otros; o si no, comprarnos un coche para parecer ricos. Y si tenemos que endeudarnos, nos endeudamos; o, mejor aún, damos cheques sin fondos.» Rui Cardoso Martins, no El Pais.

«[Cavaco] Va a ganar. Pero me temo que será víctima de su propio sebastianismo. Los milagros sólo suceden si hay ganas y coraje, y nosotros no tenemos coraje.» Pedro Rosa Mendes, no El Pais.

23 janeiro, 2006

||| Depois, daqui a nada.
Houve muitos comentários e mails sobre a minha revoada de posts, o que é compreensível (ambas as coisas). Em breve publicarei alguns deles no blog e tentarei responder -- ou não. Clara, já falaremos. Nancy, voltaremos aos farelos.

22 janeiro, 2006

||| E pronto.









Verdes são os campos.

Tu tens, graças as Deus, dois bons pulmões.
Se fumas não te miam. E é catita
Também o coração. Quando te pões
Gingando ao querer valsar, não se agita.

Até tens bom nariz para o ar imundo,
Nas favas provas químicos valentes,
Pão sem farelo põe-te furibundo,
Por dia lavas seis vezes os dentes.

Mas uma voz te assusta noite fora,
Que diz: «Falhaste em todo o teu caminho.
Mais vale o pó do enxofre meia hora
Que dez anos de ar puro, mas tolinho.»

Gerrit Komrij
De Contrabando. Uma Antologia Poética (Assírio & Alvim)

Tradução de Fernando Venâncio.

||| Segunda-feira, 15.
Um sapo com óculos acaba de dizer, na televisão, que Cavaco ganhou com 0,6 % de vantagem. A diferença entre Cavaco e Manuel Alegre é a que vai de 50,59% para 20,72%. A menos que os quatro candidatos, afinal, sejam uma mesma coisa. E não são. Mas, enfim, é a diferença entre um sapo com óculos e uma pessoa honesta.

A Carla chama a atenção para o fenómeno.

||| Segunda-feira, 14.
É inexplicável que Manuel Alegre tenha dito que ficou a décimas dos seus objectivos, seguindo o raciocínio do Diário de Notícias de hoje, ou seja, reafirmando que o único objectivo era levar Cavaco Silva à segunda volta. Pobre esquerda que se contenta com a pequena «liga dos últimos» e não compreendeu, desde o princípio, o que estava em causa -- compreender um país que tinha mudado entretanto.

||| Segunda-feira, 13.
Os que durante um mês e meio anunciaram a tragédia, o desastre, a catástrofe, o golpe de estado, miséria no lar, sangue na estrada, reviravoltas e tristezas, vão agora tirar o cavalinho da chuva e fazer marcha-atrás, como se não tivesse acontecido nada. Como se esperava. Mas há uma vantagem no nosso tempo -- tudo isso está registado. Não conseguirão esconder que transformaram a campanha eleitoral numa guerra de carácter, pessoal, sem «fair-play democrático» (a expressão é de Soares ao reconhecer a derrota), tentando ganhar pelo medo, pela queixinha ignóbil e pela arrogância. Amanhã começará a tentativa de desvalorizar a vitória de Cavaco e de esquecer o que estava em causa nestas eleições: mudar o ciclo político, mostrar que a Presidência não é património de ninguém, permitir que os herdeiros do PREC façam parte da nossa história mas não a condicionem nem viciem o jogo ou o debate. Durante um mês anunciaram a tragédia e ameaçaram exilar-se caso Cavaco ganhasse. Cavaco ganhou, felizmente. A vida regressa e os combates são outros. Podem encolher o dedinho autoritário, reaccionário. Já ninguém tem medo deles.

Adenda: esta é uma reacção inesperada, de contabilista que tenta apenas justificar perdas e danos. Não esperava isso do A. B.

||| Habituem-se.
Bom discurso de Cavaco. Para já, fiquei a gostar do Presidente. Presidente da República.

||| Segunda-feira, 12.
Não vale a pena elogiar o passado de Mário Soares, como estão a fazer uns cavalheiros instrumentais nas rádios. Esse passado ninguém lho pode subtrair à biografia, ao contrário do que fariam os estalinistas novos e antigos (e estas eleições mostraram que alguns se refugiaram no PS). É bom que Soares, seriamente derrotado (pessoal e politicamente) agora que o país regressa à normalidade, regresse também à normalidade. Com o tempo esqueceremos isto. O soarismo acabou, ferido, envilecido e desnecessariamente crispado. E Mário Soares regressa ao pedestal da história. Onde fica razoavelmente.

||| Segunda-feira, 11.
Sócrates a interromper Alegre nas televisões. Não é falta trapalhona de timing. É uma declaração trapalhona e desnecessária de guerrilha, mais do que mau-perder.

Mas também não percebo porque é que, em noite de eleições presidenciais, as televisões mudaram as câmaras para o secretário-geral do PS, seriamente derrotado, debitar banalidades. Falta de critério.

||| Segunda-feira, 10.
Por pouco, temi pelos sonhos do José Mário. Infelizmente, os seus pesadelos não se confirmaram.

||| Segunda-feira, 9.
Uma pequena frase de Alegre, que vai ouvir-se no PS: «Ficou a lição.»

Adenda 1: Mas parece que Sócrates não a aprenderá.

||| Segunda-feira, 8.
Depois de mostrar a face de tolerância e de bonomia durante a campanha, Jerónimo de Sousa mostrou na sua declaração final que volta a ser Jerónimo. Ele -- também -- já aprendeu que a campanha é marketing puro. Não interessa o que se diz. Ele voltou para o seu século, reaccionário e Jerónimo.

||| Segunda-feira, 7.
«(...) O facto de a possível eleição de Cavaco Silva representar um alto risco para os portugueses.»

||| Segunda-feira, 6.
«Ficou claro que Alegre não é o melhor candidato da esquerda.»

||| ||| Segunda-feira, 5.
Confirmando a sua campanha palavrosa de evangelizador e moralizador, a declaração final de Louçã foi sacerdotal e de marcha-atrás. Fala de derrota da esquerda mas de a esquerda não ter perdido (em Fevereiro, o Bloco teve 6,4%). Fala de vitória da direita (o que não é verdade) mas diz que a direita não venceu. Louçã, mesmo descontando a linguagem simbólica e sacerdotal, cheia de metáforas e lugares-comuns, não valoriza eleições. Eles nunca aprendem. E ele, especialmente, nunca perde.

||| Segunda-feira, 4.
Ao contrário da sua campanha, deplorável e mal feita, a declaração final de Mário Soares foi digna e clara.

||| Domingo.













