||| O sentido que a vida tem. Dias com árvores.
Às vezes devíamos apenas ter catálogos como estes, viagens como estas pelas nossas terras. E blogs como estes.
A Origem das Espécies
We have no more beginnings. {George Steiner}
28 fevereiro, 2006
||| Instituto do Livro retira autores do site.
Sobre este post anterior (o IPLB retirou do seu site os verbetes do Dicionário de Autores, um instrumento útil e fundamental para a divulgação literária), comentário de Eduardo Pitta.
||| Guevara.
Valter Hugo Mãe sobre o herói das t-shirts: cruel, homofóbico, racista -- e a lista de fuzilamentos.
Textos de Alvaro Vargas Llosa sobre o assunto aqui.
27 fevereiro, 2006
||| Insurgente.
O Insurgente comemora o seu primeiro aniversário.
26 fevereiro, 2006
||| Regular, regular, 2. {Actualizado}
Meter na ordem a rapaziada. Não vejo outra explicação para a vontade disciplinar e controladora de Augusto Santos Silva e dos socialistas. Invadir a redacção dos jornais («aceder às instalações, equipamentos e serviços das entidades sujeitas à supervisão e regulação da Entidade Reguladora»); fazer deontologia por conta própria e emitir pareceres quando lhe apetecer; controlar, gastar 1 milhão de euros anuais para ter opinião sobre tudo; poder fiscalizar o que entender; a breve prazo meter os blogs na ordem, definir que não há espaços de «comunicação» que não possam estar livres da sua alçada; dar aulas (não solicitadas) sobre jornalismo (a quem não lhas pediu); naturalmente proteger a sociedade da ameaça da licenciosidade da imprensa; perorar sobre a verdadeira liberdade de expressão contra a falsa liberdade de expressão (a que se confunde com licenciosidade). Tudo isto é perigoso. Primeiro, quando se fala nas ameaças à liberdade em nome desta vontade de controlar tudo, dos apelos à denúncia e à delação, do delírio festivo em redor do «cartão único» (essa conquista da humanidade, como já lhe ouvi chamar), a coisa passa em branco. Mas esse tom disciplinador e moralizador é o resultado da vontade de controlar. Hoje não ligamos ao apelo; brincamos (civilizados que somos, e sensatos) acerca dos que acham que a liberdade é um valor absoluto; achamos, mesmo, que há limites sérios a impor, para que a licenciosidade não massacre a moral. Amanhã, quando os sacerdotes e evangelizadores da moral e da deontologia obrigatória entrarem pelas nossas casas dentro, também não ligamos. Este é o primeiro passo.
Daqui a uns tempos, se os deixarmos à vontade, toda a nossa vida estará submetida a entidades reguladoras com padrecas especializados ou polícias encartados e nomeados pelo governo ou pelos partidos.
PS - Leiam, no Público de hoje, domingo, um artiguinho de uma «especialista em igualdade de género», na área de opinião. Vejam como, nas linhas e nas entrelinhas, a nossa liberdade não interessa nada. Vejam como ela não é, de facto, um valor absoluto. Vejam como tudo é relativo e como há sempre uma desculpa. Vejam como se chega lá.
PS2- O Rui lembra, a propósito, que o autor destes e de outros dislates legislativos é um cavalheiro que alertava o povo para o facto de a eleição de Cavaco ser um verdadeiro golpe de estado constitucional. Afinal, foi o próprio Augusto Santos Silva a tentar, primeiro, o golpe contra a liberdade. Morreu pela boca. Não confiem nele.
PS3 - Curiosamente, há outra analogia entre a tentativa de impor um controle apertado sobre a imprensa por parte deste governo e as manobras para fabricar instrumentos de censura no Brasil, detectada aqui abaixo. Também no Brasil a legislação sobre a imprensa (com nomeação de controleiros políticos para vigiar e punir os jornalistas licenciosos) se fez acompanhar de mais leis sobre o cinema indígena e sobre o nacionalismo cultural (entre nós representado pela Lei da Rádio)
PS4 - Artigos de Artur Costa e de Rui Camacho, no JN, via Blog Cacca.
||| Regular, regular.
As notícias sobre a Entidade Reguladora da comunicação social (ERC) são cada vez mais preocupantes. Não se compreendem certos silêncios corporativos por parte de um grande número de jornalistas. Pessoalmente, por muito boas relações que possa ter com os membros da Entidade, acho que ela é uma ameaça à liberdade de imprensa. Só o facto de poder entrar nas redacções, como agentes da autoridade, já constitui uma violação do bom-senso.
Além do mais: mesmo aceitando que os curricula dos membros da ERC os tornam pessoas capazes de desempenhar as suas funções (o que não quer dizer nada, uma vez que essas funções podem, por si só, ser perniciosas), o público devia ser informado sobre o que essas pessoas pensam acerca de casos concretos. Deviam ser sabatinados em sessões públicas, submetidos a um rigoroso exame e a um escrutínio que também nos esclarecesse sobre o que pensam acerca de entrarem nas redacções, acerca do que fariam diante da «licenciosidade» da imprensa, etc.
Ver também as vitamédias de Pedro F. aqui. Ver este texto de Mário Bettencourt.
Recordar também o que se passou no Brasil com a entidade reguladora que o governo Lula tentou criar para disciplinar a profissão e punir os irresponsáveis e os excessos, proteger a sociedade.
||| Títulos. De como se chega à licenciosidade.
Título na primeira página do Diário de Notícias:
«Arturo Pérez-Reverte considera conflito com o Islão uma anedota.»Título na página 33 do Diário de Notícias:
«O conflito entre o Islão e o Ocidente é uma anedota.»Declaração de Arturo Pérez-Reverte na entrevista a João Céu e Silva:
«O conflito entre o Islão e o Ocidente é uma anedota histórica, já se deu com os romanos quando os bárbaros os invadiram. São ciclos... Se não for o Islão será a China, os americanos ou os islandeses.»
24 fevereiro, 2006
||| Fim dos autores.
