31 dezembro, 2006

||| Alberto Mussa.








Alberto Mussa é um dos escritores brasileiros que mais gosto de ler. De origem libanesa, Mussa publicou O Enigma de Qaf há uns anos no Brasil (ele é também autor de Elegbara e de O Trono da Rainha Jinga) -- acaba de ser lançado em Portugal nesta temporada de Natal. Não percam, é um romance muito belo:

«Era o estímulo para uma exegese alegórica. Spíridon analisou a cena: três pessoas em três cruzes, cada cruz com quatro extremos -- 3, 3 e 4: portanto, um triângulo iósceles de perímetro 10 e de altura menor que a bae -- signo da natureza humana. Altura menor que a base indica maior propensão à terra que ao céu. O valor do perímetro, 10, é o dobro de 5 -- que são os extremos do corpo físico. A qualidade de isósceles, ou seja, a de possuir dois lados iguais, representa o equilíbrio do Bem e do Mal.»

||| Vergonha de fim-de-ano.
Não falemos das grandes coisas por uns instantes. Mencionemos antes esta vergonha portuguesa em que se traduz o naufrágio da Nazaré. À vista da praia, à vista da terra, um a um, os tripulantes do navio foram sendo engolidos pelo mar. O Ministério da Defesa mandou proceder a um inquérito, mas pouco me interessam, agora, as responsabilidades e as pequenas culpas que hão-de ser distribuídas pelos Bombeiros de Pataias, pela Polícia Marítima, pela capitania do Porto da Nazaré ou pela Base Aérea do Montijo. Demorou hora e meia a chegar um helicóptero que poderia ter salvo aqueles homens. E isso é, sim, uma vergonha.

||| É só desejos.
A febre de desejar «bom Natal» e «bom Ano» atinge limites que ultrapassam a simples generosidade. Entre 22 e 25 de Dezembro foram enviadas 427 milhões de mensagens sms por telemóvel, em Portugal. Em Portugal. Repito: 427 milhões.

||| Arrumar a casa.
Está a passar na RTP-N, durante este fim-de-semana, a última emissão do Livro Aberto (uma conversa com Eduardo Pitta, Isabel Coutinho, Rui Tavares e Pedro Mexia sobre os livros do ano). Foram três anos e meio de emissões semanais, mudanças de horário e muitos autores entrevistados -- cerca de duzentos e cinquenta. Pessoalmente, sinto alguma tristeza, mas provavelmente ao fim de três anos e meio o Livro Aberto já tinha cumprido uma parte da sua missão. Era recordado no final de cada ano como «o magazine de livros», mas muitos editores continuavam a queixar-se de que «não existia um programa de livros» -- simplesmente, não o viam, dedicados que estavam à indústria da queixinha. Não interessa. Acabou mesmo. Passou por lá muita gente de que gostei bastante; muitos autores que descobri e que tive de ler; muita gente que foi uma surpresa; e muita gente que me ia adormecendo em estúdio, evidentemente. Não guardo ressentimentos por eventuais injustiças cometidas contra o programa (sobretudo por parte da imprensa, que às vezes se distraía), mas é chato ter de reconhecer que às vezes se fez um esforço (de produção, de leitura, de organização) nem sempre aproveitado. É quase sempre assim. Faço este género de programas desde 1995, primeiro com o Escrita em Dia, na SIC, depois com o Ler para Crer, na RTP, passando por outras experiências que não fizeram de mim «um homem da televisão» mas que me ajudaram a conversar com os outros. Sei, hoje, que entrevistar é, sobretudo, estudar os temas e saber ouvir «os outros», que são as figuras da entrevista -- para criar pontes e, às vezes, cumplicidades. E também criar armadilhas, evidentemente (é esse o jogo).
E chega.
Por isso, a partir de hoje acaba o blog Livro Aberto. O outro dos meus blogs que entretanto abandonei, o Gávea, será retomado para falar de livros e de literatura brasileira -- que me seduz cada vez mais. Por outro lado, continuarei a manter o programa de livros na Antena Um, o Escrita em Dia (quartas-feiras à meia-noite).

Estão disponíveis, para ouvir no computador, as últimas entrevistas na rádio com Alexandra Carita e Jorge Simão (sobre o livro Fados Nossos), Possidónio Cachapa (sobre o romance Rio da Glória), Eduardo Prado Coelho (sobre Nacional e Transmissível), Raul Miguel Rosado Fernandes (a autobiografia Memórias de um Rústico Erudito) e José Luís Peixoto (sobre o seu mais recente romance, Cemitério de Pianos)
[Os links levam a versões WMP; para versões em Mp3 e RealAudio, ver aqui.]

30 dezembro, 2006

||| Parabéns.







Francisco Seixas da Costa, o nosso Embaixador em Brasília, acaba de inaugurar um blog de bastante utilidade: chama-se, pura & simplesmente, Embaixada de Portugal no Brasil, e destina-se a «fornecer curtas notas de actualidade sobre a realidade portuguesa ou luso-brasileira». Quem pretender receber actualizações do blog pode optar por contactar o endereço de correio electrónico e inscrever-se. Aí está um exemplo fantástico, fácil e económico, que seria bom existir em outras embaixadas. Parabéns, Francisco Seixas da Costa.

||| Desilusão.
Profunda e amarga desilusão. Acabei de ler o segundo volume das Confissões de José António Saraiva e não posso deixar de assinalar uma passagem que nos deixa, a todos, perplexos e desiludidos, tratando-se (o autor) de quem se trata: Saraiva diz que, depois de Saramago, não haverá nenhum Nobel para Portugal num futuro mais ou menos longo. Vem lá, preto no branco.

||| Saddam.
A barbárie da vingança e da justiça.

||| A ideia.
Os jardins de Inverno, no Abrupto.

||| Final de ano.
Há coisas que nunca se fazem no final de ano: promessas.

29 dezembro, 2006

||| Maratona.
Vai começar a maratona: os melhores livros de 2006 terão direito a uma primeira emissão especial do Escrita em Dia, no dia 31 de Dezembro, às 19h00, na Antena Um. Depois, nas três quartas-feiras seguintes (à meia-noite), as emissões do Escrita em Dia serão também dedicadas ao tema. A lista definitiva dos dez melhores livros de ficção, não-ficção e poesia será anunciada no dia 25 de Janeiro. Até lá, vai poder votar nas listas de livros através de um blog ou de um endereço de mail. Novidades na próxima semana.

||| A coisa está preta.
Não apenas o PC acha que estou a exagerar acerca do Cartão Único, como a Fernanda Câncio, no DN (sem link para a sua crónica), diz que exorbitei em relação à minha «habitual sensatez». Compreendo as objecções do Pedro Caeiro, mas cá estaremos para ver. Quanto à Fernanda, o seguinte: quando eu menciono «ameaça policial», no artigo em causa, não vejo uma brigada da PSP a tratar do assunto -- mas consigo ver a mentalidade policial, controlando e vigiando. Também nesse caso, cá estaremos para ver.

