30 outubro, 2005

||| Revista de Blogs. Ser português.
«Enfeitar as estantes da sala com as prendas do casamento.»
{Isabel, no Miss Pearls. Todo o texto aqui.}

||| Revista de Blogs. Estudos e predições durante a infância.
«- Olha, nosso filho tá comendo cocô!
- Que merda!
- Que merda nada! Isso quer dizer que ele tá com curiosidade. Quer investigar, descobrir o mundo!
- Sei.
- (exultante) Nosso filho vai ser um intelectual!
- (preocupado) Pera lá. Você acha que ele vai continuar comendo merda pelo resto da vida?»
{Fabio Danesi Rossi, no FDR}

||| Revista de Blogs. Magazine.
«MISS LUANDA: É Jamila Fortes. Ganhou um telemóvel, uma bolsa de estudos e uma viagem para Lisboa. Deseja-se à feliz contemplada, expoente máximo da beleza ultramarina, uma agradável estadia na metrópole.»
{Filipe Nunes Vicente, no Mar Salgado.}

||| Revista de Blogs. Mudança de hora.
«Pronto. Vai anoitecer mais cedo, outra vez. Já não basta vir aí o inverno, ainda temos de lhe adoptar a puta da hora. Aos tipos que gostam do inverno, e aos que acham bem que fique escuro mais cedo, havia a noite de lhes começar às onze da manhã. Todos os dias.»
{Besugo, no Blogame Mucho.}

||| Surf.













Acabou o blog da Bruna Surfistinha. Tanto escreveu que acabou por publicar um livro (O Doce Veneno do Escorpião. O Diário de uma Garota de Programa, edição Original). Adeus voyeurs.

||| Daqui a nada.
Acordei cedo e enfrentei as estantes. Tive saudades daqueles títulos, A Letra e o Leitor ou Ao Contrário de Penélope, de Jacinto do Prado Coelho, Poesia e Sociedade, de Georges Mounin, A Estrutura de Os Lusíadas, de Jorge de Sena, e aqueles títulos clássicos de crítica literária, de Mário de Sacramento, Moniz Barreto, António José Saraiva, Adolfo Casais Monteiro, Eduardo Lourenço, Óscar Lopes, Perspectiva Histórica da Ficção Portuguesa, de Gaspar Simões, Qu'est-ce que la Littérature, de Sartre, até as teorias da literatura, de Du Bos, Croce, Welleck, Aguiar e Silva, Frye, Jauss, Varga. Continuei assim por meia-hora. Avancei no tempo, lembrei-me de coisas que se tornavam absurdas evocadas junto com a memória da altura em que foram lidas: Paul de Man, Feyerabend, Jonhattan Culler, Todorov, Roman Jakobson, Fowler, Blanchot, Genette, Lyotard, até Barthes e Terry Eagleton (o marxismo instrumental), Iser e Ingarden, os estudos de linguística que tinham sobrado, Benveniste e Schmidt, Riffaterre, Hjelmslev, Van Dijk e Petöfi, Chomsky, Ducrot, Dubois, Austin e Halliday. Muita poeira. Tinha subitamente envelhecido no meio de livros. Terminei e escolhi Camilo e a Revolução Camiliana, de Abel Baptista. Começou a chover e já não fui passear à praia.

29 outubro, 2005

||| Algodres.










Albino Cardoso, em New Jersey, mantém um blog sobre os judeus de Algodres.

||| Rua da Judiaria.













Dois anos de Rua da Judiaria é motivo de orgulho e de alegria muito especial. E muito pessoal. Sou amigo do Nuno Guerreiro há muitos anos e tenho saudades dele. Lê-lo não basta. Nem conversas por telefone.

(O Chagall é para o Nuno.)

28 outubro, 2005

||| As Imagens. Tarsila do Amaral.











Sobre Tarsila do Amaral.

||| Soma & aritmética.
A ideia de que a soma dos votos da esquerda em Fevereiro (ou nas autárquicas) deve ser distribuída por todos os candidatos de esquerda, depara com um problema básico: as eleições presidenciais são outra coisa. A maioria sociológica que deu a vitória a Sócrates em Fevereiro (contra o PSD velhaco e a enorme quantidade de trapalhadas da época) não votou na denominação e na cartilha da esquerda tradicional.
O que mudou nos últimos anos portugueses não foi a correlação de forças entre a “esquerda” e a “direita” clássicas (visível através da “alternância democrática”), entre o PS e o PSD, mas a ideia de que existem outras coisas para lá dessa arena – outros valores, outras exigências (de natureza cultural – sobre a vida, sobre o carácter dos políticos e o seu comportamento, sobre o peso e os negócios do Estado) e, sobretudo, uma outra ideia acerca do que deve ou pode ser o país.
Por isso, a 20 de Fevereiro, os eleitores acharam que o aparelho de Estado devia ser uma coisa séria. Não se aceita um governo para ele pôr a casa em pantanas – mas para que a arrume, para que discipline as suas regras de funcionamento, para que proceda às reformas essenciais. Não para fazer reformas só porque os cavalheiros do costume exigem reformas e convulsões, que normalmente acarretam mais despesa.
Mais: a vitória de Sócrates (desenhada brilhantemente por uma campanha de marketing da LPM) foi a vitória do modelo do homem normal. Ou seja, que as pessoas queriam uma vida normal. Uma vida normal é uma coisa simples - professores colocados a horas, ordem nas ruas, telenovela antes e depois do telejornal, futebol ao fim-de-semana, juros baixos, telemóveis baratos e férias no Algarve. Não são precisas nem muita sensibilidade política nem muita perspicácia de sociólogo para compreender esse desejo de mediocridade. Há um lado da democracia que se deixa fascinar por esse desejo de mediocridade simpática - é necessário compreendê-lo. Com isso se ganham eleições e se seguram governos. Sócrates soube ver isso, ou alguém lho fez ver. Mesmo que o resultado (ou as consequências) seja diferente.
Por isso, confundir a vitória do PS em Fevereiro com a vitória em toda a linha da esquerda tradicional, parece-me um erro de cálculo.

Ver, também, o post de João Gonçalves.

||| Cats & dogs. Uma dieta aceitável.
«I was in the natural food store the other day, and I noticed a guy buying a case of cans of Vegetarian dogfood. This should be illegal. I know there are people who do aromatherapy and homeopathy on their pets -- this is harmless. But you have to be clinically insane to feed your cat or dog vegetarian food. Especially cats. While dogs are omnivores, cats are designed to eat rodents. The ideal cat diet is 2-3 live mice a day, kicking and screaming, claws, fur, eyes, teeth, bones, and all. That's the diet that built the cat!» David Siegel, no seu blog.

27 outubro, 2005

||| Um grande centenário.
Não percebo como a blogosfera, tão atenta, deixou passar este centenário que tanto contribuiu para a nossa felicidade.

||| Leituras soltas. Luiz Antônio de Assis Brasil.
«Vieram na segunda classe, no mesmo navio que reconduzia para cá D. Pedro II depois de uma visita à Europa. Ela enxergara o Imperador tomando sol no convés mais alto. Abanou-lhe. Foi retribuída. Desde então o Monarca passara a ser apenas um homem como os outros.
– D. Pedro é um homem como os outros – ela um dia disse ao Historiador, provocando-lhe uma reação de espantada incredulidade. Ele nunca pensara nisso. O fascínio imperial estava muito acima dessas contingências humanas.
A primeira coisa do Brasil a chamar a atenção de Cecília foi a selva. Em Portugal a natureza fora domada havia séculos. Aqui, a selva, plena de vapores, crescia por tudo, recobrindo as montanhas do Rio de Janeiro e entranhando-se no caráter das pessoas. A selva possuía algo de misterioso, como um coração.»
Luiz Antônio de Assis Brasil, A Margem Imóvel do Rio, Ambar.

Luiz Antônio de Assis Brasil nasceu em Porto Alegre, onde vive, em 1954. É professor universitário e já escreveu um livro de ensaios sobre literatura dos Açores. Entre os seus livros contam-se O Homem Amoroso, Breviário das Terras do Brasil, O Pintor de Retratos (já publicado em Portugal) e A Margem Imóvel do Rio, que foi finalista do Prémio Jabuti e é também do Portugal Telecom Brasil, e que acaba de ser lançado pela Ambar. No Brasil os seus livros estão publicados pela LPM.

||| Sebastianismo.
O artigo desta semana no JN.

||| Biodiversidade.