Já está.

||| Terça-feira, já muito lá para a frente.
Miguel Portas declara que vivemos sob «um governo de direita, embora socialista». Já é terça-feira para o Miguel.

||| Domingo.
Se há coisa absolutamente incompreensível é o conjunto de razões desconhecidas que levaram o PSD a pôr-se em bicos de pés para vir falar quando não devia.

||| Segunda-feira, 3.
O porta-voz de Louçã, diz que os resultados penalizam o PS. Espero pela primeira declaração a dizer que o Bloco de Esquerda venceu estas eleições.

||| Segunda-feira, 2.
Acabo de ouvir Vítor Ramalho declarar que Soares não perdeu; apenas não venceu. Bem me parecia.

||| Segunda-feira.
A dois minutos das 20:00, uma coisa já se sabe: é quem perdeu pela arrogância. Fica mesmo em terceiro.

||| Vitória histórica.
A ideia, que vem hoje no Diário de Notícias, sobre a realização da segunda volta como «uma vitória histórica da esquerda», é uma derrota absoluta e histórica da esquerda. É uma menorização absurda da esquerda.

||| Síndrome de Schadenfreude.
Confirmado: os homens são muito piores. Mas não é bem isso.

||| Acabou a reflexão.






Já está, já foi.

||| Posta restante. (com actualizações)
Luciano: sempre que quiseres, é só pedir; as fotos andam por aí (Charlotte: o mesmo para ti.). Luís: já trato do estreito de Magalhães. LA: a presença (mas não abundância, que somos gente decente) de charutos e de bebidas destiladas, bem visível, diz bem da ponderação. Sim André: era ele -- e conspirou bastante; só acalmou na altura de acender o Montecristo. Quanto a ti, Gold Fisher, a descrição que vem no teu blog peca por defeito.

||| Poeira, 1.









Havia poeira, naqueles dias de Inverno e sol. Barraquinhas de churros, farturas, algodão doce e as primeiras pipocas que chegavam à cidade. A evocação é infantil, pré-adolescente, mas junta-se à das barraquinhas de matraquilhos, tiro ao alvo, ruído do poço da morte, carros-de-choque e várias juke-boxes instaladas ao longo da avenida. E soldados vestidos com farda completa, verde-azeitona, saídos do Batalhão de Caçadores 10, passeando de braço dado com vagas namoradas sazonais, promessas de Outono, de Inverno, da Primavera ameaçada. E havia poeira dançando entre os plátanos. E moedas de 1$00 trocadas para produzirem canções como aquelas, hinos luminosos e inesquecíveis, vozes de um portento chamado Nelson Ned. As juke-boxes competiam. Nelson Ned. Tudo passou, tudo passará. Nelson Ned (o de «Domingo à tarde») e Nilton César (o de «Espere um pouco, um pouquinho, mais»). E Lindomar Castilho. E Teixeirinha. Havia uma versão unplugged de «Sentado à beira do caminho» (mas nós não sabíamos o que era «unplugged» no país que cantava acompanhado à guitarra e à viola), que ele tinha composto para Roberto Carlos. Os meus ouvidos lembram-se ligeiramente de Bartó Galeno (que cantava «No toca fitas do meu carro») e de Marcos Roberto ou Dori Edson. As canções de Cauby Peixoto também ecoavam nesses recintos de feira. As raparigas passeavam com os militares do Batalhão de Caçadores 10, os que iriam depois para Bafatá ou para a Baixa do Cassanje; eram pobres, modestas, vestiam casacos de malha e saias de xadrez, quando nós recusávamos as calças à boca de sino. As moedas de 1$00 (um escudo) davam para uma canção apenas, mas havia o bónus de três canções por 2$50, com o prémio suplementar de uma partida de matraquilhos. Ao fim-de-semana, elas passeavam também com os empregados das lojas de fazenda, das mercearias e das repartições, e ouviam Gabriel Cardoso cantando «O autocarro do amor» quando nós fugíamos para casa a ouvir Songs from the Wood, os discos de Van Der Graaf, o que restava da guitarra de Deep Purple, os sintetizadores dos Emerson Lake & Palmer, dos Uriah Heep, a guitarra dos Slade (a de Dave Hill a acompanhar «I won't laugh at you when you boo-hoo-hoo coz I luv you, yeah, I can turn my back on the things you lack coz I luv you»). Eu lembro Songs from the Wood porque foi um disco que mudou uma das minhas primaveras, antes ou durante a revolução, não recordo. Flautas. Guitarras. Vozes vindas dos pântanos. Ofereceram-me o disco juntamente com duas cassetes dos Fairport Convention. Não tive culpa.









Mas eu não tinha culpa de haver canções de Nelson Ned a sair das juke-boxes da avenida. Na altura eu ouvia o disco que mudaria a minha vida, os Temptations cantando «Papa Was a Rolling Stone» («Papa was a rollin' stone, wherever he laid his hat was his home») e, depois, «Just my Imagination» («Each day through my window I watch her as she passes by, I say to myself you're such a lucky guy, to have a girl like her...»). Sim, eu depois falo-vos de Harold Melvin & The Bluenotes, de Gladys Knight & The Pips, de Barry White, de Marvin Gaye ou Tammi Terrell. Mas eu lembro-me é dessa poeira, dos casais atravessando a avenida ao som de António Teixeira cantando «Adeus Guiné, serás sempre Portugal» e de Nelson Ned cantando «Tudo Passará». E nunca pude, na verdade, rir-me de Nelson Ned nem de Nilton César ou Lindomar Castilho. Quando a bossa nova começava a chorar, do lado de lá do mar (e nós não sabíamos), nenenhén, nenenhén, os casais tristes ouviam com alegria aquela inocência malvada de «Dois num só coração» ou de «A namorada que sonhei».

||| Ainda Brasil. Dirceu e Paulo Coelho, ou a toca dos cangurus.