25 dezembro, 2006

||| A nostalgia da liberdade.
Daqui a uns anos, inclusive, o mundo estará cheio de nostálgicos da liberdade.

22 dezembro, 2006

||| Deputados de quem?
É absolutamente lamentável que nenhum dos senhores deputados tenha manifestado dúvidas (para já não dizer perplexidade) sobre a ideia do cartão único de cidadão e a tenham aprovado por unanimidade como carneirinhos domesticados e alegres, contentes por serem «modernos». Lamento, meu caro António Costa, mas a ideia do cartão único, se «não é seguramente o 'big brother'», pode ajudar bastante. Sempre estive contra, creio que sempre estarei contra.

A ideia do "cartão único" merece ser discutida trata-se de um documento que vai substituir o Bilhete de Identidade e os cartões de identificação fiscal, de eleitor, de utente dos serviços de saúde e de beneficiário da Segurança Social, e que permite ainda registar informações pessoais relativas ao grupo sanguíneo, a indicações de alergias ou contactos do cidadão. A partir de agora, se essa ideia não for, como parece que é, declarada inconstitucional, cada cidadão terá um "chip" no bolso. Começa-se a controlar por algum lado. Dificilmente se acaba o desfile de coisas absurdas que acontecem depois.

19 dezembro, 2006

||| D. Sebastião.
Maria José Morgado foi festejada «em todos os quadrantes». Festejemo-la. Maria José Morgado falou do assunto durante meses e é natural que traga novidades à investigação e aos vários processos abrangidos pela triste designação de Apito Dourado. Mas, nesta como em outras coisas, estou com o Eduardo: não me impressionam muito as cargas de cavalaria, embora tenham um efeito arrasador em termos cénicos. Isso é uma coisa -- e outra coisa é, necessariamente, outra coisa. Também não me impressionam muito os fervores bibliómanos de procuradores. Mas lá iremos.

||| Juristas e pareceres.
Tal como no caso do Apito Dourado, lançam-se suspeitas acerca de pressões sobre os tribunais. É que eles podem estar mal aconselhados.

||| Escusava ter dito isto e outras coisas.
Quando encontras escrita a verdade acerca de ti, apetece nunca mais escrever.

15 dezembro, 2006

||| A TLEBS.
Confira aqui e assine um pedido para reconsiderar a TLEBS.

||| Brasil. Maioria parlamentar.
Lula consegue apoio no congresso pela melhor das vias.

14 dezembro, 2006

||| Bibliografia geral.













Avanço muito devagar na leitura de Estaline. A Corte do Czar Vermelho, de Simon S. Montefiore. Todas as noites leio cinquenta páginas. Há muitos nomes para decorar, muitos episódios para relembrar. E muitos números para anotar nas margens. E todas as noites Estaline mata cinquenta, sessenta mil pessoas. Eram as suas quotas de fuzilamentos, como um Plano Quinquenal. Raramente consigo dormir logo. Depois dos processos de Zinoviev e Kamenev e da morte de Kirov, há antigas amantes e velhos amigos, Velhos Bolcheviques, generais e técnicos de som que gravaram mal a voz do Chefe -- todos morrem. Há noites em que assisto a mais mortes. Crianças e famílias inteiras. Nada de sentimentalismo. Engenheiros de almas, regressai da tumba. Todas as noites o comunismo mata um pouco, arrasta-se como um cadáver entre cadáveres.

||| Noções gerais de história literária.
Fui tomar café num bairro histórico de Lisboa e vi um dos autores do livro mais falado dos últimos dias.

12 dezembro, 2006

||| Princípios de crítica e história literária.
Antigamente, os negros escreviam as histórias por um preço razoável. Agora, os negros, ou escritores-fantasmas, mudaram de cor; o seu salário continua a ser razoável, mas nota-se à distância a mão que escreve.

||| O cantinho do hooligan.









Não sei o que vos diga. Mas isto deve bastar.

||| Princípios de crítica literária e teoria da recepção.
Se o estatuto de arrependido começa a ser utilizado a torto e direito, trata-se de uma grande conquista: o autor enquanto sujeito inimputável é uma categoria interessante para a crítica literária.

11 dezembro, 2006

||| Estes prémios são saborosos.
O Paulo Moreiras (o autor de A Demanda de D. Fuas Bragatela e de Do Obscuro Ofício) merece a nossa admiração -- pela sua dedicação absoluta ao mundo da ginja (ah, voltemos a Óbidos...) e pelas sucessivas edições do Elogio da Ginja (fotografias de Paulo Cunha, edição Quid Novi). Agora, muito mais: recebeu dois prémios Gourmand para Best Single Subject Cookbook (Melhor Livro Temático de Gastronomia) e Best Cookbook Photography (Melhor Fotografia de Livro de Gastronomia), na categoria de livros portugueses, atribuídos por um júri internacional do Gourmand World Cookbook Awards 2006.
O Elogio da Ginja passa à fase seguinte do concurso, onde irá competir a nível internacional com os vencedores nestas categorias para o prémio The Best in the World.

||| Pinochet.
Lentamente, os fantasmas da América Latina vão regressando ao mundo dos fantasmas.

||| Machismo.







Tens razão
, Filipe. As patrulheiras estão aí.

||| José Bento.









Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura de 2006.

Novembro apagou nas buganvílias
seus nomes brancos, roxos, escarlates.
É mais difícil regressar a casa:
o caminho disfarçou, emudeceu
seu rosto nos muros e nas grades.
- Por onde seguiremos
sem que o outono espesso nos trespasse?

José Bento, Um Sossegado Silêncio, 2002

||| Para começar bem a semana.







O primeiro lugar honra sempre (Melhor Blogger 2006) e devemos agradecê-lo.

Obrigado ao Geração Rasca, que organizou a eleição, e aos votantes; parabéns aos outros blogs vencedores: aos amigos do Blasfémias (Melhor Blog e Melhor Blog Colectivo), ao Pedro (Melhor Blog Masculino), à Isabel (Melhor Blog Feminino) e ao Foram-se os Anéis (Melhor Blog Temático).

10 dezembro, 2006

||| Brasil. O que aconteceria se.
«Em teoria, o Tribunal Superior Eleitoral pode provocar o maior terremoto político do país desde o impeachment do presidente Collor em 1992. Os técnicos da corte concluíram que empresas concessionárias do governo injetaram 90 milhões de reais na disputa eleitoral de outubro passado, o que é proibido por lei.» Vem na Veja de hoje.