No site do Livro Aberto, os links para autores, que reenviam ao IPLB ainda estão a funcionar.
||| Arturo Pérez-Reverte.
Muito boa entrevista de Pérez-Reverte no O Independente de hoje (por José Eduardo Fialho Gouveia).
||| Cabo Verde. Poesia de João Vário, 2.
E então subimos aquele grande rio
e as portas do Rodão, chamadas. Era em abril
dois dias depois da neve
e da cidade dos nevões, na serra.
E olhamos para os penhascos da beira-rio,
as oliveiras, o xisto, a cevada
as ervas de termo, e as colinas.
E, junto da via férrea, os homens do pais
miravam-nos como se fossemos nós
e não eles os mortos desta terra,
homens do medo e do tempo da discórdia
que trazem para o cimo das estradas
a malícia que vai apodrecendo
seus pés neste mundo e em terras de outrém.
Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável, os homens,
perdidos que estais, hoje como ontem,
entre a casa e o limiar?
E evocamos, mais uma vez, esse provérbio sessouto.
E, na verdade, porque regressaremos,
após tantos anos, a este tema?
Será que a morte nos ensinou
a olhar para o homem com pavoroso êxtase?
{Mais poesia de João Vário aqui. Sobre João Vário no Maschamba.}
||| Pessoa, Mundo.
Ricardo Gross é o responsável pelo blog Mundo Pessoa, onde se juntam informações sobre poesia, literatura & actividades da Casa Fernando Pessoa.
23 fevereiro, 2006
||| Cabo Verde. Poesia de João Vário.
Há muito passado no estar aqui com o tempo,
Fim e reconhecimento, e não sofrendo nada mais do que o tempo concede,
Fim de novo e reconhecimento de novo
E tudo é crime, ou crime sempre, crime ou crime,
Criminosíssimamente crime,
Quando arriscamos a intensidade, comemorando.
Aumento e festa, ou cilício, e tempo de cair e tempo de seguir,
Tempo de mal cair e tempo de mal seguir,
Oh amamos tanto, amamos tanto estar aqui com o tempo
E sabendo que há nisso pouco passado.
Porque maiores que os desígnios da vida
São os desígnios da medida e, divididos
Em dois por eles, com eles indo, se por eles
Ganhamos o tempo, pedimos a forma mais fácil
De indagar que vamos morrer e, um dia, se
O tempo for deles e, a memória, de outros,
Havemos de ser úteis como mortos há muito,
Sem que a causa, o delírio, a designação,
O julgamento nossa medida abandonem,
Dividida em duas por elas, e ganhando constância.
Depois, depois faremos ou fará o tempo, por sua vez,
Aquele blasfemíssimo comentário,
E então consta que amámos.
[Em onda de revisita a Cabo Verde, ver também outros exemplos clássicos, como este poema de Eugénio Tavares e o monumento musical de «Hora di Bai».)
{Nota: Nas escolha do Prémio Camões, quando colocarem em cima da mesa as hipóteses de mais uma escolha literário-diplomática, esqueçam os argumentos e, no caso de Cabo Verde, podem começar a pensar em João Vário.}
||| Revista de blogs. Reciprocidade.
«Não cobiçarás a mulher do próximo, a não ser que a mulher do próximo te cobice da mesma forma.»
{Helena, no Tristes Tópicos.}
||| Colômbia.
Ingrid Betancourt, refém, entra no seu quinto ano de solidão.
||| Carnaval.
Se não fosse a Miss Pearls (obrigado, Isabel) já me teria esquecido desta descrição do Carnaval, vinda do Aviz.
22 fevereiro, 2006
||| Ir mesmo até ao fim.
A página do fim.
||| Atrevimento interatlântico.
Para moralistas e afins.
Publicado no Achtung Baby [via Maschamba]
||| Brokeback Mountain.
Até agora, a melhor crítica ao filme.
21 fevereiro, 2006
||| Um antropólogo em Moçambique. Companhia de Moçambique.
Fico muito feliz por isso. O trabalho do Rui é excelente, a tese de doutoramento apenas um passo. Foi hoje, na Universidade Nova, e resta agora publicá-la em livro.
||| O cantinho do hooligan.
A Carlsberg já esteve melhor.
Ver o post do maradona para confirmar (obrigado, maradona!) que Benítez é um trapalhão com sorte. Eu já tinha escrito que o homem não merece treinar o Liverpool.
||| Liberdade, mais um acto. Agora, Kok Nam.
Brilhante evocação de Kok Nam por Eduardo Pitta no Da Literatura. Ecos do sucedido pelo José Flávio (a quem roubo uma foto de Kok como ele gostaria de ser fotografado, bebendo num final de tarde da sua cidade).
||| Moçambique.
Alguém redescobriu, finalmente, este livro espantoso de Adriaan Van Dis, Em África.
||| Bienal do Livro em São Paulo.
Quando lembro alguns episódios recentes de escritores que não queriam ir com outros escritores a esta Feira, àquele Congresso, àquela reunião internacional, rio bastante.
||| Leitura.
O novo livro de Nuno Crato: O Eduquês em Discurso Directo. Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista (edição da Gradiva). As múmias vão protestar; ou, quando muito, murmurar, murmurar.
20 fevereiro, 2006
||| Bendita voz.
Tradução de W.H. Auden, do inglês para crioulo de Cabo Verde (por José Luís Tavares): O Tell me the Truth About Love.
18 fevereiro, 2006
17 fevereiro, 2006
||| B.H.L.
Texto de Bernard-Henri Levy na The Nation: «A Letter to the American Left».
||| Amos Oz.
Entrevista com Amos Oz sobre a situação actual em Israel, depois da vitória do Hamas (texto em francês, publicado pelo movimento Paz Agora; originalmente publicado na The Nation).
||| País real, universidade fantástica.
Leiam, leiam. Leiam e reparem como os estudos culturais avançam nas colinas do Marão.
||| Assalto ao jornal.