Já me esquecia. O ex-ministro Dirceu, o manipulador de Brasília e manobrista do mensalão, passou o reveillon em casa de Paulo Coelho, o mago. Do PT para realidades mais mediúnicas. Esta foto, que o Gonçalo Soares publicou, mostra Dirceu, Coelho e aquele apoderado chamado Fernando Morais (que é o biógrafo oficial do ex-ministro), numa cerimónia ritual. Acho que estavam a ouvir música de Raul Seixas.

||| Brasil: Lula na corrida dos cangurus.
Sim, ele vai acabar por ser reeleito. Nas sondagens recentemente publicadas no Brasil, Lula volta a subir e, finalmente, ultrapassa José Serra (e Alckmin, naturalmente) nas «intenções de voto». A Isto É, modelo de «informação independente», como se sabe, cedeu a sondagem ao Jornal Nacional da Globo: lá vai Lula. Ora, acontece que a pesquisa não informava sobre os resultados da segunda volta das eleições. Toda a gente pensava que esses dados não constavam do estudo. Mentira. A Isto É é que não os entregou: é que Lula ganharia no confronto com os outros candidatos «no segundo turno». Menos de Serra. A revelação foi feita pelo blog do Josias de Souza, da Folha, e pela Veja.

Entretanto, confirma-se a hipótese de o lugar de vice de Lula na sua recandidatura ser ocupado por aquele personagem pardacento e inchado chamado Nelson Jobim. (Rogério, temos de refazer as contas...)

||| Obrigado, Google. (Ou o que é um liberal à moda antiga.)





Ora aí está outro debate. Invocando a pornografia, raiz de todos os males (da imoralidade das ruas à decadência do romance), as autoridades americanas querem que a Google Inc. forneça «uma lista com todos os termos digitados na caixa de buscas durante uma semana específica». A intenção é declaradamente moral & higiénica, como geralmente acontece. Os responsáveis do Google não a forneceram, tal como não facilitaram o acesso a um banco de dados com mais de um milhão de endereços web. Claro que «os analistas» invocam também o «segredo comercial» -- ao fornecerem os dados pedidos pela administração americana, estes acabariam por chegar às mãos da AOL, da Microsoft ou da Yahoo. Ambas as razões me parecem decentes, além de legítimas: proteger a privacidade dos que usam o motor de busca e salvaguardar os seus interesses comerciais.
Na China, a Yahoo e a Msn não só fornecem ao governo chinês todos os dados sobre os utilizadores que digitam palavras proibidas (como democracy, freedom ou sex), como proibem os acesso dos utilizadores a sites onde essas palavras apareçam com frequência. São razões para não confiar. Prefiro quando os «interesses comerciais» se aliam aos interesses da liberdade.

21 janeiro, 2006

||| Dia de reflexão, 2.















Sem motivo aparente, mas com muito prazer. A Origem das Espécies, Babugem, Blasfémias, Bomba Inteligente, Contra a Corrente, Desesperada Esperança, Destaques a Amarelo, Homem a Dias, J.P. Coutinho, Miniscente, Miss Pearls, O Acidental, O Insurgente, The World as We Know It, Vício de Forma, Voz do Deserto, What Do You Represent.

||| Revista de blogs. Devassidão.
«Esse cavalheiro nunca usa a palavra «imiscuir», mas gosta de alguma devassa.»
{No Esse Cavalheiro.}

||| Revista de blogs. Testosterona.
«Este blog é muito visitado por homens. Os blogs da mulherada são invadidos, diariamente, por toneladas de testosterona inútil.»
{No Sociedade Anónima.}

||| Literatura mesmo.
A Clara avança as primeiras escutas telefónicas na academia literária (há mais, lá para o meio do blog). Salvo seja. Enquanto Groucho, o miserável, se propõe fazer o balanço do ano literário brasileiro, à falta de livros por vir. O exemplo de EPC ameaça fazer escola:

«- Sim, claro. Já agora, e se fizéssemos também o balanço do ano literário no Brasil?
- Não acompanhei de perto, Groucho, lamento.
- Por isso mesmo, senhor, por isso mesmo!»

E dê um salto aqui, para fazer o balanço literário nacional. Janeiro ainda está vivo.

||| Dia de reflexão.
Este blog não cavaquista votará Cavaco Silva e não comenta sondagens, indecisos, números, escorregadelas, hipóteses, rastos de glória ou de ressentimentos. Não apela ao voto dos indecisos, porque esses não interessam. Não apela à abstenção. É contra tragédias e lágrimas (porque nenhuma das coisas tem a ver com política). Não alimenta esperanças (porque os resultados são no domingo). Não preza os que têm medo. Não confia nos que têm receitas para tudo. Não aprecia os que não têm humor.

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«Declaração de Interesses»