08 dezembro, 2006

||| De facto, é o fim. [A TLEBS]













Leiam o texto de João Andrade Peres, magnífico e arrasador, publicado na edição de hoje da Actual, do Expresso (sem link). Depois deste artigo corajoso e ponderado (que não põe em causa a evidente necessidade de alterar a terminologia actual -- no que parece todos estarmos de acordo) não resta outro caminho, à Ministra da Educação, senão repensar muito seriamente tudo o que está a ser feito nesta matéria. Andrade Peres faz sugestões muito úteis (uma delas seria a de uma Terminologia da Disciplina de Português, por exemplo, para acabar com a guerra inócua entre Linguística & Literatura no Secundário), efectua uma separação das águas muito útil para que não se confunda a sua argumentação com a de alguns comentadores generalistas e ignorantes; salienta alguns aspectos positivos da terminologia; e desmonta passo a passo, ponto por ponto, a TLEBS. Em meu entender, é o fim da TLEBS (ver ainda o artigo de Jorge Morais Barbosa no JL). Seria uma vergonha se o Ministério permitisse a continuação do descalabro.

Ou podem consultar aqui uma versão mais alargada (é o site do próprio Prof. Andrade Peres, onde poderá também encontrar uma versão em pdf; aqui, sublinhados meus):


«Não,
a TLEBS deve ser rejeitada, antes de mais, porque cientificamente não merece crédito (quod est demonstrandum, obviamente). Adicionalmente, e dado o fim a que se destina a Terminologia, não é também despiciendo o facto de que, mesmo que ela tivesse mérito científico, se tornaria um objecto inútil por não ser servida por materiais de consulta sólidos, nomeadamente uma boa gramática do português de perspectiva inovadora, que não existe. Acresce ainda que a TLEBS é chocante pela sua insensatez no que respeita a extensão, pelo carácter abrupto (direi mesmo brutal) do seu modo de introdução (por oposição a um processo eventualmente faseado ao longo de anos) e pela insensibilidade que revela à importância da coesão inter-geracional, criando rupturas absolutamente inúteis.»

«[...] Em primeiro lugar,
alguns dos autores não são, de modo algum, as pessoas mais qualificadas do país nas suas áreas e estas não foram chamadas a dar o seu contributo crítico sobre o seu trabalho; em segundo lugar, alguns dos autores claramente excederam os limites das suas competências específicas, trabalhando sobre questões de que pouco ou nada entendem; finalmente, por mais elevada que pudesse ser a qualidade do trabalho realizado separadamente por oito entidades distintas (nuns casos, indivíduos, noutros grupos), só por milagre a conjugação dessas peças autónomas no todo da TLEBS poderia ter resultado em algo de coeso e consistente, quando nem uma única vez essas diferentes entidades trabalharam em conjunto para articular a nova terminologia para o ensino do português.»

«
Infelizmente, os aspectos negativos são bem mais abundantes. Dividi-los-ei em três tipos: (i) deficiências metodológicas, (ii) erros de formulação e (iii) erros conceptuais.»

«
Erros de formulação: Incluo nesta parte da minha exposição uma série de dislates que não quero imaginar que os autores assumam, se pensarem. Prefiro admitir (sem grande convicção, em alguns casos) que foram erros de formulação que não detectaram, sob as várias pressões que sempre nos atormentam. Quer isto dizer que, se assim tiver sido, eu compreenderei, mas nem assim desculpo: nem a incúria dos autores nem a fragilidade do sistema de produção da TLEBS, que nada foi capaz de filtrar.»

«[...] Lamento dizer que os comentários que aqui expendi (com a ironia que, para mim, quadra bem com tudo o que é tragicómico) mais não representam do que – acentuo bem –
uma pálida amostra do muito mais que há para dizer de negativo acerca da TLEBS, nuns casos por manifesta insuficiência ou incorrecção da informação dada, noutros por uma estreita visão do objectivo a atingir, a que faltou um rasgo de coragem para as inovações e as rupturas fundamentadas que se impunham. Apesar disso, eu quero muito não perder mais tempo com a TLEBS, ou, dito de outro modo, não quero gastar mais cera com tão ruim defunto. Só o farei se a isso me sentir obrigado (sans rancune, pois estará a rodear as reais questões quem pensar em conflitos pessoais).»

«[...] não tenho dúvidas em declarar publicamente, com plena convicção e sentido da responsabilidade que assumo, que, independentemente das partes válidas que a TLEBS contém, o conjunto que abrange a Morfologia, as Classes de Palavras, a Sintaxe, a Semântica Lexical e a Semântica Frásica – que constitui precisamente o cerne do sistema linguístico –
apresenta deficiências e lacunas de uma gravidade tal que fazem desta terminologia, tomada na sua globalidade, um objecto que não merece crédito científico, que envergonha a Linguística portuguesa e o próprio país e que não se entende como pode estar a ser introduzido no sistema de ensino. Se alguém tivesse como objectivo contribuir para tornar o ensino do português algo de odioso para os alunos, não poderia ter dado melhor ajuda.»

«
Seria interessante saber quanto já despendeu o Estado com toda esta barafunda: com autores, gabinete de apoio, materiais, deslocações, acções de formação realizadas e a realizar, etc. Note-se que não estou a dizer que o erário público não deve suportar despesas desta natureza e com os fins em causa, mas apenas a deixar implícito que tem de o fazer com critério, não esbanjando o dinheiro dos contribuintes em inutilidades, como é o caso.»

«
A falta de qualidade científica da TLEBS, aliada a uma clara ausência de sentido da realidade no que respeita tanto a professores como a alunos, faz desta Terminologia uma verdadeira calamidade que se abate sobre as escolas do país. Em conformidade, é como cidadão e como linguista que daqui apelo à Senhora Ministra da Educação no sentido de travar o insano processo já iniciado de experimentação da TLEBS. Em nome do rigor e da qualidade científica e a bem do ensino da língua portuguesa, peço-lhe instantemente que, corrigindo erros de Governos anteriores, suspenda a sua aplicação e nomeie de imediato uma comissão de peritos que faça o ponto da situação.»

«Não disse alguém que a guerra era séria de mais para ser deixada só aos militares? Pois bem, a terminologia com que todos falaremos sobre a língua que em parte nos identifica talvez mereça preocupação análoga. O que não pode acontecer é, como parece ser o caso, estar a TLEBS a ser revista pelo grupo a quem foi confiada e que já mostrou do que é capaz. Pelo menos alguns dos seus membros revelaram à saciedade não ser idóneos para continuar ligados a este processo e seria um escândalo nacional que nele se mantivessem.
Depois do que fizeram, não podem pedir que os deixem trabalhar, como se nada tivesse acontecido, devem antes saber retirar-se de cena com dignidade e discrição, assumindo que erros todos podem cometer.»

||| As aventuras da ERC. Opiniões do Público.
O director do Público acha que a ERC é infame. E o editorial, «A Infâmia da Censura».

Agradeço aos leitores que recordem o processo brasileiro da criação do Conselho de Jornalismo pelo primeiro governo Lula: aqui, aqui, por exemplo, ou aqui, aqui (Alberto Dines) ou aqui.

||| E Rubem também.