Não vale a pena discutir os métodos da polícia ao entrar na redacção do 24 Horas. Não discutirei a honorabilidade da imprensa nem o que está oculto em cada investigação que cada jornal entende fazer, nem com as suas opções editoriais (sim, porque no «affair Casa Pia» há profissões de fé, como se sabe). Mas estou com o Eduardo Pitta: sim, pessoal, o 24 Horas não é dos nossos, nós somos finíssimos, nós passamos ao lado. «Nós somos todos muito finos para nos preocuparmos com jornalismo marron.» Pode ser. Sim, pessoal, uma notícia do 24 Horas vale menos do que uma do Diário de Notícias ou do Le Monde. Vale mesmo? O pessoal não vai preocupar-se com o assalto ao jornal das manchetes marron, o pessoal é superior. Eu sei que há uma coisa que vale mais do que isso: o assalto ao jornal, que é preocupante. Hoje não nos preocupamos com o assalto ao jornal, como ontem pouca gente se preocupou com o assalto à casa de um blogger; amanhã não nos preocupamos com o assalto a nossa casa. De uma coisa podemos estar certos: a liberdade só tem um valor. E os cavalheiros que desde há anos andam a violar o segredo de justiça, «colocando notícias» estrategicamente, divulgando partes de processos, industriando devagar ou em catadupas, esses, não foram assaltados pela polícia.
Se por acaso o sr. Presidente da República, entre tantas condecorações recentes, resolver comentar esse assunto, não se esqueça do que já disse sobre a honorabilidade do regime e o respeito que devemos à liberdade. E que nenhum de nós esqueça que é muito fácil e popular punir o mensageiro, sejam eles o 24 Horas ou o Público -- e muito conveniente levantar esta poeira. No meio da poeira todos os figurões são pardos. Eles também são contra a licenciosidade, claro. E, neste caso, ficam a saber que podem retaliar desta maneira.
||| Pedir desculpa.
O artigo de ontem no JN.
15 fevereiro, 2006
||| Evidentemente.
De disparate em disparate até à derrota final, por Paulo Gorjão.
||| Obsessivas fixações.
«Será admissível que a política externa de Portugal esteja entregue aos estados de alma, aos caprichos e às obsessivas fixações pessoais do prof. Freitas do Amaral, que não fala na condição de cidadão mas de ministro dos Estrangeiros? Será compreensível que o primeiro-ministro, o Governo e a maioria parlamentar não manifestem nenhuma incomodidade visível com tamanha exorbitância ou que um medíocre burocrata de serviço do PS não distinga entre os autores das caricaturas de Maomé e os incendiários de embaixadas? E como aceitar que nos tomem a todos por tolos quando se pretende que entre o recente discurso do Presidente da República em Évora, em defesa da liberdade de expressão, e as declarações de Freitas do Amaral, justificando a fúria islâmica contra o agressor ocidental, não existe nenhuma contradição ou dissonância, pondo em causa a credibilidade externa do país?»
Vicente Jorge Silva, no DN.
||| Periférico.
Rui Ângelo Araújo, um dos homens da Periférica, na blogosfera com Os Canhões de Navarone. Começa muito bem.
||| Para ler.
Michael Larsen, Nenhuma Certeza. Literatura policial dinamarquesa.
||| Selecta literária.
«Todos os pequenos de Sønderhøj conheciam a fundo homens e mulheres mal humorados e finos, que em nome de Deus carregavam a prerrogativa de dirigi-los e tornar-lhes a vida menos festiva. Em seus mesmos olhares, nos trejeitos de suas expressões, vislumbrava-se aquilo que demarcava as diferenças de nível, o abismo que separava as pessoas. Aqui em cima estamos nós e, lá embaixo, estão vocês, meus pequenos. E ainda mais alto ondulava então Nosso Senhor, que vinha a ser deles, por se encontrarem mais próximos. Cedo aprendias a baixar o olhar e convencer-se da insignificância do que se era. O sentimento de inferioridade roía suas almas como os vermes as maçãs…» [Byens Lys, 1983]
«Não acontece na Dinamarca, não mais, agora. Talvez aconteça na América do Sul, na Sicília, em cidades portuárias da Grécia, no oriente, em Hong Kong, em Singapura, na ilha de Sumatra, em lugares assim, talvez aconteça até mesmo em Marselha e, naturalmente, em Tanger e Casablanca. Aqui e ali nos Estados Unidos poderá eventualmente acontecer, mas de resto: no mundo civilizado, a bem dizer, baniu-se.
Nas maiores das grandes cidades, onde tudo pode acontecer, lá sem dúvida acontece; do contrário, não. na Escandinávia jamais acontece, a não ser que pudesse acontecer em Estocolmo, mas na Dinamarca, não, na Dinamarca há muito superou-se esse tipo de acontecimento. E se, contra todas as probabilidades, ainda assim fosse o caso de indicar um lugar onde teoricamente pudesse vir a acontecer, naturalmente teria de ser em Copenhague (que é uma espécie, sabe-se, de grande cidade), em sua zona portuária, em Norrebro ou - mais provavelmente - em Vesterbro.» [Freud, Jung og de andre, 1978]
De Peter Poulsen (escritor dinamarquês nascido em Frederiksberg, 1940)
Tradução (para o português do Brasil) de Per Johns
||| Revista de blogs. Encadernações.
«Um rico negociante de Cincinnati mandou encadernar a Virgem Sentimental, de Stern, com a pele de uma negra; e com as das costas duma chinesa o livro Tristan Shandy, do mesmo autor.»
{Citação do Conde de Sabugosa, no Manos Metralhas}
||| Revista de blogs. Divertimento garantido.
«Hoje é Dia dos Namorados e o Dia Europeu da Disfunção Eréctil. Dia de ilusões desfeitas, portanto.»
{Martim Silva, no Mau Tempo no Canil}
||| Revista de blogs. Numa chancelaria.
«- Esta turba de fanáticos, imagine lá o doutor, já anda a matar gente em nome da crença religiosa...
- Vossa Excelência desculpe, mas não me revejo no conteúdo licencioso da sua declaração.»