É muito provável – inteiramente provável, aliás – que tenhamos ideias diferentes sobre muitas opções da nossa vida. Da minha e da dele, Cavaco Silva, que são muito diferentes. São diferentes em muitas coisas: no sentido que eu acho que a vida tem, na minha desorganização geral, nos gostos literários, no meu quase desinteresse por questões de economia e até no seu desinteresse por futebol, por exemplo.
Provavelmente, eu gostaria de ir pescar com Manuel Alegre, de ir com ele às touradas (de que não percebo nada) ou de discutir com ele o mistério da poesia (o que já fizemos, aliás). Mas um presidente da República não se elege (ou se vota nele) porque é igual a nós, semelhante a mim, com os meus gostos, as minhas obsessões literárias. Escolhe-se um presidente para que ele garanta a liberdade das nossas opções, a estabilidade que permita que eu não tenha de pensar como ele para ser considerado cidadão de pleno direito. Acredito, além do mais, nos valores republicanos de seriedade, responsabilidade individual, estudo, lealdade às leis e à vontade dos eleitores, respeito pelas contas do Estado.
Eu não sou cavaquista. Limito-me a achar que Cavaco Silva será melhor presidente do que qualquer um dos seus opositores. Que o seu tipo de presidência permitirá que os governos governem e que os cidadãos sejam cidadãos de pleno direito – e que actuará com tranquilidade. E que Portugal precisa dessa margem de tranquilidade para se repensar e reorganizar sem lugares-comuns nem apêndices burlescos, pequenas lutas protocolares pelos holofotes da glória. E que, portanto, precisa de alguém
compreensivo na presidência – não de quem tenha todas as respostas. De alguém que esteja atento aos outros e que pergunte e saiba fazer as perguntas; e mais: que permita que as perguntas se façam. Esse é o principal currículo que eu exijo a um presidente. Mas há mais.
O combate nestas eleições presidenciais é, por isso, entre diferentes modos de entender a vida de um país. Não entre modos de entender a minha vida ou a vida de cada um. O objectivo da política não é o de garantir a felicidade – mas o de possibilitar que cada um possa procurá-la como entender. Não acho, por isso, que tudo pertença à esfera da política ou, sequer, que um político profissional esteja em melhores condições para compreender a sociedade e o mundo actual. A pequena polémica criada em redor da designação de “político profissional” revela até que ponto essa perspectiva pode empobrecer a própria vida civil, limitando o “espaço político” a um exercício de linguagem (e de vigilância sobre ela), e ao inventário de propósitos sobre o que deve ser a vida dos outros – por mais largo e vasto que se imagine esse “arco de interesses” da própria política, construído à maneira de um catálogo de saberes ou de referências. Cada um de nós tem uma dignidade e uma vida que não se dissolvem na intervenção permanente na comunidade política. Para que isso seja possível, julgo que é necessário pensar na governabilidade do país e na sua estabilidade. Só isso pode garantir a nossa liberdade, que é um valor precioso e que deve estar a salvo de todos os ressentimentos e de todos os ressentidos. E de todos os malabarismos.

20 janeiro, 2006

||| O pedestal.
Constança Cunha e Sá, num texto quase irrepreensível, sugere que Soares desceu «do pedestal da história» para se candidatar em nome de «um combate pela política». Acontece, porém, que nem todos os combates «pela política» são «combates políticos». E que um «combate político» não vale por si.

||| Tardes de Janeiro.













Enquanto trabalho em casa, ou faço interrupções com pretextos preguiçosos, vejo pela janela a procissão das tardes de Janeiro: velhos que descem a rua para a praia, agasalhados, estudantes que hão-de assistir ao crepúsculo, homens de meia idade fazendo jogging. E há um grupo curioso de cavalheiros que atravessam a rua quase todas as tardes e se sentam no molhe, em cima do mar, a olhar para os barcos. Outro dia reparei que comentam a envergadura dos cargueiros que dobram Cascais e entram pela barra, estacionando ao largo. Sei que é «envergadura» porque mencionam a palavra várias vezes, mas também «tonelagem», «bandeira» e «casco». Hoje passaram e vi que levavam binóculos. Por ser sexta-feira, um pequeno luxo. Um upgrade, para falarmos em bom português.

||| As coisas que se dizem. A cultura.
Se há uma palavra que foi injustamente invocada durante esta campanha, foi «cultura». A ideia de que «a cultura» pesava nos ombros como uma mancha de glória e de luz confundiu-se com os critérios que levam a escolher um presidente. Esses critérios variam conforme o gosto, a circunstância ou a posição política. Exibir estantes e colecções, nomes e listas, referências, passou a ser uma marca distintiva, tão criticada quando convém. Há uma diferença entre conhecimento e informação, como há uma distinção clara entre cultura e exibicionismo. Saber ouvir, ouvir, discutir com serenidade, escolher, respeitar as escolhas, não reduzir a cultura aos seus sinais exteriores, os mais reconhecíveis. Um dos méritos de uma pessoa culta é o de reconhecer que as coisas não acabam onde acaba a sua «cultura» e que a sua «cultura» não é um critério absoluto. A ideia de que a vida é uma sabatina regular exibida em torno de nomes e de estantes é um factor de empobrecimento da própria vida cultural. Isto também explica o predomínio absoluto da «cultura literária» num país sem «cultura científica» e sem disponibilidade para aceitar a diversidade, as dificuldades e a necessidade de esforço.

19 janeiro, 2006

||| O candidato imperfeito.
Paulo Gorjão faz declaração de voto.

Meu artigo de hoje no JN.

18 janeiro, 2006

Afinal.
Afinal, o Pedro Boucherie tem um blog novo.

17 janeiro, 2006

||| Ditosa pátria que tais fihas apresenta.
A GNR de Pombal devia estar orgulhosa. Tem um novo comandante: Mafalda Almeida, 23 anos, licenciada em Ciências Militares.

||| Brasil, de novo.
Já estavam com saudades do lulismo? Leiam a crónica de Augusto Nunes, no No Mínimo.

||| Quem usa iPod.
Ou melhor, quem usa iPod e usa jeans: talvez isto tenha algum interesse.

||| Quaero.
O eixo franco-alemão deixa-me de pé atrás em várias matérias. Não interessa. Mas o impulso governamental francês (em particular por Chirac) dado ao Quaero, o motor de busca pan-europeu, para rivalizar com o Google, por exemplo, é fatal para a minha boa-vontade. E arrasta ainda mais dúvidas.

16 janeiro, 2006

||| Chile.









Alguns amigos demarcadamente de esquerda festejam a eleição de Michelle Bachelet para compensar eventuais derrotas locais. Foi assim com Lula, é assim com Bachelet. Permito-me recordar que é diferente. Bastava estar atento ao que foi o processo político recente no Chile para advertir que nem Bachelet nem a sua base alinham no folclore lulista e muito menos pelo diapasão de Evo Morales & Hugo Chávez.
Pessoalmente, a eleição de uma mulher no Chile (e para quem conhece a paisagem política), só esse facto em si, já é revelante. É um sinal sociologicamente importante num subcontinente em que as políticas radicais de esquerda e de direita estiveram sempre associadas à marca de um «homem forte». Depois, os sinais que Bachelet deixou durante a campanha (mesmo durante a campanha, quando se esperaria uma radicalização do discurso) não põem em causa o processo político chileno. Aliás, o Chile é uma lição para quem ainda tem ilusões sobre a América Latina revolucionária e guerrilheira.

[Na foto Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, o candidato derrotado. Agência EFE.]

15 janeiro, 2006

||| Actualizações.
No Livro Aberto, ver as votações finais para os melhores livros de 2005, já publicadas no Mil Folhas/Público de ontem; agora com novo grafismo.

||| Se querem um debate, isto é o começo de um debate.