Há maneiras mais fáceis de se expor ao ridículo,
que não requerem prática, oficina, suor.
Maneiras mais simpáticas de pagar mico
e dizer olha eu aqui, sou único, me amem por favor.

Porém há quem se preste a esse papel esdrúxulo,
como há quem não se vexe de ler e decifrar
essas palavras bestas estrebuchando inúteis,
cágados com as quatro patas viradas pro ar.

Então essa fala esquisita, aparentemente anárquica,
de repente é mais que isso, é uma voz, talvez,
do outro lado da linha formigando de estática,
dizendo algo mais que testando, testando, um dois três,

câmbio? Quem sabe esses cascos invertidos,
incapazes de reassumir a posição natural,
não são na verdade uma outra forma de vida,
tipo um ramo alternativo do reino animal?

Paulo Henriques de Britto, Macau. (Companhia das Letras)

||| Porto judaico.
Descoberta uma sinagoga no Porto, na Rua da Vitória, «numa casa onde a paróquia de Nossa Senhora da Vitória ultima a construção de um lar de idosos, com aval do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR)». Trata-se de uma sinagoga (mais precisamente, do ponto de vista material, o mais importante é a existência de um ehal, o lugar onde são guardados os rolos da Torah) que data dos finais do século XVI, depois da expulsão, conversão forçada e primeiros pogroms dos judeus portugueses.

||| Terramoto ainda.
O Pedro Almeida Vieira, autor do romance O Profeta do Castigo Divino (ver post abaixo) acrescenta mais informações:

«Já agora, acrescento outro livro de ficção, publicado no século XIX (1874) por Manuel Pinheiro Chagas intitulado Terremoto de Lisboa, reimpresso em 1937 (de que possuo um exemplar). Além disso, existem também várias obras pós-terramoto, de que destaco os dois poemas épicos Lisboa Reedificada (1790), de Miguel Maurício de Ramalho) e Lisboa Destruída (1803) de Teodoro de Almeida. Este último tem um estilo camoniano e segue uma linha muito «interessante»: nas notas, o autor, que era padre, salienta que «ficando Lisboa destruída, Deos conseguio dois grandes fins, que intentara, hum de se fazer temido, e respeitado dos prevaricadores daquele tempo, outro de prevenir com este aviso os Atheos, Deistas, e Materialistas Portugueses, que o Senhor pela sua presciencia divina sabia, que poucos annos depois, corrompidas das ímpias doutrinas das nações estrangeiras, se rebellariaõ contra a Religiaõ; para que se lembrassenm que Elle sabe soffrer, porque he eterno, e tambem zombar dos seus zombadoresm porque he honrado e Santo» (sic).

Por fim, na área do ensaio, aconselho os dois melhores trabalhos de historiadores sobre o terramoto de 1755. Por sinal, ambos estrangeiros. Em 1955 foi publicado no Reino Unidos (edição nos EUA no ano seguinte) um livro do então director do Museu Britânico, T. D. Knedrick, intitulado The Lisbon Earthquake. Jamais foi traduzido em português, o que é uma pena, mas pode ser encontrado em alguns alfarrabistas estrangeiros (preços bastante variados...). O outro, é muito mais recente, publicado no ano passado, e é da historiadora brasileira Mary del Priore, intitulado O Mal sobre a Terra, que se pode mandar vir de qualquer livraria online brasileira. Aliás, esta historiadora irá estar em Lisboa no dia 5 de Novembro, no seminário do ISCTE sobre o terramoto.»
Além disso, acaba de sair o poema de Voltaire sobre o terramoto de 1755, com tradução de Vasco Graça Moura.

||| A boa campanha.
Na edição deste ano da Feira de Frankfurt, um ano depois de o «mundo árabe» ter sido convidado de honra de 2004, ofereciam-se «os direitos» dos Protocolos dos Sábios de Sião, edição da Islamic Propagation Organization. Veja como o anti-semitismo oficial entrou em Frankfurt.

PS - Mas alguém estranha que isto aconteça, antes ou depois de as declarações do presidente do Irão não terem suscitado protestos internacionais relevantes? Se fosse o contrário...

||| Mais terramoto.









O Manuel Jorge Marmelo lembra, e bem, a existência de um outro livro com o terramoto de 1755 como cenário: o Lilias Fraser, de Hélia Correia (Relógio d'Água), só que já publicado em 2001. Lilias Fraser é, julgo eu, o grande livro de Hélia Correia, onde acompanhamos a vida de Lilias, a partir da batalha de Culloden, na Escócia, em 1746, até Lisboa, 1755.
Fora da ficção, há ainda o livro de Luís Rosa, O Terramoto de Lisboa e a Invenção do Mundo (de 2004), e o de João Duarte Fonseca, O Terramoto de 1755 (Argumentum).
O Rui Tavares acaba de lançar O Pequeno Livro do Grande Terramoto (edição Tinta da China) e disponibiliza mesmo um blog sobre o livro. Ainda não o li mas, para sabendo que o Rui é, entre outros, tradutor de Voltaire, parece-me promissor. Rui Tavares disponibiliza, ainda, uma boa bibliografia sobre 1755, além de uma série de links muito úteis. Eis um bom exemplo da utilidade da blogosfera.
Ainda sobre o tema, ver este conjunto de resumos de comunicações de um colóquio da Faculdade de Letras de Lisboa sobre o assunto.

26 outubro, 2005

||| Terramoto de 1755.
Três livros sobre ou em redor do terramoto de 1755: A Voz da Terra, de Miguel Real (Quid Novi), O Profeta do Castigo Divino, de Pedro Almeida Vieira (Dom Quixote) e O Segredo Perdido, de Júlia Nery (Bertrand). Li os dois primeiros e são muito bons. No primeiro romance, Miguel Real consegue estabelecer uma ponte entre um lirismo espantoso e o rigor nos traços biográficos do Marquês de Pombal. No segundo, uma extraordinária reinvenção da figura do padre Gabriel Malagrida e da narração do Diabo.

||| Leituras soltas. Pepetela e os emergentes.
Predadores, de Pepetela (Dom Quixote), para quem se interessa sobre Angola. Um retrato da classe emergente de Luanda e notas sobre os erros dos últimos trinta anos. Algumas coisas já vão tarde.

||| Leituras soltas. Paul Blick fala sobre a França.
«Era esta a minha família na época, desagradável, retrógrada, reaccionária, terrivelmente triste. Francesa, numa palavra. Assemelhava-se ao país, que se considerava satisfeito por se manter de pé, depois de superar a humilhação e a pobreza. Um país agora suficientemente rico para desprezar os seus camponeses, fazer deles operários e construir-lhes cidades absurdas formadas por edifícios de uma fealdade funcional. Ao mesmo tempo, a caixa das mudanças dos automóveis passava de três ara quatro velocidades. Não faltava mais nada para que o país inteiro se convencesse de que metera a mudança superior.»

«A eleição de Mitterrand provocara o descalabro do franco, uma desvalorização de vinte por cento dos valores bolsistas e a fuga de capitais que se escapavam, noite e dia, por todas as fronteiras da nação. E eu, entretanto, de alma pura e pé na tábua, conduzia o meu automóvel até Barcelona.»