{Pedro Correia, no Corta-Fitas.}
Aliás, sejam dadas as boas vindas ao Corta-fitas em geral: ao Pedro Correia, ao Duarte Galvão, ao Francisco Almeida Leite, à Luísa Naves e ao Albano Matos.
14 fevereiro, 2006
||| Que fazer?
A pergunta, caro Paulo, tem aquele simpático desvio leninista, e deve ser feita. Mas, salvo mais e melhores informações, vamos esperar pouco para que se demonstre a seriedade e a maravilhosa sensatez do governo. A menos que alguma insensatez maior venha ao de cima; ou seja: a menos que a indignação do ministro dos Estrangeiros deixe de ser, digamos, tão caricatural.
Mas há aqui uma vergonha histórica: a de o ministro dos Estrangeiros transigir (já lá vão umas horas largas desde a declaração do embaixador iraniano) com coisas desta natureza. O que deve Freitas do Amaral fazer?
||| Sensatez.
Há muito tempo que não via tanta gente blasfema a querer ser religiosa à força. O fascínio da ortodoxia (muitos ortodoxos com quem me cruzei apenas pediam para não os incomodarem), eu compreendo-o, como o fascínio pela sensatez; coisa de ser adulto finalmente (assumir as responsabilidades, engravatar-se, ser sóbrio, vê lá que agora estás nessa posição, esquece o teu riso de outros tempos), de apanhar a boleia da realpolitik. Mas não compreendo o fascínio pela genuflexão, que reescreve a história a partir do vazio. Como se não bastassem as declarações paródicas de Freitas do Amaral, é enternecedor ver a quantidade de gente compreensiva carregando o fardo do cruzado. Eu não fui cruzado nem precisei de ler Amin Maalouf para não ter sido cruzado. Não tenho desculpas a pedir. Não sou colectivo. Não tenho desculpas a pedir pelas várias estrofes de Os Lusíadas. Mas vê-se, vê-se bem com quem poderemos contar quando estiver em causa a nossa liberdade, a minha liberdade, a liberdade de alguém. Vê-se que depende bastante. Mas agora já sei onde estão, e tudo isto foi bom ter acontecido para perceber que alguns (como o ministro dos Estrangeiros) não mudam -- foram sempre inimigos da liberdade; e que outros mudam porque mudaram as suas várias dependências.
||| Diversão.
São Valentim é blasfemo.
||| Your taboo, not mine.
Ler o artigo de Andrew Sullivan na Time:
«And there is, of course, the other blasphemy. It occurred on Sept. 11, 2001, when fanatics murdered thousands of innocents in the name of Islam. Surely, nothing could be more blasphemous. So where were the Muslim boycotts of Saudi Arabia or Afghanistan after that horrifying event? Since 9/11 mosques have been bombed in Iraq by Islamic terrorists. Where was the rioting condemning attacks on the holiest of shrines? These double standards reveal something quite clear: this call for "sensitivity" is primarily a cover for intolerance of others and intimidation of free people. Yes, there's no reason to offend people of any faith arbitrarily. We owe all faiths respect. But the Danish cartoons were not arbitrarily offensive. They were designed to reveal Islamic intolerance--and they have now done so, in abundance. The West's principles are clear enough. Tolerance? Yes. Faith? Absolutely. Freedom of speech? Nonnegotiable.»
||| Relatório de ofensas à religião.
Vida de católico em Salvador, na Bahia.
||| Brasil.
Na festa de aniversário do PT, Lula lembrou «companheiros que ficaram pelo caminho». Não se ouviu mencionar o assassinado prefeito de Santo André, Celso Daniel.
||| Correntes.
Por exemplo, se um escritor torturou e matou em nome de um regime político, podemos recusar-nos a estar perto dele? Estou só a perguntar.
||| Questões cardíacas.
Objecto cardíaco é a nova editora de Valter Hugo Mãe, a funcionar em Vila do Conde.
||| Choque de civilizações. O verdadeiro, 2.
Comemoram-se este ano os 500 anos da descoberta do lugar (seis ilhas, de facto) pelo navegador português Tristão da Cunha, em pleno Atlântico Sul, à entrada da zona sub-antártica. Tem cerca de 300 habitantes. Também não tem aeroporto (mas tem jornal) e é um lugar conhecido dos biólogos como berço de albatrozes-errantes (Diomedea exulans). Pode visitar-se a partir de Santa Helena (sim, sim, Bonaparte). Nasce-se raramente, as mortes são notícia, tal como a chegada («arriving on schedule») dos barcos ou a vinda de turistas que vêm para observar pássaros durante as noites do arquipélago.
13 fevereiro, 2006
||| Choque de civilizações.
A não perder: a leitura de Huntington no Bloguítica. E as reacções e comentários que suscita.
||| Abuso de confiança.
Eu não ofendi ninguém. Se o Ministro dos Estrangeiros acha que ofendeu alguém no Médio Oriente, é problema dele. Eu não ofendi niguém. Mais uma vez, o ministro não pode falar em meu nome.
10 fevereiro, 2006
||| Portanto.
Texto do artigo do The New York Times:
«As leaders of the world's 57 Muslim nations gathered for a summit meeting in Mecca in December, issues like religious extremism dominated the official agenda. But much of the talk in the hallways was of a wholly different issue: Danish cartoons satirizing the Prophet Muhammad.»
«Los países islámicos coordinaron su repulsa a las viñetas de Mahoma en un encuentro en diciembre.»
Charlie Hebdo, Chirac. Aqui, a capa de Charlie Hebdo.
«Lo que pasó con Salman Rushdie fue una señal», Saramago acredita no choque de civilizações.
||| Le Canard Enchaîné: caricatuerie.
||| Liberdade.
Rui Bebiano e Tiago Barbosa Ribeiro colocaram na net um manifesto intitulado «Como uma Liberdade».
09 fevereiro, 2006
||| O absurdo.
Vitalino Canas entrou no reino do absurdo.
Adenda: comentário de Paulo Gorjão («São todos a mesma merda»).