E começou com dois a zero. Ou de como a substituição do director do Teatro de D. Maria pode levar a discutir coisas bem mais importantes. Contribuições de Eduardo Pitta (aqui e aqui) e de Gustavo Rubim (aqui, aqui, aqui e aqui). Como eu ontem dizia, subscrevo. Vejam como a querela sobre a criação de públicos pode ter, na origem, uma questão sobre a natureza das clientelas.

||| A uma semana.
Já lá iremos. Mas, para os que querem que isto (uma campanha longa, cheia de ressentimentos e de maus fígados) acabe, a advertência: começa na noite de dia 22. Não apenas por causa da noite cheia de facas longas que se prevê. Mas por causa das desculpas que vão aparecer. Até lá vamos ter arrebites, bravatas, cânticos sobre a maré de esquerda que aparece ao dobrar da esquina para salvar a espécie, e sobre a hecatombe prevista para «o monstro» que se encarregaram de fabricar. Ao longo de vários meses, Cavaco foi desenhado como «o monstro» a abater. Esse retrato errante de um poço de defeitos, de uma ameaça fatal, de uma tragédia iminente não assusta ninguém; os seus artífices supõem que os outros são idiotas, um bando de medricas que tem receio de votar contra os proprietários do regime. Nem a esquerda ou a direita têm proprietários e capatazes, nem o país donos para venerar. Escusam de levantar o dedinho autoritário e de fazer ameaças, previsões de catástrofes e de tragédias.

Noutro registo, ver este post no HardBlog (via Miss Pearls). Ler o post do João Gonçalves.

14 janeiro, 2006

||| Aniversário com margem de erro.
O blog de Pedro Magalhães comemorou na semana passada um ano de vida. Um ano rico em sondagens. Os parabéns com a margem de erro e de atraso.

||| A direcção espiritual.









Obrigado, Manuel Alegre.

«Tem a mania de dar lições de moral à esquerda e a toda a gente. Eu não quero ser director espiritual de ninguém, mas também não aceito a direcção moral do dr. Louçã, que parece que errou a vocação» [Manuel Alegre em Portalegre, hoje]

||| Ministério, 2. (ver post anterior)
Gustavo Rubim acrescenta mais pontos: «Este pessoal pode fazer as acusações que quiser, agora quanto ao «dirigismo» é que não se pode levá-los à letra porque já deram provas bastantes e sobrantes de adorar o dirigismo, contanto apenas que o dirigismo dirija na direcção que lhes convém. Que é como quem diz: quem não os conheça, que os compre. Eu conheço-os de ginjeira e tenho mais onde gastar.»

||| Telefone, ainda.
Eu, que detesto falar ao telefone, surpreendo-me bastante com o uso que se dá ao aparelho. Se uns telefonemas são mantidos secretos a todo o custo, já outros foram feitos (como diria a imprensa, «alegadamente realizados») e depois tornada pública a sua existência para que façamos outra leitura da história recente. Os telefonemas do presidente Sampaio nestão na ordem do dia. Por exemplo estes:

«Jorge Sampaio revela que sugeriu a Durão Barroso "que fosse outra pessoa", em vez de Santana Lopes, a substituí-lo na chefia do Governo e chegou mesmo "a fazer telefonemas para várias personalidades e militantes do PSD tentando encontrar uma alternativa".»
Ou seja, se o presidente tinha sérias dúvidas quanto ao perfil de Santana Lopes e receio pela «eventual utilização da política orçamental ao serviço de eleitoralismos fáceis», está mais uma vez provado que o presidente não devia ter aceite a solução Santana Lopes.

Adenda: sim, eu sei, o presidente tentou, eu sei -- e havia apoio parlamentar, eu sei; mas uns meses depois também havia.

||| Bem me parecia.
E logo a PT, que é tão avara em detalhes nas facturações. Assim fica explicada a turbulência. Tenha o leitor cuidado com os seus extractos mensais de conversas telefónicas, e não os guarde em envelopes.

Repare-se, no entanto, nesta notícia, na existência de frases como «nunca será possível demonstrar» e «não existe qualquer registo».

Outra nota: no seu editorial de hoje no DN, António José Teixeira interroga-se: quem defende o Estado do seu procurador-geral? Ora, creio que há outra pergunta, e melhor, a fazer: quem defende os cidadãos?

||| Parabéns.













Parabéns, Rui Tavares. Parabéns Fernando Campos. Vem no Mil Folhas do Público desta manhã. E também aqui.

||| Betandwin.
As apostas na política são ilegais ou saudáveis? São curiosas. E põem certas coisas no seu lugar. Uma aposta é só uma aposta. Veja-se este texto do J.C., no Estrangeirados.

||| Ministério.
Posição que subscrevo: quando todo o pessoal protesta contra o Ministério da Cultura, o melhor é recuar. Não por cautela corporativa. Mas porque há sempre gato escondido com rabo de fora. A burlesca substituição do director do D. Maria pelo director do Trindade não dá pano para mangas. Se o que está em causa são mudanças políticas ou mudanças na política, isso é completamente indiferente, lamento. É coisa de clientelas. Os protestos contra o Ministério são muito, demasiado, orgânicos. Gustavo Rubim tem razão. Obrigado, Gustavo, pelos pontos nos ii.
E o Eduardo Pitta tem razão: já é a altura de acabar com o Ministério da Cultura. Ponto. Não faz falta. Isto resolve-se como na faculdade: por cadeiras.

||| Ora aí está.
O Francisco Trigo de Abreu, estimado confrade, resumiu assim as indignações de hoje:

«When the seagulls follow the trawler, it is because they think sardines will be thrown into the sea.»
Ora aí está.