«Apertava a mão de Marie na minha e contava-lhe notícias da família e do mundo, os magníficos progressos de Louis-Toshiro e os propósitos de um certo Raffarin, antigo fiscal de pesos e medidas de Poitevin. Quando, em Março de 2003, eclodiu a guerra do Iraque, ainda tentei descrever-lhe a desordem do mundo [...]»
Paul Blick é o personagem-narrador de Uma Vida Francesa, de Jean-Paul Dubois (edição Asa), a lançar amanhã à tarde em Lisboa.

||| Leituras soltas. Mandrake confessa-se sobre o passado.
«Meu pai passava o dia e a noite acordado, quando ia para a cama ficava lendo e eu lhe pedia que parasse de ler, apaga a luz de cabeceira e vamos dormir, eu dizia, e ele respondia que não queria dormir e quando não estava lendo ficava de olhos abertos olhando para o teto ou para a janela. Fecha os olhos, eu pedia. Não fecho, não posso fechar os olhos, se fechar os olhos eu morro. A luz da cabeceira permanecia acesa, eu acordava no meio da noite, do meu sono agitado, e lá estava ele, de olhos abertos, olhando para o teto. Um dia notei que ele estava de olhos fechados e pensei, aliviado, afinal ele dormiu, e apaguei a luz da cabeceira. Quando acordei, pela manhã, ele estava morto.» «Monólogo» de Mandrake em Mandrake, a Bíblia e a Bengala, de Rubem Fonseca. Na semana passada, no «Escrita em Dia» da Antena Um, o Bruno Santos fez uma magnífica leitura do extracto.

||| Neo-col.
O Diário de Notícias publica hoje matéria sobre este post. Mas não cita nem refere.

25 outubro, 2005

||| Referendo brasileiro.
Alertado pelo Claudio Tellez, está corrigida uma palavra no post sobre o referendo brasileiro. Em vez de «Globo, na Folha ou no Estado, que apoiaram o não» devia ler-se «Globo, na Folha ou no Estado, que apoiaram o sim».

||| Mais comida, mas com problemas.
A Nature diz que «old menus reveal collapse of fish stocks»: «Fisheries experts are using old restaurant menus to piece together how the world's seafood stocks have declined over the past century and a half. Prices dating back to the 1850s highlight the growing scarcity of foods such as lobster, swordfish and oysters.» Ninguém os manda.

||| Eu acho isso muito bom.
O Daniel M., do B-site, foi o autor do melhor comentário sobre o «post desaparecido»: «Especialmente con comida libanesa acontece muito.» O BJM já tinha anunciado: alguém o comeu. Já o Gonçalo acusava-me de não saber «do que são capazes os libaneses maronitas». Conflito à vista.

||| O post desaparecido (tentativa de reconstrução). A comida libanesa é a antecâmara da levitação.
Ementa do Gonçalo, um dia destes, no Almanara, em São Paulo: «Jantar no Almanara. Pão sírio. Esfiha aberta. Nem michui nem kafta. Fatouche e kibe cru, com cebola e aipo. Entre o malabie, o ataif e o bekhleua escolho o primeiro. Com calda de damasco. Café e a conta. Pode incluír os 10%.»
Quem andou procurando botecos libaneses em São Paulo sabe bem que se trata de uma antecâmara da levitação: comida daquela, só a uma certa distância do chão. Vapores, cereais, frango, arroz, fritos, quibes, ervinhas, vinagres. Só em Manaus encontrei dois lugares, pequenos e desconhecidos dos guias, que ultrapassam o cardápio paulista. Os melhores quibes fritos foram em Salvador. Quibes crus em Santos.

Sim, e irei ao Adi Shoshi (no Bom Retiro) para comer varenikes, cholent, a beringela recheada, kababi e -- uma vez sem exemplo, gefilte fish.

{Adenda} Escrevi este post mencionando originalmente a «comida síria» de Sampa. Isso provocou um terramoto (conjugal, no caso do Gonçalo), mas a culpa era minha. Aconteceu-me coisa igual enquanto escrevia o Longe de Manaus, que desafinava (e confundiu Jaime Ramos até ao fim) sempre que se falava da sua origem, que era Beirute -- tanto lhe chamavam turco, como sírio, como «herdeiro do império», como, finalmente, libanês. Era libanês, um libanês de Manaus.

O Nuno tinha comentado: «
Quanto a quibes crus, Manaus arrasa. Duas mesas no jardim de uma senhora, filha de emigrantes libaneses, sem nome na porta. Ganha por um braço aos de Sampa. E em Santos, onde?» Esqueci o nome, foi há cinco anos, mas era não muito longe do velho terminal de emigração.

||| Missing.
Desapareceu um post do A Origem das Espécies (sobre comida libanesa em São Paulo). Isso pode acontecer?

||| Grafitos.
De Glasgow, escreve a Verónica Neves sobre o problema dos grafitos:
«Aqui em Glasgow a câmara disponibiliza, com algum sucesso, certos lugares/espaços/suportes da cidade para os grafitos. Não sei o que mais faz a câmara, mas sei que, o que quer que seja, funciona – porque não se vê a quantidade abominável de “riscos & rabiscos” que se vê em Lisboa. E os locais que estão destinados aos grafitos são usados por “grafitadores” de qualidade.
Uma coisa que me tem chocado nas últimas visitas a capital lusa é exactamente a quantidade de grafitos, ainda por cima grande parte deles feios e nos sítios mais inimagináveis. Por exemplo, andar a grafitar as belíssimas estações de metro é de um terrorismo urbano atroz! O mesmo se passa com as portadas de madeira das janelas dos reformados do Bairro Alto.
E no Bairro Alto escrevem
Ratos de uma forma psicadélica por todo o lado. Pelo que ouvi, parece que a mensagem de tal artista é que a humanidade se multiplica ao ritmo de roedores e polui demasiado o planeta, ou qq coisa assim. Talvez esse tal “rato-autor” até tenha uma mensagem importante; só não entendo porque é que não usa uma forma mais construtiva, ou pelo menos bonita ou divertida, de passar a sua mensagem.
Aqui em Glasgow os grafitadores também fazem aquelas intervenções urbanas tipo stencil -- não sei como é que se diz (também se vêem muito em Lisboa e normalmente são bem interessantes!). Mas colocam o stencil nos passeios de betão ou nas caixas de alta tensão, ou nos estaleiros de obras. Isto é, em suportes que são valorizados pela adição do grafito/stencil/mensagem. E é um prazer descobrir as novas mensagens dessas pessoas e a forma original que encontram para as fazer passar.
Não tenho absolutamente nada contra a decisão de encarcerar por uns dias o pessoal que grafita uma belíssima estacão de metro em Lisboa, por exemplo. Ou mesmo
convidar essas pessoas a uns dias/semanas de trabalho para a comunidade. Entre as suas tarefas poderia estar exactamente a limpeza de paredes, azulejos, portadas de janela etc, etc...
A Câmara de Lisboa tem também a obrigação de encontrar formas originais de dialogar com estes “terroristas” urbanos e valorizar, no suporte adequado, o bom trabalho que alguns produzem.»

||| Politicamente respeitável.
Finalmente, há uma lei de estrangeiros mais decente. Provavelmente não será a lei perfeita, mas eu não acredito em leis perfeitas; acredito no respeito pelos estrangeiros e pelos emigrantes. Pois tu foste estrangeiro -- não se deve esquecer essa lição.
Não entendo é como o secretário de Estado Jorge Lacão decide anunciar a mudança do «quadro legal da prostituição» sem ter em conta os problemas da emigração ilegal. A opção «politicamente respeitável» pelos modelos holandês, sueco ou alemão -- muito aceitável para discussão, mas ridículo como proposta séria-- irá enfrentar uma questão central: estará o governo na disposição de legalizar as milhares de emigrantes ilegais que se enquadram no projecto? Evidentemente que não se pode tributar uma actividade sem legalizar os seus agentes. E, nesse caso, como vigiar a fuga aos impostos nesta área de actividade económica sem se intrometer na esfera da vida privada e na intimidade dos cidadãos? Aceitarão todas elas o cartão de segurança social e a carteira profissional respectiva, mencionando a ocupação?
Mais uma vez estamos diante de uma decisão «politicamente respeitável» que pretende resolver questões de fundo apenas com um enquadramento legal. Ora, o actual «enquadramento legal» devia servir, antes de mais, para punir e perseguir os responsáveis por tráfico, violência e maus tratos a mulheres, exploração de emigrantes, fuga ao fisco, etc. Isso era já um grande favor ao género humano. Uma viagem pela província e pelos subúrbios bastaria. Quanto ao resto -- legalizar todos os aspectos da vida -- parece-me uma obsessão.

||| Minudências & miudezas.
Quando, há semanas, eu duvidava seriamente da indignação em relação ao caso de Felgueiras pensava nisto e nisto e, claro, também nisto. Minudências.