Ainda sobre as declarações do ministro Freitas do Amaral, e para desmentir a ideia de que a sua opinião é idêntica à dos outros ministros da União, ver aqui a posição francesa.
||| Respeito & bom-senso.
Ouvi há pouco o Ministro Freitas do Amaral na SIC Notícias a tentar explicar melhor a sua reacção à questão dos cartoons. Continuei a não compreender. Como escrevi ontem e hoje repito, não está em causa a necessidade de o governo, através de um porta-voz, tentar apaziguar o ambiente de guerrilha. Continua a ser lamentável que o governo, mesmo que através de um porta-voz, não tenha manifestado a sua solidariedade à Dinamarca e a sua aversão às ameaças de morte, e outras formas de violência que foram agitadas nos últimos dias. Ao contrário do que pensa o comum dos disciplinadores da liberdade, os ocidentais não necessitam dos seus preciosos avisos para saber distinguir o Islão dos fundamentalistas islâmicos e da artilharia que lhes corresponde. Basta ver a reacção aos atentados de NY, de Madrid e de Londres para perceber que está clara essa separação e essa distinção. Tirando meia-dúzia identificada de trogloditas, ninguém de bom-senso fez essa associação. Leiam a imprensa da época.
Nunca precisei de mestres assim para compreender o Islão, para elogiar a sua importância e para ler os seus textos. Ninguém precisa de mestres assim para entender que há uma diferença; especialmente depois de, desde há quatro anos, se ter multiplicado a atenção ao Islão, à sua história e à sua importância.
O que incomoda, verdadeiramente, é a tentação da liçãozinha de moral, o apelo patético a que «ajoelhem, ajoelhem» ou a sugestão, como diz uma leitora nos comentários a este post, de estarmos todos caladinhos (que isso é o melhor, caladinhos -- respeitinho é que é preciso). Já escrevi, antes, que não interessa agora discutir questões de deontologia geral sobre a publicação ou não dos cartoons («eu não os publicaria por princípio, mas, se está em causa a liberdade de expressão, eu publicá-los-ia, sim, para que não julguem que podem demolir a minha liberdade como demoliram os Budas de Bamiyan»). O que está em causa é o ar patético do comunicado do MNE, que não se referiu à Dinamarca (preferindo deter-se a classificar de «lamentável» o que se passou «em alguns países europeus»), e o ar de patetas de algumas boas consciências que agora descobriram a «seriedade do jornalismo» e a necessidade de «bom-senso» e de «bom-gosto» quando se referem outras culturas e outras religiões. O discurso sobre religião está inquinado -- quer pelo espírito de cruzada, quer pelo proselitismo, quer pela confusão permanente entre o ruído de Deus e o barulho das suas multidões. Não entrarei nele. Mas o discurso sobre a liberdade ameaça estar também inquinado com essa patetice de dizer que «a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros»; claro que acaba nesse ponto; claro que a minha liberdade não pode pôr em causa a liberdade dos outros; claro que isso é uma banalidade. Claro que ninguém esteve na manifestação a defender que a nossa liberdade é mais importante do que a liberdade dos outros, ou que a nossa civilização é mais importante do que a dos outros.
Mas é confrangedor o medo que marca o debate, o medo que se confunde com respeito, o medo que entrou nas nossas discussões e na nossa pobre agenda política. Esta ideia de pedir desculpa é profundamente errada; hoje pede-se desculpa por causa de uns cartoons inocentes e naïves, amanhã pede-se desculpa por sermos contra a excisão feminina em países onde ela se pratica (porque estamos a ferir susceptibilidades culturais), por sermos pelo fim da discriminação das mulheres, por sermos pelo fim da discriminação de homossexuais e de asiáticos ou de pretos ou de brancos ou de leitores de Mark Twain ou de utilizadores de Macintosh.
Por isso continuo a não perceber o comunicado do MNE nem a reacção dos que acham que devíamos estar caladinhos e quietos enquanto em Londres pedem outro atentado e em Damasco pedem a morte dos infiéis. Porque o petróleo comanda as nossas vidas? Porque nos podem pôr uma bomba no aeroporto?
O senhor Ministro dos Estrangeiros diz que o Conselho da Europa e a União vão promover jornadas para «nos percebermos melhor», nós e os «do lado de lá». A formulação é errada, mas serve para o essencial. Eu acho que sim, que precisamos de ser entendidos; eu acho que o ministro Freitas do Amaral precisa de saber que «nós», nós, os que gostamos da liberdade, não erguemos nem o crucifixo nem a espada, nem o alfange, nem a palavra, para pedir o silêncio dos outros ou o seu sacrifício. Não queremos uma lei de esferovite para punir a falta de respeitinho. Não queremos ajoelhar para pedir desculpa pelo nosso riso, ou pelo nosso laicismo na política -- porque isso é uma conquista feita por gerações de homens dignos e ilustres e cultos e decentes.
Nós, os que não precisámos do 11 de Setembro para ler os autores do Islão e para sentir o fascínio pelo Islão (porque até isso nos querem tirar com as leis com que, de Bruxelas, nos ameaçam agora, para punir a blasfémia e o silêncio sobre as religiões), e para ler Al’Mutamid, nós conhecemos o respeito pelas outras religiões e até pela nossa, quando vem ao caso termos uma ou sentirmo-nos ligados a uma. Nós, os que nunca fomos os snobs do Ocidente e nos limitámos a ser ocidentais, não precisamos que nos ensinem a distinguir entre o «fundamentalismo islâmico» e o Islão e até os seus mestres. Mas nunca nos negámos a discutir, a pensar e, até, a guardar silêncio. E guardaremos silêncio, se for preciso. Mas nunca esperámos que um de nós agitasse o dedinho a ofender-nos e a chamar-nos irresponsáveis quando está em causa aquilo que nos permitiu, na verdade, que pudéssemos interessar-nos pelo Islão, pela cultura árabe, pelo Oriente, pelo deserto, pelas cidades de areia. Ou seja, a liberdade. Foi a liberdade que nos permitiu ler os primeiros textos de poesia árabe, interpretar as Cruzadas, discutir a «superioridade moral» da cultura ocidental e, até, no meu caso, ter entrado pela primeira vez numa mesquita. Nós fazemos um favor a Bin Laden, como disse Freitas do Amaral hoje? O remédio é não falar? O remédio, do ponto do vista de tantas pessoas que agora se descobriram sérias & respeitadoras & deontologicamente puras, é confundir tudo («deriva xenófoba», «ofensa religiosa», «licenciosidade», «estratégia para não melindrar os moderados», «respeito pela subjectividade», etc, etc) para que nada tenha sentido e para que os burocratas de Bruxelas (esses grandes especialistas em diálogo civilizacional que impõem subsídios europeus) elaborem uma lei anti-blasfémia? Belo serviço.