E aí está o novo livro de contos de Rubem Fonseca, Ela e Outras Mulheres (também da Companhia das Letras). Está aqui um extracto.

||| E, não fiquem tristes, mas há um novo Verissimo.













Leva o título A Décima Segunda Noite (edição Objetiva) e começa assim: «Mon Dieu, mon Dieu, um gravador. Deus dos papagaios, me acuda. Já ouvi minha voz gravada. Quase silenciei para sempre. É o som do caldeirão rachado com o qual pretendemos comover as estrelas e só conseguimos fazer dançar os ursos, como escreveu Flaubert sobre a linguagem. Tente dizer qualquer coisa séria, ou profunda, com voz de papagaio. Mesmo em francês. Impossible. Foi por isso que não me deram atenção, e a comédia que vou contar quase virou tragédia. Tinha paixão, traição, perfídia, sociologia. E riam, riam. Culpa da voz, minha sina. Com voz de papagaio, nada é importante, nada é trágico. Dizem que Shakespeare lia suas comédias com voz de papagaio para seus atores, que nunca entendiam o que ele escrevia. Só assim eles sabiam que não era tragédia. Não havia gravadores no tempo de Shakespeare. Quantos não devem sua fama póstuma ao fato de não haver um gravador por perto? O mundo talvez fosse outro se descobrissem que Péricles tinha a voz fina, Napoleão a língua presa e... Mas vamos à entrevista.»
Lembra-se de como começa o primeiro Verissimo? Está aqui. Sou um coleccionador das primeiras frases de Verissimo.

||| Motta, Motta.













Nelson Motta retoma para o título do seu novo livro um verso do hino brasileiro: Ao Som do Mar e à Luz do Céu Profundo (edição Objetiva). Sabe onde começa a história do livro? Pois, no Bairro Peixoto, em Copacabana, precisamente onde vive o detective Espinosa, o herói de Garcia-Roza. Aí está mais uma história de Rio, carnaval, bossa nova e, claro, mocinhas. Queriam o quê?

||| No hard feelings.
Lembram-se de Cesariny?

||| Copacabana de novo.












Depois de Berenice Procura, para o qual Luiz Alfredo Garcia-Roza criou a personagem Berenice, a taxista-investigadora, eis que regressa o delegado Espinosa, da DP de Copacabana, numa nova investigação, Espinosa sem Saída, edição da Companhia das Letras.

Entrevista com Luis Alfredo Garcia-Roza
publicada na revista Ler há uns tempos. E, aqui, um Espinosa de A a Z.

[O Sérgio foi o primeiro a dar-se conta desta nova aventura de Espinosa.]

07 dezembro, 2006

||| Livros na rádio.
Últimas entrevistas no Escrita em Dia da Antena Um: não perca Raul Miguel Rosado Fernandes a falar sobre as suas Memórias de um Rústico Erudito (edição Cotovia) [versão para wma e versão para qt e real audio].
E ainda: Possidónio Cachapa sobre o seu novo romance, Rio da Glória, e Filipe Santos Costa sobre o seu livro acerca da campanha de Mário Soares.

||| O cantinho do hooligan. E é assim.
Há o «jogo da glória» e o jogo de campeões.

06 dezembro, 2006

||| Ah, os reaccionários. [TLEBS]
Artigos de hoje no Diário de Notícias: o de Vasco Graça Moura e o de Vicente Jorge Silva.

VGM: «O ministério não pode forçar os professores de português a uma "licenciatura" em Linguística feita a martelo. E muito menos pode tratar os alunos como cobaias descartáveis. É a sua preparação para a vida que está em jogo. [...] A sobranceria corporativa e despeitada de alguns linguistas autopromovidos a vestais só lhes fica mal. Desautoriza todos os professores que não saiam da sua coutada. E mostra que eles, tão preocupados com a semântica das frases, afinal ainda não perceberam do que se está a falar.»

VJS:
«A TLEBS é uma metáfora das trágicas disfuncionalidades do ensino em Portugal. Entre a velha escola autoritária e elitista da ditadura e o vertiginoso experimentalismo pedagógico - é esse, precisamente, o caso da TLEBS - que assaltou a escola democrática e massificada, instalou-se o vazio e o caos. O centralismo burocrático do Ministério da Educação atingiu um ponto insustentável, favorecendo o corporativismo retrógrado dos sindicatos dos professores. [...] Pior do que a TLEBS é impossível. Ter-se atingido tal grau de autismo e arrogância só mostra como o ensino em Portugal pode tornar-se uma fábrica de Frankensteins em potência. E que, para cúmulo, ainda reclamam: "Deixem-nos trabalhar."»

||| O cantinho do hooligan. Dioptrias.












Ao passar pelas bancas, esta manhã, vi esta primeira página do
jornal do Benfica Record e pensei que o Benfica já tinha jogado com o Manchester e tinha vencido sem eu saber. Conformado com a infeliz notícia, preparei-me para dar os sinceros parabéns a um ou dois amigos benfiquistas (com aquela pontinha de resignação do verdadeiro hooligan), mas num último momento consultei a agenda: não, o jogo é hoje. Como poderia o jornal do Benfica Record enganar-se e publicar a foto daquele presépio vivo e festivo na sua capa? Vi melhor: na coluna da esquerda, ocupando seis centímetros, ou nem isso, lá vem a notícia – hoje também joga o FC Porto que, por acaso, é a equipa que tem mais possibilidades de passar a eliminatória. Eu gosto deste jornalismo patriotismo do jornal do Benfica Record; agradecei-lhe, ó doze milhões de benfiquistas de todo o mundo. Para quê comprar um jornal se tendes o jornal do Benfica Record?











Capas de O Jogo (edição Lisboa) e A Bola (edição nacional).

05 dezembro, 2006

||| Questões de ortografia também.








Acha que frases como «a maioria dos estudantes passaram no exame», ou «o prédio que o Paulo vive é moderno», ou «o autor que eu mais gosto é Aquilino» estão correctas? Bom, há quem pense que a questão é subjectiva. Recupero, por isso, este artigo de Vasco Graça Moura, publicado em Agosto do ano passado. Se acha que «há-dem» ou «há-des» não está correcto, leia o texto, que publiquei aqui.

||| Gajas do meu país.