24 outubro, 2005

||| Saramago.
«A ausência da morte é o caos. É o pior que pode acontecer a uma sociedade.» Saramago falando sobre o seu novo livro, As Intermitências da Morte (no Estado de São Paulo). O livro será lançado primeiro no Brasil, a 27, e só depois (a 11 de Novembro) em Portugal, Espanha e Itália.

Para leitores brasileiros: o lançamento mundial do livro será em São Paulo (27 de Outubro, quinta-feira, às 20h, Sesc Pinheiros - Teatro, na Rua Paes Leme, 195); a 30, domingo, às 16h em Belo Horizonte, no Palácio das Artes - Grande Teatro, na Avenida Afonso Pena, 1.537; finalmente, a 31, no Rio de Janeiro, às 19h, no Conjunto Cultural da Caixa - Teatro Nelson Rodrigues, na Avenida Chile, 230). É a vida. Ide, ou não.

||| Grafiti.
No primeiro caderno do Expresso, li uma peça sobre os grafitos. Que custam os olhos da cara às câmaras municipais; que Londres, Barcelona, Madrid ou Paris gastam fortunas para limpar as cidades das tags da rapaziada; que Lisboa pagou milhares e milhares de euros para limpar o lixo que eles deixam. Na Única, do Expresso, li uma reportagem sobre a arte do grafito e sobre uma loja onde se compram tintas e outros materiais para produzir grafitos que depois obrigam as câmaras a gastar rios de dinheiro para limpar. O direito ao contraditório.

||| Vingança.









O olho clínico do Gonçalo Soares, ao passar por uma livraria Nobel , em São Paulo, detectou (a propósito do post Neo-colonialismo) que havia dois autores demasiado próximos nas estantes: Sanches Neto, precisamente, e eu próprio. Vingança do destino.

||| Paulo Francis.
Atenção a este site sobre Paulo Francis (sugerido pelo Alexandre) Sem muita informação mas com o essencial para perceber quem foi Paulo Francis. Ir também aqui.

23 outubro, 2005

||| Referendo brasileiro.
Ganhou o não à proibição de venda de armas.
Se há coisa que não se pode atribuir a esta vitória é o favoritismo da imprensa. Sobretudo no Globo, na Folha ou no Estado, que apoiaram o sim. Lula pôde intervir na campanha pelo sim, tal como várias «frentes de intelectuais» e políticos (Serra e FHC também votaram sim). É dos referendos mais complexos.
Ver a reportagem «Referendo revelou descrença do povo no poder público», de Luiz Cláudio de Castro no O Globo.
Regras para a venda de armas são rígidas.

||| Ingratidão.
Partido dos Trabalhadores expulsa Delúbio Soares. Directório do PT afasta o ex-tesoureiro acusado de ser um dos responsáveis pelo financiamento ilegal de campanhas. Ingratidão pura.

||| Associação de ideias.
«Lembro uma vez que, saindo da Espanha, atravessei Portugal de cima a baixo num carro alugado que tinha toca-fitas. Um amigo havia me feito uma fita de presente com doze interpretações diferentes de “I’m thru with love”, cada uma melhor que a outra: Frank Sinatra, Tony Bennett, Billie Hollyday etc. A fita era o máximo. Os versos «I’m thru with love, I’ll never fall again,/ Said adieu to love, don’t ever call again./ For I must have you or no one,/ And so I’m thru with love» ficaram para sempre associados a Portugal, ao cheiro de peixe, aos bondes, às mulheres de bigode, ao restaurante Tromba Rija. Ouvi a fita durante anos.»
Mário Sérgio Conti, «
Engarrafamento: Pessoa e Proust», no No Mínimo.

||| Rankings.
Estou enganado ou a publicação dos rankings das escolas secundárias e seu tratamento jornalístico, um acontecimento que noutros anos motivou guerras fatais, passou este ano na mais completa normalidade? Afinal, quem tinha razão?

||| Mutatis, mutandis.
Caro Medeiros Ferreira: se «Ramalho Eanes devia manter-se neutral , porque a República precisa de reservas sérias», por ter sido presidente da República, então...

22 outubro, 2005

||| Neo-colonialismo.













A Carta Capital, uma boa revista brasileira que começou por ser apenas de economia, publicou um texto de Miguel Sanches Neto com queixinhas sobre os escritores portugueses, intrusos no Brasil, e com uma inabitual lengalenga sobre neo-colonialismo (que o governo português envia hordas de escritores para o Brasil) e nacional-proteccionismo (que o português do Brasil é melhor do que português europeu -- o que tem uma raiz verdadeira, mas dito assim...). Como este blog está à vontade em matéria brasileira e luso-brasileira, acho que o texto era medíocre, invejoso e senil. O embaixador português no Brasil, Francisco Seixas da Costa, achou que o assunto merecia um reparo. Está aqui a sua resposta, na íntegra. Boa diplomacia também é isto: responder quando alguém pergunta alguma coisa.

PS - Infelizmente, o texto de Sanches Neto não está online.

21 outubro, 2005

||| Revista de Blogs. A criação divina.
«No jardim, Richard Dawkins fazia bonecos de barro e assoprava suas pequenas narinas.
Na fonte, James D. Watson levantava teatralmente os braços, tentando repartir as águas ao meio.
No corredor, Stephen Hawking apontava o dedo bom para os transeuntes, na intenção de fulminá-los com um raio.
Na sala de reuniões, o Papa Bento XVI exasperava-se:
— Esses cientistas precisam parar de brincar de Deus!»
{Marco Aurélio dos Santos, no Jesus, me Chicoteia!}

||| Aprendam.
«Na sociedade capitalista, os meios de comunicação são empresas privadas e, portanto, pertencem ao espaço privado dos interesses de mercado; por conseguinte, não são propícios à esfera pública das opiniões», Marilena Chauí, brasileira, filósofa oficial do PT. *

*Citado por Reinaldo de Azevedo, director da revista Primeira Leitura, depois de ter descoberto que as linhas telefónicas da revista tinham sido colocadas sob escuta e de o site ter sido atacado por estranhos bloqueios.

19 outubro, 2005

||| O cantinho do hooligan.




Sim, gostei. Teria de gostar. A defesa teve sorte, sim, mas esteve muito melhor. O teimoso distraído mudou a equipa e mudou a forma de jogar. Foi bom.

PS - Até do Materazzi gostei. E só tenho pena que o primeiro dos disparos de McCarthy não tenha mesmo batido no Verón.

||| Miséria no lar.
Os professores já não sabem o que hão-de fazer em Estudo Acompanhado. Será que vão ter de dar Educação Cívica para ocupar o currículo? Ler o post do João Gonçalves. António Guterres também já quis mudar a idade de voto para os dezasseis anos, se se lembram.

||| Évora.
Uma boa notícia de Évora. Os leitores da Biblioteca Pública de Évora «podem levar para casa até um máximo de 13 livros por um período de 15 dias».

||| Conto mínimo.
O José Flávio tem outra versão:

«O curto conto de fadas no mundo.
Era uma vez um homem que perguntou a uma mulher:
- Quero casar aquela?
Ela respondeu:
- Aquela? Não. É magra. Aquela outra é melhor.
Ele respondeu:
- Tá bem.
Ela disse:
- He!, anda casar meu marido.
Daí estes, e ainda mais outras, viveram. Ele de ela em ela enquanto
sim. Depois não. Fim»

||| Gripe. Para acabar com o alarmismo.
A Verónica Neves envia, da Escócia, alguns links com informação permanente sobre o assunto: o da SPEA - Soc. Port. para o Estudo e Protecção das Aves, disponibiliza na sua webpage informação relativa as aves selvagens; um artigo, Bird flu: everything you need to know, no The Independent (onde se assinala que o vírus não se transmite por ingestão: «Cooking destroys the virus so there should be no risk from eating cooked poultry or eggs.»; no entanto, há uma redução do consumo de aves.
O Público disponibiliza um dossier sobre o tema.