Porque essa meia-civilização, rendida às ameaças, ajoelhada diante de pressões, não nos serve para nada, de facto. É boa para censores e para mestres de deontologia pura, para autocratas de bairro e para administradores de consciência. Mas não é boa para quem sabe que não se pode voltar atrás.
Ajoelhem, ajoelhem. Comecem a ajoelhar por tudo e por nada.
||| Esta semana.
No Livro Aberto, João Pedro George. No sábado e depois com repetições.
||| Ofensas.
Artigo de hoje no JN.
No DN, ler o artigo de Luciano Amaral. No Público, o texto de José Pacheco Pereira.
08 fevereiro, 2006
||| Solidariedade com a Dinamarca.
Na próxima 5ª feira, 9 de Fevereiro, pelas 15 horas, um grupo de cidadãos portugueses irá manifestar a sua solidariedade para com os cidadãos dinamarqueses (cartoonistas e não-cartoonistas), na Embaixada da Dinamarca, na Rua Castilho nº 14, em Lisboa. Convidamos desde já todos os concidadãos a participarem neste acto cívico em nome de uma pedra basilar da nossa existência: a liberdade de expressão.
Não nos move ódio ou ressentimento contra nenhuma religião ou causa. Mas não podemos aceitar que o medo domine a agenda do século XXI. Cidadãos livres, de um país livre que integra uma comunidade de Estados livres chamada União Europeia, publicaram num jornal privado desenhos cómicos.
Não discutimos o direito de alguém a considerar esses desenhos de mau gosto. Não discutimos o direito de alguém a sentir-se ofendido. Mas consideramos inaceitável que um suposto ofendido se permita ameaçar, agredir e atentar contra a integridade física e o bom nome de quem apenas o ofendeu com palavras e desenhos num meio de comunicação livre.
Não esqueçamos que a sátira – os romanos diziam mesmo "Satura quidem tota nostra est" – é um género particularmente querido a mais de dois milénios de cultura europeia, e que todas as ditaduras começam sempre por censurar os livros "de gosto duvidoso", "má moral", "blasfemos", "ofensivos à moral e aos bons costumes".
Apelamos ainda ao governo da república portuguesa para que se solidarize com um país europeu que partilha connosco um projecto de união que, a par do progresso económico, pretende assegurar aos seus membros, Estados e Cidadãos, a liberdade de expressão e os valores democráticos a que sentimos ter direito.
(Ideia de Manuel João Ramos, Luísa Jacobetty e Rui Zink)
07 fevereiro, 2006
||| Sim, eu explico outra vez.
Como há umas dúvidas, vou tentar não ultrapassar cinco ou seis linhas: o Ministro dos Estrangeiros não tem que fazer doutrina sobre liberdade ou sobre religião; devia ter-se limitado a considerar que, em seu entender, tudo isto é uma pena; mesmo assim, eu acho que se trata de um mero comunicado para agradar ao fundamentalismo e aos conservadores em geral, pura «diplomacia económica». Caso contrário, trata-se de um sinal perigoso sobre o que entende o governo acerca da liberdade dos seus concidadãos. E, se o Ministro pensa de facto aquilo, então está a mais.
||| Cautela, respeitinho.
Já descobri quem vai ser reabilitado depois desta mini-guerra «religiosa» em que tanta gente se dispôs a acatar a exigência de cautela e de respeitinho: Sousa Lara.
No Bloco de Esquerda vai proceder-se à limpeza do sótão por causa de imagens anteriores sobre a igreja católica, claramente ofensivas. Vai tudo entrar nos eixos.
||| Obrigado, Alexandre. Obrigado, Pedro.
Alexandre Soares Silva lembra Camões a propósito da história dos cartoons. Obrigado, Alexandre. Todos nós nos esquecemos.
Pedro Mexia lembra algumas questões sobre a liberdade e a sensatez.
||| Outra coisa, ainda.
O governo, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, reagiu como se esperava à questão dos cartoons. Diplomacia é diplomacia,negócios são negócios, nada de especial a registar acerca desta posição, certamente concertada com a União. Salvo aquilo que nos diz respeito como cidadãos portugueses interessados em saber o que pensa o seu governo independentemente da política real e do mundo dos negócios.
A saber: o governo acha que os cartoons ofendem os povos muçulmanos e que a liberdade de os ter publicado (de que o governo discorda) está no domínio da «licenciosidade»; o governo também acha que a publicação dos cartoons fomenta «a guerra de religiões»; além disso, o governo acha que «o que se passou recentemente em alguns países europeus» é «lamentável». De onde se conclui que, para efeitos diplomáticos e para pôr água na fervura internacional, o senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros se permite avisar os seus concidadãos sobre o que pensa, de facto, acerca do respeito pela liberdade e da legitimidade para queimar bandeiras de um país membro da União. O comunicado do MNE poderia ter sido mais lacónico, menos consentâneo com a tradição inquisitorial e igualmente sereno no modo como salva a face da diplomacia da União e dos interesses portugueses. Manter-se nessa posição e nessa área era sinal de contenção, de serenidade, de correcção diplomática e de bom-senso, além de não ofender os seus concidadãos. Mas não. O senhor Ministro faz doutrina (e da que é muito discutível), o que é manifestamente dispensável e um exagero desnecessário, embora lhe seja permitido ceder quantas vezes quiser às pressões e à tentação de disciplinar a imprensa. Não comentando a reacção inusitada e a manipulação da violência e dos incêndios das embaixadas, o Senhor Ministro mostrou aos seus concidadãos (apesar de o comunicado ser para estrangeiros) aquilo com que podem contar.
