20 janeiro, 2006

||| As coisas que se dizem. A cultura.
Se há uma palavra que foi injustamente invocada durante esta campanha, foi «cultura». A ideia de que «a cultura» pesava nos ombros como uma mancha de glória e de luz confundiu-se com os critérios que levam a escolher um presidente. Esses critérios variam conforme o gosto, a circunstância ou a posição política. Exibir estantes e colecções, nomes e listas, referências, passou a ser uma marca distintiva, tão criticada quando convém. Há uma diferença entre conhecimento e informação, como há uma distinção clara entre cultura e exibicionismo. Saber ouvir, ouvir, discutir com serenidade, escolher, respeitar as escolhas, não reduzir a cultura aos seus sinais exteriores, os mais reconhecíveis. Um dos méritos de uma pessoa culta é o de reconhecer que as coisas não acabam onde acaba a sua «cultura» e que a sua «cultura» não é um critério absoluto. A ideia de que a vida é uma sabatina regular exibida em torno de nomes e de estantes é um factor de empobrecimento da própria vida cultural. Isto também explica o predomínio absoluto da «cultura literária» num país sem «cultura científica» e sem disponibilidade para aceitar a diversidade, as dificuldades e a necessidade de esforço.