13 janeiro, 2006

||| Revista de blogs. Liberdade, igualdade, etc.
«Será o sexo entre pessoas inteligentes e cultas melhor? Em igualdade de circunstâncias performativas, sim. Descontando as componentes animal (mecânica) e, eventualmente, sentimental (amorosa) - em potência, iguais para todos -, sobra um imenso cardápio de perversões que só as mentes ginasticadas, imaginativas e sensíveis podem explorar.»
{Eduardo, no What Do You Represent?}

||| Revista de blogs. É o fim do mundo conforme o conhecíamos.
«EPC ameaçou que nunca mais apresentará os seus livros nos átrios do D. Maria. Que mais nos poderá acontecer?»
{Luís Januário, no A Natureza do Mal}

||| Revista de blogs. A sinusite.
«Fala-se muita na gripe das aves, mas ninguém fala na sinusite dos bloggers.»
{Nuno Costa Santos, no Melancómico.}

||| Indignações.
Prossegue a procissão de indignações com a manchete do 24 Horas. Tanta indignação soa mal, como se percebe facilmente e váriosderam a entender (a propósito, Manuel, agradeço teres lembrado a publicação de umas velharias sobre o assunto). Seria muito fácil se tudo se resolvesse com a demissão do Procurador; mas o problema persiste. Voltaria.

||| Nem de propósito.
Sim, o cruzamento de informações toda a gente parece apoiar a bem da pátria. Mas como confiar num sistema que quer cruzar informações sobre seja o que for, quando não consegue -- insisto -- explicar a origem, o funcionamento e o aparecimento de escutas telefónicas indiscriminadas? O presidente Sampaio e os vários ministros que trataram do assunto acreditam numa sociedade onde cidadãos denunciam os seus vizinhos em nome da pátria e do bem público.

Lembrança 1: «Sim, fico surpreendido com a forma como as pessoas aceitam a teoria presidencial acerca da inversão do ónus da prova sem avaliar os riscos que daí decorrem. Quando abdicamos da nossa liberdade e da nossa privacidade em favor do Estado estamos a abdicar da nossa dignidade. O resto, embora discutível e aproveitável para debate, é apenas o excessivo poder do Estado e da sua burocracia contra os cidadãos.»

Lembrança 2: «A inversão do ónus da prova, seja qual for a circunstância, é um ataque aos direitos e à dignidade dos cidadãos -- pelo Estado ou diante do Estado. E, conhecendo a larga tradição da máquina de suspeitas que o Estado português é capaz de engendrar, não se espera nada de bom. Até porque: se há inversão do ónus da prova em matéria supostamente fiscal, porque quem não deve não teme, o que impede o Estado de instalar videovigilância onde lhe apetecer (porque quem não deve não teme), de utilizar as câmaras da Brisa para controlar a velocidade e a identidade dos condutores (porque quem não deve não teme), de ameaçar os cidadãos com castigos exemplares caso não provem que não foram eles que atentaram contra a moral (porque quem não deve não teme), de identificar os cidadãos que leram livros de Guy Debord ou de Céline (porque quem não deve não teme), de verificar quem fumou marijuana ou Montecristo (porque quem não deve não teme), de identificar sodomitas e versilibristas (porque quem não deve não teme), de manter ficheiros informáticos de quem sofre de asma ou de dependência de álcool (porque quem não deve não teme), etc., etc? Começa-se por algum lado. Dificilmente se acaba o desfile de coisas absurdas que acontecem depois.»

Lembrança 3
: «Esta é uma questão séria e central. O Presidente mencionou, no seu discurso, os cidadãos que «enriquecem sem se ver donde lhe vem tanta riqueza». Esta demagogia denuncista e popular é grave quando menciona que fulano terá de passar a fazer prova da proveniência lícita dos seus bens. Em que circunstâncias? Quando a administração fiscal for, de bairro em bairro, inventariar piscinas, automóveis, jardins, antenas parabólicas, garagens? Quando receber denúncias de «cidadãos honestos»? Quando os funcionários do SEF passarem a ter de perguntar aos passageiros dos voos vindos da América do Sul se já pagaram as férias na República Dominicana? E os cidadãos que têm de passar a fazer prova da proveniência lícita dos seus bens são aqueles que já estão sob investigação da máquina judicial ou aqueles que o Estado não consegue investigar?»

12 janeiro, 2006

||| Os mais votados de 2005.
Terminou a votação aqui, para os livros de 2005. Sábado, resultados finais no Mil Folhas, do Público.

||| Stédile.
A Visão de hoje publica uma entrevista com o líder do MST brasileiro. Qualquer leitura da realidade brasileira de hoje pode mostrar como João Pedro Stédile e o que ele diz na entrevista são uma armação para o exterior. E uma mentira pegada.

||| O ónus da prova. De novo.
O presidente Sampaio regressa ao tema por vias travessas. Primeiro, autorizou, da Presidência, o próprio conceito de «inversão do ónus da prova» quando falou dos «sinais exteriores de riqueza». Agora, o «cruzamento» de dados «através do qual podem ser detectados delitos». Começam pela evasão fiscal; daí até à ficha completa não falta muito. Toda a gente tem muita vontade de praticar o bem, e não são -- sequer -- capazes de explicar como funcionam as escutas telefónicas.

||| Meios e fins.
Atacar Cavaco, de acordo. Mas pôr-se uma pessoa a apreciar o altíssimo génio de Santana Lopes para poder atacar Cavaco com mais largueza? A coisa está má.

11 janeiro, 2006

||| E portanto, 2. (Obrigado. A sério.)
Um blog, como sabem e sabemos, não é um apêndice profissional (ou não devia ser), e portanto não falarei mais da Casa Fernando Pessoa no blog. Pelo menos nos próximos tempos. Mas não posso deixar de agradecer não apenas os comentários aqui deixados por pessoas que conheço e por pessoas que não conheço (a verdade é que na net o nosso conhecimento é flutuante), como os mails, as mensagens e os sms que recebi nos dois últimos dias. Respondi aos mails, respondi aos sms, agradeci. Falta-me este recado para os bloggers, os desta espécie de pátria. Agradeço a todos -- as saudações e, naturalmente, a exigência e a responsabilidade que fica entendida. Quem aceita um cargo destes sabe que deve responder por ele inteiramente e que não terá desculpas; é assim que eu vejo as coisas quando se trata de lugares públicos -- de contrário, melhor dar o lugar a outros. Espero que tudo ou quase tudo resulte.
A Casa é um projecto entusiasmante e delicado; precisa de público, de mais público; as ideias e os projectos que já existem precisam agora de tempo, como se sabe.
Mas o blog é o blog; e, se não está totalmente desligado do que sou fora dele, convém dizer que há uma relativa independência entre os vasos comunicantes. Só assim se pode escrever com liberdade.

||| E portanto.