P.S. - Evidentemente que a posição de Freitas do Amaral só pode ser entendida neste contexto diplomático, tentando apaziguar «o perigo». Caso contrário, trata-se de um indício muito perigoso a que devíamos estar mais atentos.
||| O cantinho do hooligan.
Há muito tempo que não me irritava tanto um jogo de futebol. Não por causa do penalty duvidosamente assinalado. Mais por ver Diego no banco enquanto entra Bruno Alves. Mas, sobretudo porque bola na trave é, na verdade, bola mal chutada.
||| Chuteiras limpas.
Um verdadeiro gentleman é assim: Costinha quer chuteiras limpas.
||| De facto.
O ataque ao coração do sistema.
||| Uma nota pequena, 2.
O Eduardo Pitta pergunta: «Afinal, acreditamos ou não acreditamos no direito à liberdade de expressão?» Era essa a pergunta que eu tinha feito. Vamos lá: o que é que está em causa? Uma série de cartoons. Os cartoons têm qualidade? Não me interessa saber. Os jornais ingleses e americanos publicaram os cartoons? Tanto me faz; eu não os publicaria por princípio, mas, se está em causa a liberdade de expressão, eu publicá-los-ia, sim, para que não julguem que podem demolir a minha liberdade (e a dos outros) como demoliram os Budas de Bamiyan. Os cartoons são ofensivos? Não me parece, acho-os um tanto naïves; mas se alguém acha que são ofensivos, que o diga. Isto trará prejuízos à economia dinamarquesa e, por arrastamento, europeia? Sim; é talvez a altura de a economia política europeia declarar, com simplicidade, que está dependente do petróleo, como a administração americana já o fez (com o Vaticano atrás, que aproveita a boleia do Islão para se queixar de alguns atrevimentos de que tem sido alvo) , aliás, tendo vindo a condenar os cartoons, de rabinho entre as pernas e dedo moralizador espetado. Mas, afinal, entre nós, que somos irresponsáveis (é assim que José Sócrates e os bispos nos vêem), «acreditamos ou não acreditamos no direito à liberdade de expressão?» Era essa a pergunta que eu fiz; é essa a pergunta que tu fazes. É essa a pergunta que o Osvaldo Silvestre faz; é essa a pergunta que o Gustavo Rubim deixa no seu texto. É isto insensato, como sugere e afirma (são tempos diferentes) o Osvaldo Silvestre? É. Devemos deixar de o dizer? Não.
O Osvaldo Silvestre chama a atenção para um texto de M. Yiossuf Adamgy, publicado no Público («A liberdade de expressão deve ter limites»). O director da Al-Furqan, defendeu, há dois anos, na Antena Um, a aplicação da lei islâmica e a lapidação de Amina. É ele que aparece neste momento a dizer que «a liberdade de expressão deve ter limites». Tudo muito parecido com este cartoon. Não há maior insensatez (uso a palavra no seu sentido estratégico) do que ceder neste capítulo: no da dignidade.
Outra coisa: é evidente que não há muita gente «entre nós» (os irresponsáveis) a querer fazer cartoons com a vida sexual da rainha da Dinamarca. Chama-se bom-senso. Mas se queres coleccionar a quantidade de cartoons publicados na imprensa árabe e ocidental que facilmente poderia ser considerada «ofensiva», eu peço meças.
06 fevereiro, 2006
||| Rir com moderação. E respeitinho.
Abel Barros Baptista (ah, insensato!), em cavaqueira no Casmurro, propõe um novo lema:
«Seja responsável, ria com moderação.»
||| Uma nota pequena.
Caro Eduardo: se a imprensa publicasse fosse o que fosse sobre as actividades sexuais da rainha da Dinamarca (e não era preciso invocar o Kama Sutra), não se debatia a questão da liberdade de expressão. Era uma coisa que se resolvia nos tribunais. Quando o Eng.º Abecasis marchou contra o filme de Godard, era a liberdade de expressão que estava em causa ou tratava-se de punir «o laissez-faire do lado de cá»?
||| Guerra.
«I am for the absolute freedom of speech everywhere, and that’s why I call upon every free sole among Arabs to use the Danish flag as a substitute for toilet paper. To illustrate every wall with graffiti making fun of everything Europe holds as holy: dancing rabbis on the carcasses of Palestinian children, hoax gas-chambers built in Hollywood in 1946 with Steven Spielberg’s approval stamp, and Aids spreading fagots. Let us defend the absolute freedom of speech altogether, wouldn’t that be a noble cause?»
«Muslims and others in Europe can not say everything they often want to say and they risk being arrested and prosecuted if they do. Muslims and other religious people can not express their disgust from homosexuality and clearly state that they believe it’s a sickness and a deviation without being persecuted for being homophobic.»
||| Por causa da ofensa.
«Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros e os leitores é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação do amante rejeitado.» Paulo Francis
Citado pelo Almocreve das Petas.
||| Liberdade de expressão, 5.
Há, evidentemente, uma resposta diplomática ao problema dos cartoons. E há, com uma ponderação sinistra, o debate deontológico (valia a pena publicar os cartoons?, os cartoons são maus?, os cartoons são bons?, há uma responsabilidade da imprensa no «uso da liberdade»?). E há outro debate em que as coisas não estão a ser ditas com clareza: o mundo em que a liberdade era um valor essencial está a chegar ao fim? Há por aí muitos apelos ao sacrifício em nome da ortodoxia religiosa, da conveniência do petróleo e da política real, dos negócios dinamarqueses, da equivalência moral, do direito à indignação muçulmana, da intocabilidade dos novos e dos velhos párias. Mas sobretudo, mesmo sem falar dos cartoons (que são uma merda, sim, mas que cuja taxa ofensiva é mínima), um apelo ao respeitinho. Ao respeitinho e ao controle. À vigilância, à punição e à censura do delito de opinião, à «contenção verbal e discursiva». Outros valores estão em causa: «Não nos incomodem com essa treta da liberdade.»