||| Revista de blogs. Novo treinador.
«[...] Defendo que o escrete canarinho substitua seu quadrado mágico pelo quinteto irreverente: Adolfo Celi como meia com características ofensivas, Philippe Noiret na função de centroavante oportunista, Ugo Tognazzi jogando o futebol-moleque pela ponta direita e os outros dois no meio-campo. Isso, sim, é que é nó táticonos adversários: europeus comedores de brachola e escargô, mas com ginga e manemolência brasileiras. (Ressalvo, porém, que a dupla dinâmica, o trio Parada Dura e o sexteto do Jô Soares estão cortados.)»
{Ruy Goiaba, no Pura Goiaba}

||| Revista de blogs. Um dos blogs que mais gosto de ler.
«É óbvio que se nesses últimos dias estou escrevendo mais é justamente porque estou transando menos.»
{Santa, no Santa Puta}

||| Revista de Blogs. Democracia.
«Fomos sete, na assembleia de voto que se reuniu para o acompanhamento da noite eleitoral. Todos eleitores no município de Lisboa. Havia rissóis, lombo de porco, saladas, um homemade paté hipercalórico, bolo de chocolate e por aí adiante. [...] Merece ainda registo o facto de um dos presentes ter dado vivas às eleições por possibilitar tais reuniões. “Se não houvesse democracia quando é que nos encontrávamos?”, indagou. Nova sessão está já agendada para Janeiro.»
{Carlos Vaz Marques, no Outro-Eu}

||| Revista de Blogs. Homens.
«Aprendi com os homens a gostar de guitarras. Aliás, de guitarras, de vinho, de sexo, do corpo deles, do cheiro deles, de boxe, de ler, de mulheres, de shorts, de comida com muita substância, de percebes, de perdizes, de peixe assado, dos anos antes de mim, dos anos depois de mim, de conduzir automóveis, de conduzir danças, de conduzir seduções, de armar-me em boa, de dizer asneiras, de tomar drogas, da noite, de estar sozinha, de estar com eles, de gatos, de peixes e até de morcegos. Espero que a minha mãe não leia isto.»
{Polly, no Diotima}

||| Revista de Blogs. Filhos.
«Não os tenho porque tive medo. Medo das varizes, da incontinência, de ter diabetes e queda de cabelo. Também tive medo de ter um puto cromo, um assassino em série ou uma chata fútil. E medo de chegar um dia a casa cansada, ter um ataque de fúria por o puto pedir mais gomas e dar-lhe um estalo que lhe partisse o pescoço.»
{Isabel R., no Sociedade Anónima}

||| Revista de Blogs. Pura Literatura.
«Perante a insolência de Catarina, Rosário, que se afastava, sentiu necessidade de parar. Fez meia volta, passeou até confinar e praticou a forma pericial da afronta feminina: antes com as folhas do que com os teus trolhas.»
{Afonso Bívar, no Bombyx Mori}

||| Revista de Blogs. Humano.
«Leio o Expresso ao fim de semana e guardo os suplementos. Como no restaurante do frango da guia nos dias em que vou ao cinema e janto fora. Sou do União de Coimbra. Vivo num país como o vosso e nunca tive imaginação para pensar noutro diferente. Um país onde faltasse o major aos gondomarenses, a Dulce Pontes à canção popular, a TVI aos serões dos trabalhadores, os Morangos com açúcar às pré adolescentes, um padre aos funerais, uma vacina para a gripe, uma esperança chamada Cavaco. Aos que são como eu, aos que não sabem para onde vão, aos que conheço pelo reflexo nas montras, queria deixar uma mensagem: Até numa vida como a minha pode haver um dia de glória.»
{Luís Januário, no A Natureza do Mal}

||| Revista de Blogs. Desvio de direita.
«Sim, é verdade, se calhar estou em pleno desvio de direita. Qualquer dia deixo de fumar e passo a frequentar o ginásio e sabe-se lá que mais.»
{João Pedro Henriques, no Glória Fácil}

||| Um reparo.
Ou seja: não sei se repararam. Os europeus -- e os portugueses no número -- têm do Brasil aquela visão geral que traduz um país minado pela corrupção. Na verdade (e antes que digam que estou apenas a implicar com Lula), os índices brasileiros de corrupção pioraram bastante com os dois últimos anos de Lula e do PT. Mas, gigantesco «mas», ao contrário de outros países em que se levantam suspeitas, em que se murmura bastante, em que as evidências são mascaradas de «isso é apenas política», em que as comissões de inquérito não funcionam e os estudos & relatórios são rigorosamente esquecidos ou ignorados, o Brasil deu uma lição ao primeiro mundo: a imprensa investigou a fundo o mensalão, acompanhou livremente e em directo as audiências nas CPI, criticou quem tinha a criticar; as CPI dos Correios, do Mensalão (e a que se aproxima sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel), dos Bingos, e outras, têm funcionado; os relatores das CPI têm podido trabalhar; as tentativas de impedir as investigações (por parte de Lula, de Dirceu, do PT, de Nelson Jobim -- o presidente do Supremo -- ou até da tucanagem comprometida no anterior mandato e do aparelho ideológico da Igreja-sindicatos-delegações civis do PT, como o MST), não têm resultado; as tentativas de intimidação das autoridades e da PF (como no «caso Duda Mendonça», em que os polícias que o detiveram foram afastados) foram denunciadas; os documentos têm aparecido, apesar de haver relatos de intromissões do Planalto. Pensem nisso.

PS - Ah. Ainda isto: um árbitro tinha ajudado a viciar jogos e a justiça desportiva (depois confirmada pela justiça comum) anulou essas jornadas do campeonato.

||| Gripe, 2.
Havia a percepção de que se tratava de um caso mais grave do que era normal. É evidente que é sempre preciso ter algum cuidado com a guerra da informação e o alarmismo congénito, como escreveu a Verónica Neves nos comentários. Mas as notícias não deixam de ser alarmantes. Mesmo compreendendo a posição genérica do J. Pereira Coutinho no seu artigo na Folha, por exemplo, há aqui outro factor a ter em conta (embora eu não seja epidemiologista): o facto de o raio de acção da epidemia ter ultrapassado em muito as barreiras que podiam circunscrevê-la, e estar à solta em África, no Médio Oriente, na Rússia e na China. Esse é um factor adicional que pode alertar-nos.

||| Bloco central.
O Paulo Gorjão, em duas linhas, fala sobre a natureza do bloco central.

||| Gajas do meu país.
O Sociedade Anónima é um blog escrito apenas por mulheres. Vale a pena. Filhos, virgindade, futebol, o período, Peseiro, amantes, maridos, ciúme. A procissão ainda agora começou.

||| A candidatura do partido.
Algumas das razões por que Alegre vai poder ganhar à esquerda.

18 outubro, 2005

||| Questões morais. Uma micro-causa leviana.
O Paulinho Assunção, directamente de Minas Gerais, associa-se às minhas preocupações acerca da aguardente gelada:

«Imagine só se fôssemos pagar multas pelas cachacinhas artesanais aqui de Minas, aquelas de pequenos alambiques, de pequenas fazendas, dóceis sobre a língua, amigas das papilas, exuberantes nos sabores... Também estou nesta micro-causa alcoólica...»

||| Conto mínimo, outra versão.

O Rui alterou a designação mas manteve o espírito minimalista até às últimas consequências:

«A mais curta tragédia do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela riu. Fim.»