Obrigado pelos telefonemas, sms, mails. O trabalho vem a seguir.

10 janeiro, 2006

||| Revista de blogs. A primeira pessoa.
«Que este blogue serve para denegrir a imagem do seu autor, isso não constitui surpresa.»
{No Complexidade e Contradição.}

||| Na verdade. (Por que é que são pirosos os escritores portugueses quando escrevem sobre sexo?)
O pior, caro JPG, é que a Lindholm não é comida no fim nem nada.

||| Lições de vida, como dizias.
Uma pulhice fantástica: em altura de eleições, eliminar da lista dos links os amigos & conhecidos & bloggers que são da outra candidatura. Não levas nem mais um charuto.

09 janeiro, 2006

||| Revista de blogs. A lei anti-tabaco nos restaurantes.
«Mais do que uma lei que proiba fumar em restaurantes é preciso uma lei que proíba comer em certos restaurantes.»
{José Nunes, no Contra-Indicado.}

||| O Teatro.
Onde está a verdade? Lagarto sabia que Fragateiro vinha aí? É por essas e por outras que, de facto.

||| O Grande Benfiquista do Porto.
O Altino mudou-se do Food-i-do para o Terceira Voz. Por momentos hesitei: o Altino, na Terceira Via? Não podia ser.

||| Revista de blogs. A comunicação social, esse monstro.
Luís Rainha sobre Mário Soares e «a comunicação social».
{No Aspirina B.}

||| Quem?
Isto aparece no blog de José Medeiros Ferreira e Mário Bettencourt Resendes?

||| Black-out. [Actualizado.]
Não fala mais com o pessoal. Há hierarquias.

À saída de uma visita à Lisnave, esta terça-feira, Mário Soares surpreendeu tudo e todos: «A partir de agora é campanha; é outra coisa. E não vos falo mais directamente, fala ele.»
Sensivelmente à mesma hora, não se fez esperar a reacção dos Elementos, que compreenderam e se manifestaram.

Afinal, explicou depois o assessor de imprensa [«ele], que se trata apenas de «disciplinar os contactos com os jornalistas». Portanto, presume-se que «ele» e outras pessoas chamaram o candidato à razão.

||| Livros de 2005.
No Livro Aberto, disponíveis as listas dos dez livros mais votados em cada área (ficção portuguesa, ficção estrangeira, ensaio, poesia) e também publicados no «Mil Folhas» de sábado passado. Votações finais até quarta-feira, lá no blog.

Além das escolhas de Pedro Mexia e de Eduardo Pitta, também on line as de Isabel Coutinho, editora do «Mil Folhas/Público», para o seu balanço de 2005.

08 janeiro, 2006

||| Largo do Arouche.
O Alexandre Monteiro lançou o Arouche. Pessoalmente, é um dos lugares emblemáticos de São Paulo, sobretudo nos finais de tarde dos invernos paulistas, frios, com cheiro de comida vinda de lugares nada recomendáveis, árvores sujas, ônibus, luzes lá no alto, dos prédios rasgados no céu, fumaça de caminhões, Ipiranga & Avenida São João. Lembro de um episódio, numa esplanada do Arouche, por volta das duas da manhã, um grupo discutia futebol e bebia cerveja (estávamos num congresso de revistas literárias): Horácio Costa (organizador, então a viver entre México DF e São Paulo), Manuel Costa Pinto (na altura, na Cult), Christopher Domínguez (tinha acabado de substituir Octavio Paz na direcção da revista Vuelta), José Ramón Ripoll (da Revista Atlántica de Poesía), etc. Em espanhol e em português. A essa hora da madrugada, naquele lugar, só um bar tem as portas abertas, com uma velha juke box debitando sucessos de novela e duas senhoras servindo às mesas da esplanada -- uma delas avançou para a mesa e perguntou: «Vocês são cartolas do Corinthians?» Surpresa durante um instante. Horácio, que detestava futebol, olhou para a senhora e murmurou: «Não, do São Paulo graças a Deus. Corinthiano nem no futebol.»

||| Por que é que são pirosos os escritores portugueses quando escrevem sobre sexo?, 2.













Existe, no entanto, um pormenor ainda mais piroso: quando os escritores straight se metem a escrever sobre personagens homossexuais. Há páginas superlativas no género. O paternalismo marialva é nota predominante. Mas há casos, nomeadamente em relação às mulheres, em que dá vontade de rir. No meio de tudo isso, uma enorme vontade de fazer moral e sociologia. Que é o mais irritante no romance.

||| Por que é que são pirosos os escritores portugueses quando escrevem sobre sexo? [Actualizado.]


Na generalidade, são mesmo. Há recolhas hilariantes de textos sobre o assunto. Serpentes que tentam entrar no búzio, mulheres que se vergam ao peso de uma espingarda de carne, marialvismos, imagens imbecis, coisas que nem o saudoso Dr. Fritz Kahn (no seu inestimável A Nossa Vida Sexual) teria coragem de imaginar. Inês Pedrosa coligiu em tempos, no O Independente, uma antologia genial. As metáforas para o sexo são quase sempre perigosas, desadequadas, inadequadas, ridículas, além de fornecerem abundante informação sobre misérias de que não queremos saber. Há vários motivos. A rapaziada desses livros não tem grande tesão. Escreve sobre sexo mas não quer escrever sobre sexo; quer fazer literatura, dar um ar elevado à coisa -- que tem uma dimensão metafórica, certamente, mas isso é com cada leitor. Melhor inventariar, então, metáforas -- e é uma foleirice. Depois, há outro problema: se os personagens e as personagens não têm um índice mínimo de tesão, como é que hão-de interpretar diálogos e situações que valham a pena? No way. Evidentemente que há que contar com a «síndrome da bolinha no canto», informando os incautos que se está a falar de sexo -- e, então, a regra de «retroceder no último momento»: suavizar a linguagem, esvaziar as frases, pulverizar aquela trapalhada. Na verdade, os personagens e as personagens desses romances têm um grande pudor: não fodem; limitam-se a ser observados por um coleccionador de metáforas ou um manobrador do Dicionário de Sinónimos dos Fenianos do Porto. Há vastíssimas catadupas de sugestões, simulações, complexos, armadilhas, confusões -- mas, digamos, uma ripada bem dada é coisa rara, muito rara. Não que seja necessário. Mas quando se quer levar a caneta por esses lugares (salvo seja), então que seja com grande categoria.