José Medeiros Ferreira analisa muito bem o fenómeno: «[...] nas nossas sociedades liberais o poder político tem perdido peso e influência para outros desde o económico ao mediático. Os homens orientam-se agora para estes poderes e deixam o campo mais livre para as mulheres que juntam convicção, aprendizagem dos dossiers, dedicação e autoridade na gestão [...].» Os estudos dizem quase tudo: os rapazes estudam menos, as raparigas esforçam-se mais e têm melhores resultados. Vamos e venhamos, isso é quase tudo, à primeira vista ou à vista desarmada.
Lembram-se de quando o bastonário da Ordem dos Médicos e o director do Instituto Abel Salazar, reconhecendo a crescente percentagem de mulheres nos cursos de medicina, diziam que a situação estava a criar problemas em áreas que seram, tradicionalmente, domínio dos rapazes (como urologia e ortopedia, por exemplo)? A proposta para resolver a situação seria a de criar quotas para homens nos cursos de medicina (*). De onde se depreende que os rapazes, se querem ser ortopedistas ou urologistas, ou cirurgiões, que se despachem. Este ambiente de guerra de sexos é muito positivo. Conhecendo-as, sabemos que não desarmarão; fazem bem. O João Gonçalves escreveu um post sucinto onde diz o essencial: «Eles só conduzem. Elas guiam.» Tem razão.
Uma das razões que me leva a estar optimista é que essa nova luta de classes aniquilará o fundamento essencialmente machista do princípio das quotas para as mulheres na vida política, uma espécie de concessão às pobrezinhas (isso queriam eles, pobrezinhas de espírito, telecomandadas e sentadinhas de tailleur, no parlamento, a assinarem de cruz).
Silenciosamente, elas estão a ganhar onde é preciso ganhar: «As raparigas tendem a permanecer por mais tempo no sistema educativo, sobretudo nos níveis mais elevados. Elas tendem a casar-se e assumir a maternidade mais cedo. Há mais empresárias e quadros de topo femininos.» Elas sabem que as quotas são fogo de artifício.

(*): No caso de vir a ser sentida a falta de urologistas e ortopedistas homens, preparei alguns slogans mobilizadores para senhoras: “Finalmente, saiba toda a verdade sobre os dez pequenos centímetros. Vá para urologia.” Se o argumento é que os homens se intimidam com uma médica numa consulta de urologia, sempre se poderia optar por uma frase como esta: “Quem melhor para conhecer o seu pénis?” Há o problema da ortopedia, claro, que pode merecer um slogan como: “Eles podem não ter cérebro, mas pelo menos têm ossos. Siga ortopedia.” O meu preferido seria outro, no entanto: “Para uma mulher, nenhum osso é duro de roer. Siga ortopedia.” No caso de o regime de quotas para homens vir a ser adoptado algum dia, então proponho uma campanha de alerta ao consumidor, ou seja, ao doente: “Confie na sua médica. Não vá em quotas.” Ou um aviso cheio de circunspecção, que até podia ser patrocinado pelo Instituto do Consumidor: “Pode estar a ser tratado por um médico de quota. Informe-se antes de escolher um médico.”

||| Ele tomou partido.
O Jorge Ferreira festeja três anos de blog e -- ah! -- finalmente escolheu um template em azul-e-branco. Mais tarde ou mais cedo isso teria de acontecer.

||| Aniversário da Casa.






















Aqui estão algumas das fotos (de Ana Rojas) da sessão de leitura de quinta-feira passada. José Tolentino Mendonça, Luís Quintais, Pedro Mexia, José Luís Peixoto, Manuel António Pina, José Eduardo Agualusa.

||| Ramos Rosa.
Hoje, ao fim da tarde, entrega do Prémio Luís Miguel Nava a António Ramos Rosa, na Casa Fernando Pessoa.

||| ... e, um pouco mais tarde, CVM.
Lançamento do livro de Carlos Vaz Marques, Mpb.pt (edição Tinta da China) na Fnac do Chiado, às 21h00. Como bónus, além de CVM, Camané vai cantar Chico Buarque com Mário Laginha.

||| Questões de nomenclatura.
Ontem, uma secretária de Estado utilizou cinco vezes a palavra elencar (ou elencadas, ou elencaremos) em cerca de oito minutos de intervenção na rádio. Hoje, um militar começa na primeira frase por dizer que «as coisas estão muito bem elencadas». Implementar, elencar, recepcionar, etc. A nossa novilíngua consegue sempre prodígios. Eu diria que.

||| Agustín Lara.


Vitória absoluta deste lado
. Com parabéns pelo terceiro aniversário luso-madrileno.

04 dezembro, 2006

||| As hipóteses, 5. [TLEBS]
João Cruz, por mail:

«A minha formação base é de Engenharia e talvez por isso tendo a analisar a realidade numa perspectiva de simplificação da mesma. Mas atenção, simplificar não é ser simplista pois enquanto o primeiro visa a optimização, o segundo deixa de fora partes importantes da explicação. É nesta óptica que olho para aquilo que uma Língua deve fazer e confesso que há algumas coisas de que só me apercebi, ou pelo menos fi-lo com um olhar crítico, quando comecei a acompanhar os meus filhos ao nível da aprendizagem da leitura. O que me parece é que, a grande riqueza da língua e do sentido literário da mesma advém essencialmente do vocabulário, das regras gramaticais e de algo a que chamaria flexibilidade no rendilhar das palavras e frases.
Sem que tenhamos que ser particularmente eruditos, a forma como podemos dar liberdade ao pensamento sem que a excessiva rigidez nos tolde o mesmo, ou sem que um manto pouco claro cubra o sentido do que queremos dizer, são para mim boas medidas da eficiência de uma Língua. A este respeito devo confessar que o pragmatismo brasileiro já fez mais pelo Português nas últimas décadas que os Portugueses, na sua atitude de preservação original, ao longo dos últimos dois séculos. Penso também que os Anglo-Saxónicos são bons exemplos desta abordagem.
Daqui resulta que o esforço de evolução deveria ser feito não em construção de novos conceitos gramaticais de génese duvidosa, como a TLEBS, mas sim em simplificação. Poderia dar muito exemplos mas deixo apenas, sob a forma de uma questão, alguns dos mais simples e elucidativos, prendendo-se com a ortografia. Porque temos letras que valem de forma diferente consoante a situação? Porque é que um S, às vezes vale Z, ou um O vale U, ou um E, vale I, etc, etc? Quando pergunto porquê, não procuro uma explicação que se encontra num qualquer prontuário, questiono sim para que serve.
Pode parecer irrelevante mas julgo que elevar a facilidade de uma aprendizagem, principalmente quando a complexidade não acrescenta valor é uma missão nobre, num mundo pleno de informação.»

||| Contra-programação.
O Sol vai anunciar as suas manchetes com 48 horas de antecedência para não enganar os seus leitores e não alinhar na contra-programação.

||| Ausência.
Depois do Porque, André Moura e Cunha está de volta, embora o blog se chame In Absentia (desta vez a sua máquina de música oferece Mozart).

||| Debate.
Para contribuir para o debate, publiquei aqui o texto de Maria Helena Mira Mateus e o de Helena Buescu sobre a TLEBS (originalmente no Público). Também no Público, carta do escritor Daniel de Sá.

||| As hipóteses, 4. [TLEBS]
Escreve, por mail, Isabel Santos:

«Sou a favor da mudança no ensino da Língua. Sou licenciada em Português/Inglês e já tive alunos que não sabem a diferença entre um adjectivo e um advérbio ou entre uma conjunção e uma preposição; que distribuem de forma automática os famosos e erróneos complementos verbais, que desconhecem a importância dos segmentos sonoros e surdos na pronúncia das formas verbais no Inglês. E isto acontece porque durante anos, ou décadas, se abafou a linguística “no manto diáfano” da literatura. É mais fácil analisar um texto por aula ou fazer a escansão métrica. Na realidade, há muitos professores de línguas ignorantes, porque julgam que ensinar uma língua é saber analisar um texto dessa língua. Não considero que a nova velha terminologia seja assim tão escabrosa. Para os alunos, sê-lo-á ou não dependendo da atitude e competência do professor. Manter o antigo método de (não) ensino e a “fácil” terminologia só ajudará a perpetuar o desconhecimento que temos da nossa língua. Já agora, quando se ensina o aparelho digestivo ou a tabela periódica também se altera a terminologia?»

A Joana C.Dias, por mail:
«A minha mãe, professora de Português reformada tem amigas que ainda leccionam e que a põem a par do que se passa no terreno. Agora a Tlebs anda na ordem do dia, e para além dos artigos de opinião que a minha mãe lê, ouve as ex-colegas que contam as barbaridades da formação para professores que os tlebso-iluminados vão fazer ao Liceu (quer dizer, escola Secundária) [...] no Porto a mando do Ministério. Entre algumas particularidades, a senhora formadora de professores deu como exemplo de palavras homónimas: «sede» («quero beber porque tenho sede») e «sede» («a sede do BPI é no Porto»), que são na realidade homógrafas. Também disse que os substantivos terminados em "o" eram masculinos; foi-lhe perguntado como se classificava "nómada" e a senhora respondeu prontamente que não se dão exemplos desses aos alunos. Ok, é maneira original de fazer e explicar gramática ou seja lá o que lhes querem chamar agora. Só que também não explicou o que se faz com "dia" e tantos outros substantivos, ou quantificadores ou lá o que é, ligados a profissões: o pianista, o electricista. A senhora não sabe é gramática.»

03 dezembro, 2006

||| Linguística de direita.
Por mail, Eugénia V. Alves:

«A questão não é sobre a TLEBS. Mas pode um escritor, como o senhor, ser pela gramática normativa e defender a gramática normativa, como o fez num post, que, esse sim, é de direita?»
Pode. Defendo a norma, sou pela norma, gosto de regras -- para poder não as respeitar quando quiser. Não se podem fazer malabarismos sem conhecer essas regras essenciais; saber o que é um soneto, a métrica, a rima; saber que é incorrecto escrever e dizer «estivestes» ou «fizestes»; não há nada mais irritante do que os pantomineiros que gostam de fazer gracinhas sem saberem o que isso significa.
Agora, o meu post ser de direita, isso comove-me. Nós achávamos André Martinet um chato direitista -- ele era militante de esquerda.

||| Reparo.
Há um argumento obnóxio que circula com bastante insistência: o de que a campanha contra a TLEBS é de direita e conservadora*. Tamanho dislate** vem de gente que considerava Chomsky um perigosíssimo direitista depois de ter lido «os modelos de 1957 e 1965» acerca da a-historicidade da linguagem e do modelo inato de aquisição das estruturas linguísticas. Podiam inventar outra coisa qualquer e ser mais inteligentes. Mas não; é tudo gentinha pobre de espírito, malabaristas desde os tempos da faculdade. Bem os conheço.

* - Por acaso, o erro é duplo; se bem os entendo, acharam que a discussão contra a TLEBS é uma outra frente de luta contra o governo. Grosseria. A fantástica TLEBS vem dos tempos do governo de Durão Barroso, cuja ministra da Educação se fartou de despachar inanidades. Desculpem o mau jeito.

** - Ou será por Maria Helena Mira Mateus ser «de esquerda»?

||| Uma campanha. [TLEBS]











José Nunes, de Os Dedos, por mail:

«Sou pai, a minha filha está no 5º ano e está a ser avaliada pelos que sabe da TLEBS. Estou em pânico. Faço também parte da direcção da Associação de Pais da escola dela. Estamos no terreno, estamos contra a TLEBS.
A questão nem é tanto entre a Literatura e a Linguística. É uma questão de bom senso. Não dou autorização a ninguém para fazer experiências com a minha filha...nem médicas, nem cientificas, nem pseudo-pedagógicas. Todo o edifício da TLEBS falece de validação. Entre muitas outras coisas, sou arquitecto. E sei que não é nas fundações que se aplicam o mármore de Carrara e as torneiras banhadas a ouro. Podiam até ficar lindas - para quem aprecia o estilo - mas a solidez do edifício ficaria irremediável mente comprometida.
Chamo-lhe a atenção para o processo francês - artigos no Le Figaro e no Le Monde. Cito o Le Monde: "La terminologie doit être fixée dans une liste et "permettre aux parents ou aux grands-parents d'accompagner la progression des enfants". Cito o Le Figaro: "Le linguiste Alain Bentolila remettra mercredi à Gilles de Robien le rapport que ce dernier lui avait demandé sur la grammaire. Le ministre de l'Éducation souhaiterait supprimer les termes trop jargonnants."»


Outras citações:

«Os liguistas têm culpas da situação? Alguma terão, mas a responsabilidade é do ministério, que oficializou com total insensibilidade, sob a forma de portaria, o produto que aqueles gostosamente lhe puseram nas mãos por encomenda. (...) No caso concreto do caso TLEBS, o que está em causa é o facto de a encomenda se destinar ao ensino básico e secundário. Sou a favor da TLEBS mas apenas entre adultos e com consentimento mútuo.» [no Falta de Tempo, mais aqui e, com muito interesse (revelador, revelador...), aqui.]