No entanto, o Rui acrescenta um diálogo de casal, depois de ambos terem lido a versão da Rititi:
«O cínico: – Aquele '
fim' gordo, com ponto final e tudo, é tal e qual o dos contos de fada.»
«Ela: – A versão da Rititi é melhor, ainda que maior: afinal size matter

||| Conto mínimo, continuação.
A Sandra Feliciano enviou outra versão do conto mínimo:

«O mais curto conto de fadas do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Não.
E ambos viveram felizes para sempre, cada um no seu espaço próprio e com direito à sua individualidade, sem necessidade de grandes concessões, encontrando-se de vez em quando para umas valentes quecas, umas boas conversas e tudo o mais que lhes apetecesse, sem quaisquer sentimentos de posse e por isso mesmo sempre tudo vivido intensa e apaixonadamente, como se cada vez fosse a última. Fim.»

||| Isolamento.
Não participando em inquéritos internacionais de prestígio, dificilmente romperemos o nosso isolamento no concerto das nações.

||| O referendo sobre as armas, no Brasil.
Sim ou não à proibição de venda de armas no Brasil? O referendo vai ser no dia 23. Apenas 5 ou 6 por cento das armas que circulam no Brasil são adquiridas legalmente, segundo cálculos da imprensa. As campanhas, pelo que vi nas televisões e li nos jornais, são geralmente despropositadas e acho que tanto o sim como o não podem ganhar. Não porque as pessoas queiram andar na rua, de revólver pendurado na bermuda, mas porque algum do sim é particularmente nenhenhém, todos pela paz, que lindo, esperando que os bandidos passem a comprar as suas armas nas Lojas Insinuante ou Bahia.
A propósito de umas declarações de Raimundo Fagner («Onde tem muito artista falando, já se sabe que não é coisa boa»; «É tudo um bando de Maria-vai-com-as-outras. Ficaram gritando ‘Lula-lá!’, ‘Lula-lá!’ e, depois que o Lula fez essa cagada toda, não aparece quase ninguém para comentar.»), Tutty Vasques assina, no No Mínimo, uma crónica com que dói concordar. É este o link.

Ler também o artigo de Alberto Dines no Observatório da Imprensa.

Para entender o referendo do dia 23, ler o dossier da Folha de São Paulo. O jornal O Globo também tem um especial sobre o assunto.

||| Estupidamente correcto.
Uma das coisas mais incómodas é a falta de sentido de humor. Gosto do desprendimento que gera o riso e da liberdade que não se deixa ferir pela ortodoxia. Não tenho grande opinião sobre aqueles que não riem por razões morais. Longe de ser politicamente correcto, é estupidamente correcto. Piadas machistas, anedotas sobre judeus ou comunistas, histórias de loiras e piadas sobre portugueses e brasileiros. Gosto. Rio bastante. Gosto do riso. Provavelmente há coisas a salvo do riso, mas também há circunstâncias em que nada está a salvo. Nunca imaginei que aquele conto mínimo gerasse comentários e mails tão correctos sobre o seu tom machista.

Curiosamente, a Rita enviou-me, por mail, uma outra versão. Aí está.

«O mais curto conto de fadas do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
Queres casar comigo?
Ela respondeu:
Não.
E a rapariga viveu feliz para sempre, pegada ao vibrador, sem marcar a hora para a depilação, e sem ter de aturar a sogra, a bola, os ciúmes, os jantares com os colegas do gajo, os boxers espalhados pelo quarto, os pêlos na banheira. Fim.»

||| Questões morais. (Actualizado)
Recentemente, no Minho, em alguns restaurantes, dei largas a um atavismo fatal: perguntei, no fim do jantar, se havia «aquela aguardente gelada». Eu gosto. Gosto de grappa gelada e gosto de aguardente de vinho verde gelada -- e prefiro largamente esta. Invariavelmente, o empregado de mesa curvava-se ligeiramente e murmurava: «Sim, temos uma, ali, mas é caseira.» Pois que viesse. Provei algumas, magníficas. Informaram-me, hoje, que essa venda é proibida e que a multa anda pelos 1.000 euros. Eu acho uma ignomínia. Desconheço as razões mas vou investigar. Será uma das minhas micro-causas pessoais. Uma micro-causa alcoólica, mas uma micro-causa, apesar de tudo.

ADENDA: Não se trata da proibição de aguardentes caseiras, mas de aguardentes geladas.

||| Gripe.
Ontem, os responsáveis da saúde mantinham o espírito em alta. Achei perigoso, com o avolumar de notícias, que um secretário de Estado afirmasse que a temporada de caça se ia manter porque estavam a «monitorar as aves». Os responsáveis políticos não devem ser alarmistas, compreendo. Há pouco, na BBC, dizia-se que «já está na Grécia, amanhã ou depois chegará à Itália». Ouço dizer que «vão morrer 50.000 pessoas em Inglaterra» e que em Portugal o número chegará aos 11 ou 12 mil -- é um número e tanto, não apenas uma estatística. Desta vez falem claro. Não se preocupem com o grau de alarmismo. Falem claro. Não vão perder eleições por causa disso. Não descem nas sondagens porque toda a gente percebeu que as galinhas da Roménia não são comandadas de São Bento.

P.S. - O Henrique, do Restaurante Galito, diz que este ano não vai vender pombos, codornizes, perdizes ou tarantolas. Não sou consumidor, mas é um sinal.

||| O cantinho do hooligan.




O Manuel acha que ando comovido com as agruras do FC Porto e que, também para mim, o bombo de serviço é o treinador. Não é assim. Explico porquê. Sou um hooligan sem importância; gosto de ver o FC Porto ganhar porque sou adepto do meu clube e, hoje em dia, pouco mais. Hoje de tarde na TSF e na Antena Um, e ontem à noite na SIC Notícias, ouvi comentadores discretearem com sabedoria sobre a crise na SAD do Sporting e no sistema táctico do FC Porto; frequentemente os oiço falar de futebol como o Prof. Marcelo fala sobre política. Não percebo, hoje, como é possível falar durante 37 minutos sobre «questões político-estratégicas dos três grandes» (foi o tempo de Rui Santos ontem na SIC); compreendo a ideia -- mas, pessoalmente, não seria capaz. Já participei como «comentador residente» em dois programas de tv sobre futebol, mas acho que nunca se tinha chegado a um espectáculo desta dimensão. Saber se a jogada de Luís Filipe Vieira deixa Pinto da Costa em apuros ou se o equilíbrio de forças dentro da SAD do Sporting está quebrado e são necessárias eleições antecipadas parece-me política dos pobrezinhos. Num desses programas em que participei disse, a abrir, que não ia discutir off-sides ou penaltis por assinalar e que não ia debater a originalidade da gestão de Vale Azevedo. O que é assunto de polícia é para ser tratado na polícia, o que é negócio é para ser tratado pelos negociantes, o que é futebol é para ser tratado a falar de futebol.
A minha perspectiva é, assim, fraquinha. Admito que seja importante apreciar a gestão desportiva do Sporting e o contributo do kit Benfica para a gestão de Luís Filipe Vieira, tal como acompanhar os desaires de Pinto da Costa e a rouquidão arrastada de Dias da Cunha. Só que, hoje, isso não me interessa. Por isso chamo a esses textos sobre futebol «o cantinho do hooligan»: só me interessa o jogo. Acho que o tempo de Pinto da Costa já passou e que ele se devia retirar. Tal como acho que as questões do Apito Dourado dizem respeito à justiça e à polícia -- e se tiverem efeitos desportivos, que o decidam logo.
O futebol alimenta três jornais que precisam de vender papel; se o Benfica não vem na primeira página, não se vende. Alimenta uma indústria de televisão. Alimenta o negócio da publicidade. Etc. Saber se é mais importante ter na mão a comissão de arbitragem ou contratar o Samuel Etoo ou o Drogba é coisa que não discuto. Eu preferia ter o Drogba a marcar golos (digo e escrevo há anos sobre a falta que faz um goleador no FC Porto...). Viciar a comissão de arbitragem é, para mim, assunto de polícia de costumes. Essa gente não me interessa. Sei que podem viciar jogos, aldrabar resultados, torpedear contratações; os tribunais comuns que julguem essa gente, e depressa. Quanto mais depressa melhor. A mim, o que me interessa é perceber a razão por que Co Adriaanse deixou no banco jogadores como o Diego e o Quaresma e o Hugo Almeida entrou tão tarde; quero saber porque não jogaram o Jorge Costa ou o Pedro Emanuel; quero saber porque é que joga o Bosingwa e não o Sonkaya; quero perceber porque é que mantemos (nós, o FC Porto) jogadores como o Pepe, o Postiga e o McCarthy e não se contratou um rapaz goleador nem se treina alguém para marcar um miserável pontapé de livre. E não percebi as razões do treinador nem as razões do clube. Agora, se Pinto da Costa tem culpas, isso não sei. Admito que possa ter, mas já não me interesso pelo assunto. Essa gente toda tem uma importância fatal, eu sei. Mas quando vou ao estádio pago bilhete como toda a gente e quero que a minha equipa ganhe. Sou um hooligan.