Ver o Estado Civil e o Memória Inventada, via Glória Fácil. E também o Miniscente.

O Francisco Trigo de Abreu resumiu o texto de Inês Pedrosa aqui e aqui (obrigado pelo link, Francisco)

||| Há uma razão para tudo.
[os dias que se seguiram à passagem do furacão Katrina pelo sul dos Estados Unidos] «Se fosse religioso diria que aquilo foi Deus a funcionar», disse [Mário Soares].

Via Portugal dos Pequeninos.

07 janeiro, 2006

||| Eduardo.
Distracções e afazeres impediram-me de assinalar o aniversário de um dos blogs de leitura obrigatória, o Da Literatura. O Eduardo Pitta não merecia esse esquecimento mas, como temos sessão de trabalho marcada para uns destes dias, eu hei-de ser desculpado. Quanto ao Da Literatura, transformou-se, em pouco tempo, numa referência na blogosfera. Ele é como o Eduardo: corajoso, muito bem informado, cultíssimo, com opinião forte. «Parabéns» é pouco, mas fica subentendido.

06 janeiro, 2006

||| O Brasil de Lula.













Vou ler, com muita atenção, este número da Política Internacional. Sobretudo os textos de Fernando Gabeira (sobre ambiente -- uma das «áreas de falsificação» durante o governo Lula), o de Gustavo Binenbojom (sobre as agências reguladoras -- não esquecer que a actual ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, tentou sempre, quando era ministra da Energia, liquidar essas agências e pô-las ao serviço do governo, ocupando-as com funcionários fiéis), Fabiano Santos (Instituições democárticas e reforma política), Merval Pereira (sobre o funcionamento do PT, as suas boas relações com os partidos conservadores e a contestação da ala esquerda), o de Cristóvão Buarque (sobre educação, naturalmente, sobretudo depois da passagem de Tarso Genro pelo ministério, o homem que defendia a cubanização do ensino no Brasil) e, naturalmente, o de Francisco Seixas da Costa sobre Portugal e a política externa brasileira (ainda não li, mas vou também ler, o texto de Clóvis Brigagão sobre o Itamaraty sob Celso Amorim).
Bom trabalho do Paulo Gorjão a organizar este número.

||| Teoria Geral da Blogosfera.
O Jorge Marmelo explica, em linhas gerais, os princípios que norteiam a blogosfera. Nem mais.

«Desistir. Já sucedeu antes, várias vezes. Depois arrependo-me e recomeço tudo outra vez, com outro nome, outro template e o mesmo endereço de sempre – como uma impressão digital que se não apaga. Este blog tem perdido tudo: os nomes, os posts, os arquivos, os links, os olhos e os motivos.»

||| Livros relidos.














Enquanto rearrumo livros na estante, dou com títulos que esqueci. Sinouhe, o Egípcio, de Mikka Waltari (tradução portuguesa na Bertrand, a capa a desfazer-se, ao lado da edição francesa de bolso, com muito mais páginas...). Ou as duas edições de Lusco Fusco, de Pablo La Noche -- a portuguesa, edição da Bertrand, e a francesa, da Robert Laffont. Só que a edição francesa tem a particularidade de imprimir na capa o verdadeiro nome do autor, Marcello Mathias, e de transformar o pseudónimo português, Pablo La Noche, em título, Pablo La Nuit. É um romance de fim de tempo, triste, romântico, lírico, picaresco também. Marcello Mathias foi embaixador em Paris durante o governo de Salazar (está publicada a sua correspondência, com os cuidados de Maria José Vaz Pinto, edição da Difel) e esteve no coração de muitos episódios interessantes que envolveram o ditador (como a sua relação com Christine Garnier). Era, além disso, um bom poeta (autor de umas odes quase gregas, publicadas em 1972, e cujo paradeiro desconheço agora). Na altura da edição de Lusco Fusco, o livro foi «saudado pela crítica» (Urbano Tavares Rodrigues, Hernâni Cidade, Norberto Lopes no República, etc.). Conheci o embaixador depois da publicação da correspondência com Salazar e recordo que, na altura, não lhe perguntei o que queria saber: Salazar ficou zangado com o romance? Devia ter ficado. Marcello Mathias era um velho cavalheiro. De certa maneira, também ele um personagem de romance. E é uma pena que Lusco Fusco, aliás Pablo La Noche, não tenha sido reeditado ultimamente.

E também reencontrei O Perfume, de Patrick Süskind, sim. Reli até ao momento em que o desgraçado reconstitui o perfume de Pelissier.

||| Vai valer tudo. [Actualizado]
Basicamente, de acordo com a Constança: «A campanha presidencial vai começar precisamente no momento em que o interesse por ela acabou.» Mas, porque há candidatos que não são candidatos, vai valer tudo. Não vão dizer nada de realmente importante; vão ocupar espaço, uma garantia constitucional e televisiva. É um jogo claro e devemos aceitá-lo. O único problema é a lei, não escrita, de que vale tudo sob o pretexto do «instinto político»: frases & insinuações, a coberto da necessidade de fazer campanha; acusações disparatadas e pequenos dislates pessoais sempre desculpados a coberto dessa característica do «animal político»; julgamentos e preconceitos de ocasião transformados em «facto político». Nada que nos espante. Mário Soares insinuou o que quis, na altura, sobre a relação entre Sá Carneiro e Snu Abecassis, com o dedo moralista apontado; depois desculpou-se e a vida continuou -- estávamos em campanha. E durante a campanha, durante esta campanha, vai valer tudo. É a vida. Estejam preparados.

Sobre o episódio-foguetório do «financiamento das campanhas», ler o post do João Gonçalves.


Carlos Azevedo, nos comentários a este post: «Mas Snu, que não tinha a nossa mentalidade (felizmente para ela), não perdoou. Mário Soares, após as eleições que deram a vitória à AD em 1979, encontrou Snu por acaso e esta disse-lhe que não pode haver diferenças entre o comportamento moral de uma pessoa em campanha ou fora dela.»