Ver ainda o Educação Cor de Rosa (e também aqui, aqui e aqui), o Assim Mesmo, Quarta República (mais aqui), Educar («um ensino da Língua Portuguesa que sobrevalorize as derivas taxonómicas, à moda dos excessos classificadores do positivismo oitocentista, pode acabar por matar no ovo o gosto pela própria leitura...»), Mau Tempo no Canil, Estação Central, Tomar Partido, Agreste Avena.

||| As hipóteses, 3. [TLEBS]













O Educação Cor de Rosa dirigiu-me um pequeno repto a propósito do artigo de Rui Tavares no Público deste sábado. Basicamente, estaria em causa uma disputa do território entre Linguística e Literatura. Para que se saiba: fui o organizador do I Congresso de Estudos Linguísticos, em 1984, na Universidade de Évora, cujo tema era «Linguística e Literatura» (que nos possibilitou duas lições magistrais: uma de Óscar Lopes, outra de António José Saraiva, num reencontro notável entre os dois mestres; o segundo congresso teve como tema «Linguística e Teoria do Texto» e permitiu papers muito actuais nessa altura e ainda hoje, de Enrique Bernárdez, John Morris Parker, Aguiar e Silva, Fernanda Irene Fonseca, entre outros). Não suponho, como não supunha na altura, que essa distinção e essa disputa sejam fundamentais; ela é, antes de mais, herdeira de outras disputas que vêm dos anos cinquenta, sessenta e setenta, quando a Linguística se ocupou, também, do chamado «discurso literário», enquanto discurso (não vale a pena enumerar as referências: Jakobson, Kristeva, etc.). Curiosamente, foi a autonomia crescente da Linguística, sobretudo a partir da Linguística de Texto (van Dijk, Schmit, Petöfi, etc.), que ditou a separação dos dois corpus: o da Literatura e o da Linguagem. Questões coevas e estapafúrdias, como a da literariedade, foram abandonadas pela Linguística, com benefícios gerais para linguistas e para estudantes de literatura. Não vale a pena, portanto, reabilitar o combate. Mas é importante distinguir os campos e os combates. O que me separa da TLEBS não é a disputa sobre o papel da Linguística (até por razões sentimentais...) mas questões teóricas, de concepção e de nomenclatura -- ou seja, sobre a própria natureza da terminologia, que acho desadequada e pode dar origem a erros de interpretação e de classificação.
As minhas dúvidas têm, também, a ver com o ensino do Português em geral e com a sua pulverização pela Linguística. Não sei se a TLEBS contribuirá para o melhor conhecimento da língua e para uma melhor relação com o ensino do Português. Suponho que não. Que dificultará e que criará problemas de perspectiva. E mantenho, portanto, que um maior investimento na leitura de textos literários, por exemplo, é mais útil para esse ensino.
Há outras questões colocadas pela adopção de léxico vulgar. Mas eu não sou inimigo da gramática normativa. Acredito, até, que foi o seu abandono, ditado por preocupações teóricas, que nos levou a este estado.

||| Famílias.









Al-Huseini, aliás Mohammad Amin al-Husayni, que foi promovido a SS Gruppenfuehrer por Heinrich Himmler (em 28 de Novembro de 1941), pretendia ajudar a estender a solução final na Palestina. Há famílias assim. E sobrinhos.

||| O cantinho do hooligan. Derby.















O Jorge fala de um derby que ditaria a substituição do timoneiro. Mas o verdadeiro derby é aquele que confirma o primeiro lugar. Uma Dragon Stout para ti.

02 dezembro, 2006

||| Assim é fácil, 2.









Escreve Andreu Vallès a propósito do assunto:

«1) Pior do que os erros, é o sentimento de superioridade absurdo de alguns. Há umas semanas li um artigo num jornal local (dos Olivais, salvo erro) onde se invectivava contra quem usa "terramoto" (em vez do correctíssimo "terremoto"), mostrando como tais pessoas sofriam de um incurável defeito moral (o artigo prosseguia demonstrando como Fernando Pessoa era um poeta medíocre por, alegadamente, inventar palavras).
2) Pegar na variedade e no uso para justificar a ignorância é sintoma de preguiça. Mas se quisermos agradar a todos, vamos enredar-nos em discussões infindáveis sobre a forma que nos vão deixar a milhas do conteúdo. Por exemplo, já tive portugueses de pergaminhos linguísticos impecáveis a corrigirem-me de forma totalmente contraditória sobre quando usar "por que" e quando usar "porque". Isto sem ligarem pevas (estarei a fugir à norma?) ao que estava escrito no texto em questão.
3) Ler, ler, ler e descontrair parece-me a solução. E não achar que os outros, por não usarem exactamente as mesmas opções que nós (por exemplo, usar "e" no início de frase), estão necessariamente a falar mal.
Agora um pouco de linguística à la Bakhtin: uma língua é um campo de tensões centrífugas e centrípetas.
P.S. Imagine-se agora isto aplicado a um país onde as variações têm cargas políticas inimagináveis e terão uma ideia do que é falar catalão na Catalunha.»

||| Rushdie e Deus.
Acerca do Deus do Mediterrâneo. Relatos aqui e aqui.

||| Assim é fácil.
O mail do leitor Luís Varela coloca um problema sobre a língua, a correcção gramatical e a incorporação de novas expressões e léxico. Seria bom que se reflectisse sobre o assunto. Estará certo incorporar expressões como «tu dissestes» ou «tu fizestes» apenas porque elas são escutadas e popularizadas? Nos anos oitenta as faculdades retomaram a «linguística da oralidade» contra a «escrita», o que desvalorizou a ideia de «norma» e a abriu ao «linguajar registado»; ou seja, se se registam expressões como essas, o que nos permite dizer que estão erradas? É uma democracia da barbaridade, mas é necessário discutir o assunto. Outro caso é a expressão «bué», por exemplo, incluída no Dicionário da Academia. Trata-se de um modismo que, aliás, caiu em desuso actualmente; mas a vontade de ser «moderninho» e «actualizado» levou à sua inclusão no Dicionário da Academia. O problema é que um dia destes haverá, nos dicionários, entradas que apenas foram popularizadas pelo Gato Fedorento, que as ridiculariza, ou pela Ana Malhoa, que as utiliza com grande alegria. Assim é fácil.

||| A Corte portuguesa no Brasil.
A um ano das comemorações da chegada da Corte portuguesa ao Brasil (1807), Francisco Seixas da Costa, embaixador de Portugal em Brasília, assinala a data num artigo no O Globo. Boa perspectiva e boa antecipação. A discussão sobre o evento dá lugar, geralmente, à maior vaga de culpabilização portuguesa no Brasil. É bom ver que alguém está atento.

||| As hipóteses, 2. [TLEBS]








Escreve Luís Varela, por mail:

«Sou professor de Português há 3 décadas. Pelo meio, fui leitor de Portugês em universidades inglesas. Tenho assistido a tudo no nosso país. Às atrocidades a que só faltou dependurar as crianças (do ciclo preparatório de então) das árvores do Chomsky. (Não acredito que ele tenha tido conhecimento do uso que aqui fizeram do seu trabalho!). A tantas, tantas pedagogices modernaças que mais não são que colagens a cuspo e descontextualizadas de coisas experimentadas (mas, hélas, com fundamento lá fora), para aqui transpostas sem pés nem cabeça.
Não me quero alongar. Peço-lhe apenas que veja como gente como Helena Mira Mateus cauciona, em nome da evolução, o uso do "tu fizestes", "tu dissestes", etc. Depois da tlebite, faltava-nos isto. Vem tudo no livrinho que a Caminho publicou com o título Linguística, colecção "O Essencial sobre" (pág.72, secção "Mudanças em Curso"). Tudo em nome, suponho, da "legitimação pelo uso". Pergunto-me, pois, porquê e para quê a norma, a regra, se acabamos por cair nisto. Dizia Camões que "quem não sabe arte não na estima".»

||| O cantinho do hooligan. Uma vez sem exemplo.