17 outubro, 2005

||| Histórias mínimas.
Chegou-me por mail um conto mínimo, quase no estilo de Dalton Trevisan:

«O mais curto conto de fadas do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
Queres casar comigo?
Ela respondeu:
Não.
E o rapaz viveu feliz para sempre, caçou, foi à pesca, teve sempre tempo para ver os jogos na Sport TV, bebeu a cerveja que aguentou, e voltou para casa sempre à hora que lhe apeteceu. Fim.»

||| Aforismos.
O Manuel Jorge Marmelo escreveu duas linhas sobre o FC Porto-Benfica deste fim-de-semana. E diz tudo o que há para dizer sobre futebol.

||| Amazônia.
O presidente Lula atribui ao desrespeito pelo protocolo de Quioto os terramotos, furacões e secas no Pantanal e na Amazónia (via Insurgente). A citação é retirada deste despacho da Globo. Acontece que, independentemente das razões que Lula invoca (a relação directa entre Quioto e a zanga da Mãe Natureza) essa declaração esquece que nunca foi tão intenso como no último ano e meio o desmatamento da Amazónia, por exemplo, mesmo nos estados do Acre e do Pará.

«Eu acusei o José Dirceu, quando ele voltou para a Câmara [em Junho], de três crimes. Um crime contra a democracia, que é a compra de deputados. Um crime contra o planeta, porque, na gestão atual, houe um recorde de desmatamento da Amazônia, 126 mil quilômetros quadrados. E um crime contra a humanidade, que foi o que o governo do PT fez com as crianças índias do Mato Grosso do Sul.» Entrevista de Fernando Gabeira (PV) à revista Primeira Leitura.

||| Vaidade, pura vaidade.













Eu sei que há limites mas ler coisas como «Nostalgie désabusée, atmosphère mystérieuse et angoissante, érotisme subtil : avec Francisco José Viegas, le roman policier portugais a trouvé son Vázquez Montalbán et révélé deux flics atypiques, les inspecteurs Ramos et Castanheira, dont on n'a pas fini de parler» e que o livro está «construit avec la précision rigoureuse des meilleurs orfèvres du genre» destrói a segunda-feira de qualquer um. Além do mais, o Le Monde diz que «la rencontre était prévisible, inévitable sans doute, même si elle a mis un certain temps à se produire, celle de la saudade portugaise et du roman policier» e que se trata de «une métaphore convaincante de la destinée humaine». Esgotou-se-me a provisão de chá.

{Les Deux Eaux de la Mer, edição Albin Michel} Extracto aqui.











Na mesma semana, saiu Schatten der Tiefe (Lübbe), tradução de Um Crime na Exposição, e a segunda-feira recomeça sem que eu tenha conseguido traduzir as críticas do Die Welt e do Berliner Morgenpost, se bem que o Frankfurter Neue Press tenha dito que «Das Portugal Viegas’ ist sanft melancholisch wie der Fado in Portos Kneipen», o que é um risco. Na temporada, o livro entrou nos die besten Bücher der Saison, do Bücher-Magazin.

{Schatten der Tiefe; Der Letzte Fado (tradução de Um Céu Demasiado Azul); Das grüne Meer der Finsternis (tradução de As Duas Águas do Mar).}

||| Política brasileira: blogs na hora.
Já tínhamos o blog de Ricardo Noblat (nunca é demais insistir: entrevistado este mês na Playboy); há agora o de Josias de Souza, jornalista da Folha.
Outros blogs de jornalistas: os de Ilimar Franco e de Helena Chagas, do Globo. Já agora, há um blog delicioso, sobre gastronomia, da colunista Luciana Fróes.

16 outubro, 2005

||| Presidenciais, 2.
A conversa sobre os poderes presidenciais é mais delírio, imaginação e apetite do que debate sério. Sempre achei a coisa clara; basta ir à Constituição. Está lá o que convém saber. Pelo contrário, é preciso saber quem duvidou dos poderes presidenciais para mencionar, a propósito de tudo e de nada, a «magistratura de influência» (ainda não percebi como o país não desata a rir de cada vez que alguém faz pose, levanta o dedo, endireita as costas e pronuncia «magistratura de influência») e, ao mesmo tempo, se esquece do objectivo das presidências abertas do segundo mandato de Soares.

||| Presidenciais.
Boa propaganda recente para Cavaco: as questões do CDS-PP que, além de serem para consumo interno, reeditam o pequenino ódio de classe, à direita; o soarismo tout-court; a frente nacional anti-Cavaco; e, evidentemente, a garantia dada pelo artigo de Vasco Pulido Valente no Público deste sábado. Como de costume, o pior para Cavaco vem de uma das margens do PSD ressentido, com Morais Sarmento a delirar em grande (a outra margem ainda não se atreveu; está de ressaca).

||| Harold Bloom.













Por falar nisso, terminei a leitura de Onde Encontrar a Sabedoria, de Harold Bloom (tradução de Where Shall Wisdom Be Found?), publicado pela Objetiva. É um grande livro que ressuscitará as tradicionais críticas a Bloom pelos profissionais do ressentimento ou pelos optimistas da contemporaneidade. E a inveja de muitos académicos que raramente o leram. Neste caso, é um livro muito mais marcado pela consciência religiosa de um religioso secular. O homem religioso sente a euforia da sapiência ou da sabedoria («cristãos que crêem, muçulmanos que obedecem, judeus que confiam»), mas Bloom continua um secular, e a sua responsabilidade é diferente: «Os seculares assumem um outro tipo de responsabilidade, e a sua busca da literatura da sapiência é, por vezes, mais melancólica, ou angustiada, dependendo do seu temperamento.» É uma peregrinação, de resto, entre dualidades: entre o Livro de Job e o Ecclesiastes, entre Platão e Homero, entre Cervantes e Shakespeare, entre Freud e Proust, entre Montaigne e Bacon ou entre Johnson e Goethe, terminando com dois textos notáveis -- um sobre Santo Agostinho e outro sobre «Nemesis e Sabedoria»: «Não podemos encarná-la [à sabedoria] mas podemos aprender a conhecê-la, a despeito de ser ou não ser identificável com a Verdade que talvez nos liberte.»
Os que se irritaram com a torrente devastadora de Genius (e que se tinham sentido naturalmente excluídos de O Cânone Ocidental), não compreenderão o apelo presente neste Onde Encontrar a Sabedoria: o de uma busca do esplendor que não significa conforto nem tranquilidade, explicando que a sabedoria (ou a literatura sapiencial, termo mais de acordo com Bloom) não vive sem esse laço a prendê-lo ao esforço intelectual e à contenção que nos mostra os limites.

Curiosamente, logo a abrir, o programa particular de Bloom «reflecte a busca de um saber que possa aliviar e esclarecer os traumas do envelhecimento, da convalescença após doença grave, e do pesar causado pela perda de amigos queridos».

||| Nobel.
Percebo a polémica e a discussão sobre o Nobel atribuído a Pinter. Todos os anos acontece. Ele tem ideias políticas. Ele próprio reconhece que «his longstanding political activism may have played a role in the decision to award him the 2005 Nobel Prize for Literature». Saramago tinha ideias políticas conhecidas, como Elfriede Jelinek ou Dario Fo. A lista é infindável. Talvez não se tivessem conhecido tanto as posições políticas de Claude Simon, Gao Xingjian, Derek Walcott, Kenzaburo Oe ou Kawabata. É evidente há muito tempo (desde 1953 com mais clareza, data da atribuição do prémio a Churchill) que há uma marca política do Nobel. No caso da literatura, é mais do que evidente. Muitas vezes, o Nobel dá voz ou agradece o papel desempenhado por escritores; estão nesse caso nomes muito diversos, desde Vicente Aleixandre ou Brodsky, Elytis ou Pasternak. Cito estes nomes porque são autores de que gosto, independentemente das suas opções políticas. Mas Saramago não foi apenas escolhido pelas suas ideias políticas, tal como o não foram Isaac Bashevis Singer ou Czeslaw Milosz. É interessante reunir o vasto conjunto de teorias da conspiração sobre a atribuição do Nobel. Certamente, pelo que se lê e se sabe, há uma inclinação política na atribuição do Nobel, o que o desvaloriza crescentemente. Mas também em matéria literária ele perde interesse e valor; só assim se justifica que tenha sido atribuído a Jelinek e não a Philip Roth ou Hugo Claus; que tenha ido parar às mãos de Dario Fo e não a Mailer, Cees Noteboom ou Vargas Llosa; e que tenha sido atribuído a Harry Martinson e não a Jorge Luis Borges. Essa é a questão mais importante.