Para o Luís Carmelo festejar. Mas é uma vez sem exemplo.

||| Brasil. Ramificações.
O dossier contra a tucanagem, afinal chegou ao Palácio do Planalto. O Apedeuta vai dizer que não sabia de nada, naturalmente. É a repetição do primeiro mandato: ele não sabia de nada. De certa forma é verdade; ele não sabe nada.

01 dezembro, 2006

||| O pior português de sempre.
Estas coisas têm algum sentido.

||| As declarações de Teixeira dos Santos.
Vítor Dias, hoje no Público, refere-se a este post sobre as declarações do ministro Teixeira dos Santos. Dias escreve «caso se confirme que o ministro Teixeira dos Santos tenha, de facto, formulado uma tal "doutrina"», uma vez que não as encontrou na imprensa («não consegui encontrar a fonte original de tais declarações atribuídas ao ministro das Finanças»). Foram reproduzidas pela TSF justamente no sábado:

«O ministro das Finanças acusou, este sábado, os partidos da oposição de estarem a «atacar todos os portugueses», quando «reagem mal» aos «bons resultados» obtidos pelo Governo na correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa.»

||| As hipóteses.
Os técnicos da TLEBS acham que ninguém que valha a pena está contra a TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básicos e Secundário); que eles continuarão a avaliar a experiência e que, depois, nos comunicarão (a nós, incréus) os resultados; que nós (seja lá isso o que for) não entendemos nada do assunto; a alguns faltou a desfaçatez para nos chamar reaccionários, mas a ameaça está lá, inteirinha; que isto é o pessoal da literatura contra a Linguística (eu pertenci à classe, mas enfim); que eles é que sabem da Língua, e que o assunto não pode ser deixado à disposição de civis. Percebe-se.
Tenho duas reacções em relação ao assunto, o que não põe em causa o respeito que me merecem os linguistas que trabalham na TLEBS. A primeira é tentar, pacientemente, ripostar e contra-argumentar, citar casos, procurar explicações para o desastre do ensino do Português (que, sim, posso também atribuir aos linguistas), desmontar a TLEBS. A segunda é, citando dois ou três casos da TLEBS, rir um pouco e, com amigável sinceridade, atirar-me ao Ministério da Educação por este descaminho.

||| O Sr. Fernando, lembrado em cada coisa.













Às 14h30 já havia 40 pessoas a querer entrar. Um pouco antes das duas da manhã ainda havia pessoas que não queriam sair. Pelo meio houve leituras (Manuel António Pina, José Luís Peixoto, Pedro Mexia, Luís Quintais, José Tolentino Mendonça, José Eduardo Agualusa), passeios pelas varandas e pelo jardim, vinho (ah!, felizes os que ainda beberam o da Herdade de São Miguel, e o seu especialíssimo da reserva de 2004), presentes distribuídos, amigos que vieram do Porto, do Brasil, dos EUA, de Itália, de todas as tendências políticas e de muitos blogs, jornalistas, amigos da Casa, frequentadores habituais, escritores e -- ah!, não podia faltar -- muito gossip. As salas dos quatro pisos da casa estiveram abertas e disponíveis, a Rua Coelho da Rocha animada. Voltaremos para o ano, sem esquecer as jornadas especiais que voltarão a ser comemoradas.
Já estamos a trabalhar nas sessões do Dia Mundial da Poesia (que será a 21 de Março), do Dia Mundial do Livro (que será a 23 de Abril, com muitas surpresas) e em jornadas especiais -- em Março, uma semana da poesia caboverdiana; em Janeiro (a 18), inaugura a exposição de Jordi Bruch (que substitui a excelente mostra da Kameraphoto, que fica até 5 de Janeiro); antes do Verão, António Costa Pinheiro; na rentrée de 2007 (com o Outono), uma exposição pessoana inédita que guardaremos a sete chaves até lá; em Fevereiro próximo, a primeira das mostras Universos Pessoais, dedicada a José Agostinho Baptista (seguem-se Nuno Júdice e António Osório). Também em Fevereiro, lembraremos Fernando Assis Pacheco.
Depois de uma semana que culminou na festa de aniversário, com sessões dedicadas a Luis Sepúlveda, ao debate sobre Estado & Cultura, a Selma Lagerlöf e Björn Larsson, e à música maravilhosa (desculpem o kitsch) de A Musa ao Espelho, a próxima semana, não vai parar: terça-feira, 5, será dedicada a Anónio Ramos Rosa -- em colaboração com a Fundação Luís Miguel Nava, Gastão Cruz e Fernando Pinto do Amaral. A 7, quinta-feira, será Paola d'Agostino, apresentada por Manuel da Silva Ramos. Dia 13, quarta-feira, não perder a apresentação de António Osório (é a reunião da poesia de Osório, com A Casa das Sementes). A 6 e a 14 de Dezembro, sessões dedicadas a Rodrigues Sampaio (conferências, respectivamente, de António Ventura e de Álvaro da Costa Matos). A 15, sexta-feira, João Pereira Coutinho apresentará o Livro de Estimação, de Jorge Reis-Sá.
Também em 2007 o espólio de objectos pessoais de Fernando Pessoa será reorganizado e mostrado de outra forma nos três pisos superiores da Casa, em vez de estar concentrado na biblioteca (onde continuará, de qualquer forma, o retrato original de Almada Negreiros); na semana passada, o filho do barbeiro de Fernando Pessoa entregou-nos as navalhas de barba usadas pelo poeta -- sei que é apenas uma curiosidade, mas interessa-nos.
E, como coroa de glória, a partir da Primavera serão reabertos os espaços do jardim, com um novo restaurante e cafetaria (que incluem esplanadas de Verão e de Inverno, com mesas e cadeiras para leitura, além de cinema ao ar livre), um projecto bem bonito.
Aos poucos, como em tudo na vida.

P.S. - Sim, no nosso programa para 2007 fica obrigatório manter os três gatos que habitam o jardim (incluindo a bela siamesa), que fazem as delícias de Manuel António Pina (e de Maria Velho da Costa) e que miam depois de J. Tolentino Mendonça ler os seus poemas.

Dos blogs: Luís Carmelo, nosso vizinho de Campo de Ourique, lamentava a falta de cerveja, coisa que remediaremos em breve para as sessões públicas; João Villalobos, reaparecido, não ceou mas foi, evidentemente, muito bem-vindo; Ana Cláudia Vicente e Isabel Goulão, radiantes; Manuel Falcão, atentíssimo durante a leitura; e aguardamos que o Ricardo mostre as fotografias no blog.

||| Ir para a cama.
Não é o que pensam. O Bruno descobriu que há grandes variações no tamanho padrão das camas de hotel.