P.S. - É evidente que seria importante saber se Vargas Llosa, Roth ou Borges foram alguma vez excluídos por razões políticas, mas isso é outra conversa.

||| Segurança.
Independentemente do resto do projecto, eu gostaria que começassem por definir a ideia de segurança do Estado que é considerada no estatuto do jornalista.

||| A colecção Berardo.
Joe Berardo já foi bête noir. Havia gente que temia ser vista na sua companhia. Como de costume, as suspeitas acumulavam-se sobre a sua fortuna e os seus gostos, coisas que não deviam andar a par no imaginário nacional. Quando o conheci pareceu-me um personagem afável, simpático e discreto -- além de invejável pela colecção que soube reunir (também por culpa de Francisco Capelo). Essa colecção é valiosa, cara (são coisas distintas) e importante. Suscita invejas. A inveja é a pior coisa que há; não se limita a ser cobiça, exige a privação do outro. O Estado é mestre nessa ciência. Mas também não tem dinheiro. Além disso, tem as suas burocracias. Além disso, tem os seus despeitos, as suas exigências pelintras e uma série de oportunidades para serem desperdiçadas.

Ver também o que escreve Eduardo Pitta no Da Literatura.

||| O cantinho do hooligan.
Não vi o jogo. Mas percebi o essencial: uma defesa comandada por Ricardo Costa e sem Pedro Emanuel e Jorge Costa; um treinador que lança Diego como opção acidental, que mantém lá na frente McCarthy sozinho e que espera tanto tempo para fazer entrar Hugo Almeida e Quaresma; um clube que mantém McCarthy na equipa quando devia usar um bom avançado -- só pode perder. Se Ricardo Costa e aquela defesa são vulneráveis a Nuno Gomes, esperem por Adriano, Recoba, Solari, Veron, Stankovic, Cambiasso, Killy González ou Zanetti, esta semana (a menos que tenham poupado Pedro Emanuel...). Mais: se uma equipa construída na base da dança de ataque não consegue disparar contra a baliza, é uma equipa inútil. O FC Porto foi inútil e a culpa é dos seus atacantes e do treinador.
Outra nota, sobre a minha ideia de futebol, e retirada da biografia do Grêmio, de Eduardo Bueno, o Peninha: como toda a gente sabe, futebol-arte é coisa de veado. Está provado.

||| Assim.









Cumpro Kippur nos trópicos. Depois, regresso ao Douro, para uma despedida. À medida que a terra recebe o seu corpo e o acolhe, vem o primeiro frio do ano com o crepúsculo, como estava prometido.

12 outubro, 2005

||| Acasos.
Polícia encontra corpo de legista do caso Celso Daniel: Carlos Delmonte Printes «foi o primeiro a analisar o corpo e a sustentar que o político foi brutalmente torturado. Ele, que disse ter sido "censurado" durante três anos, afirmou que considerava inverosímil a tese de crime comum, idéia defendida até hoje por integrantes do PT, partido do qual Celso Daniel fazia parte. Entretanto, há suspeitas de que a morte do prefeito de Santo André estaria relacionada a um suposto esquema de corrupção montado na cidade. A família do prefeito morto sempre defendeu a tese de crime político.»

||| Escrita em Dia
Hoje: primeira emissão do novo formato do Escrita em Dia, na Antena Um. À meia-noite.

11 outubro, 2005

||| Decência (em nome das audiências).













Eu ia chamar a atenção para as fotos da jornalista Camilla Amaral, ex-assessora da senadora petista Ideli Salvatti e declarada «a musa da CPI do mensalão», que ocupam a capa da Playboy deste mês, mas achei isso impróprio. De modo que destaco a entrevista com Ricardo Noblat, o blogger político mais lido no Brasil, que a Playboy coloca na capa, como todos podem ver.

||| Abençoado.
«Vocês não são corruptos», diz Lula numa convenção do PT aos deputados acusados de corrupção e de desvio de dinheiro. «Cometeram erros, mas não de corrupção. Todos vocês são companheiros do PT. Eu mesmo já sofri acusações injustas e sofri muito.» Vergonha. Amen. Deu pizza.

10 outubro, 2005

||| Vento que vem do mar.










Eu queria uma chuva clara que varresse a cidade. Os Açores enviam uma tempestade que se transforma em furacão. Passará ao largo como uma nuvem.

||| Presidenciais.
Se Soares começar a descer nas sondagens, então passa à segunda volta.

09 outubro, 2005

||| Nacionais, locais. (actualizado)
Leituras nacionais: apenas «casos». Nem por isso os dos «candidatos bandidos», como os de Felgueiras, Gondomar, Salvaterra de Magos ou Amarante. Mais as vitórias inesperadas ou no limite como em Santarém, Aveiro, Barreiro, Beja, Guarda e outras.

:: Notas soltas ::

1. Manuel Maria Carrilho é um universitário. Dispôs-se a ir a eleições. Não pode depois acusar o eleitorado por não preferir o seu programa. Arrogância até na derrota; uma imagem patética numa despedida com discurso envenenado.
2. Na história das relações familiares, as relações entre Mário Soares e João Soares são um case study.
3. Acho estranho que a «indignação» contra os candidatos a contas com a justiça (já não se sabe que mais eufemismos se hão-de inventar) se vire contra eles e contra os seus eleitores e não contra sistema judicial e as trapalhadas das decisões judiciais. E não me parece que pedir para os jornais e televisões deixarem de conceder espaço a Felgueiras, Isaltino ou Valentim seja o melhor caminho. Escolher supõe riscos. É a vida.
4. Não há grandes lições a tirar; só os moralistas têm sermões sempre preparados para contrariar as evidências.
5. O discurso de Jorge Coelho: completamente surrealista. (Basta comparar.)
6. Vergonha absoluta: a «avaria» no sistema do STAPE. Choque tecnológico. Muito duvidoso o que aconteceu.

||| O outro Portas.
Miguel Portas, juntamente com Fátima Felgueiras, nas declarações mais absurdas da noite.

||| Chuva, afinal.
Chove finalmente. Precisávamos desta noite: corre um pouco de água nas ruas, respira-se outra vez.

||| O ónus da prova: 4.
Esta é uma questão séria e central. O Presidente mencionou, no seu discurso, os cidadãos que «enriquecem sem se ver donde lhe vem tanta riqueza». Esta demagogia denuncista e popular é grave quando menciona que fulano terá de passar a fazer prova da proveniência lícita dos seus bens. Em que circunstâncias? Quando a administração fiscal for, de bairro em bairro, inventariar piscinas, automóveis, jardins, antenas parabólicas, garagens? Quando receber denúncias de «cidadãos honestos»? Quando os funcionários do SEF passarem a ter de perguntar aos passageiros dos voos vindos da América do Sul se já pagaram as férias na República Dominicana? E os cidadãos que têm de passar a fazer prova da proveniência lícita dos seus bens são aqueles que já estão sob investigação da máquina judicial ou aqueles que o Estado não consegue investigar?

||| Sondagens.
É importante enumerar as surpresas a seguir. Mas o tom está dado: são eleições locais. Só que a primeira pessoa a fazer leituras nacionais das eleições autárquicas foi um dirigente do PS: as medidas do Governo prejudicaram resultado do PS.

||| Os resultados de Lisboa.
A derrota da arrogância e da demagogia. Ponto. A vírgula vem depois.

||| O ónus da prova: 3.
Pode não ser o pior inimigo da liberdade, evidentemente. Não é. Mas o optimista do Estado ou com o Estado mantém com a liberdade uma relação difícil e displicente. Tanto lhe faz.