Não sei se estão a ver. O presidente Sampaio apelou claramente à denúncia, à delação e à espionagem sobre os cidadãos em nome do Fisco e ninguém protestou contra a inversão do ónus da prova. Vasco Pulido Valente dizia que não tinha visto um único sinal de desagrado acerca do «cartão de cidadão» que o governo quer impor (por acaso, que me lembre, fui um dos que escrevi contra a ideia) e de que, há tempos, ouvi José Lello (na TSF) tecer elogios ditirâmbicos como uma das grandes contribuições de Portugal para a modernidade. O primeiro-ministro afirma, ao Expresso, que a liberdade, no fim de contas, é prejudicial ao género humano, no que é seguido por bispos e outros pensadores delicados que se perguntam sobre se valeu a pena publicar os cartoons tendo em conta as consequências no mundo islâmico. Uma série de pessoas, para evitar falar do tema, lembra casos de censura cometidos «no Ocidente» contra os quais todos protestámos -- para que não se moleste agora a tranquilidade de Finsbury Park. Em Inglaterra, o sistema de saúde pode enviar funcionários a casa, para verificar se as pessoas estão a fumar. As escutas telefónicas são o lamaçal que se sabe e parece que não são apenas as «figuras públicas» que estão no alvo. Pouca gente se perguntou sobre o que custará, à nossa liberdade, o vasto número de acordos assinados com a Microsoft por parte do Estado português.
Estranhos sinais no ar. Há muita gente a pedir respeitinho; e agora não é só na humidade das sacristias ou dos gabinetes: é nos «fóruns» das rádios, nas «cartas dos leitores» e outras vigílias cívicas. O respeitinho, primeiro. Depois, o catálogo de pecados, de violações da decência e a lista das más companhias. Depois, vigorará apenas um sistema informático. Virá então a proibição de fumar, de beber e de escrever sobre religião. Uma comissão parlamentar há-de criar uma gramática do «politicamente permitido» para que nenhuma palavra ofenda o respeitinho das corporações ideológicas, profissionais e clericais. Vigiarão as anedotas e o riso. Tudo em nome dos valores. Estamos lixados com estes valores, estamos.
05 fevereiro, 2006
||| Questões gerais.
Continuo a achar estranho tudo isto.
||| Agenda.
O domingo começou com um jogo de básquete, entre o Belenenses e a Simecq, às nove da manhã. Iniciados. Verdadeira luta de classes: os miúdos da Sociedade de Instrução Musical e Educativa da Cruz Quebrada, alguns com all stars, nada de nikes limpinhas, brilharam em grande. Eu, por obrigação, estava do outro lado da barricada.
||| Liberdade de expressão, 4.
Vasco Pulido Valente, no Espectro.
||| Liberdade de expressão, 3.
«Garcia de Orta e Pedro Nunes, que andaram pelo Oriente com olhos abertos, fazendo o mundo novo. O nosso António José da Silva, o Judeu, ou o italiano Giordano Bruno, ambos queimados em autos-de-fé. Eça de Queiroz indo à Terra Santa e trazendo de lá uma anedota. Bertrand Russel e Woody Allen, pensando ou sorrindo. Esses, crentes ou descrentes, mas todos contribuindo para o mundo que é o meu, onde a religião é um assunto que habita o coração e a inteligência e não os joelhos ou o cu para o ar – aceitando embora que outros a vivam nos joelhos ou de cu para o ar. A minha terra é essa ou não é. Nada me interessa, nem este emprego que me faz viver, se eu não puder dizer que eu, eu, não peço desculpa por um jornal dinamarquês ter publicado desenhos de Maomé.»
Ferreira Fernandes, no Correio da Manhã.
«A baby girl even had “I Love al-Qaeda” on her bonnet. The parents of pretty Farisa Jihad, 20 months, proudly proclaimed she is the youngest member of the terror group. She was brought to the protest by her father Abu, 38. Next to her was a huge poster exclaiming: “Whoever insults a prophet, kill him.” Another placard nearby said: “Britain you will pay — 7/7 is on its way.”» Aqui.
||| Tudo isto é muito estranho.
«Administração americana diz compreender por que razão os "muçulmanos acham estas imagens ofensivas".»
||| Imagens. («O Islão proíbe qualquer representação, inclusive favorável, do profeta.»)
Maomé na Kaaba. Jami Al-Tawarikh (The Universal History, de Rashid Al-Din), manuscrito da Biblioteca da universidade de Edimburgo; ilustração de Tabriz, na Pérsia, c. 1315. Outras imagens podem ser vistas aqui.
Maomé viajando de noite. Ilustração de 1514, Bukhara, Uzebequistão.
||| Liberdade de expressão, 2.
«Este viernes, día de oración musulmana, cientos de musulmanes se manifestaron por el centro de Londres y algunos exaltados pidieron nuevas matanzas como las del 7 de julio pasado, cuando 52 personas murieron en Londres en los atentados contra la red de transporte público. Los manifestantes, que corearon himnos religiosos en árabe, portaban pancartas en las que podía leerse "Decapitad a aquellos que insulten al profeta" y "Que la libertad de expresión se vaya al infierno".»
«"The only way this will be resolved, is if those who are responsible are turned over so they can be punished by Islamic law, so that they can be executed"»
||| O cantinho do hooligan.
Castelo de Leiria; uma singela homenagem acerca deste sábado à noite. Qualquer palavra estará a mais.
||| Alta-fidelidade.
Billy Shears regressou às postagens em alta-fidelidade. Belíssimos posts sobre música antiga. E sobre o pop que há em todos nós.
||| Albergue.
O Rui é do Porto; o meu compadre Duarte Moral é de Lisboa. Juntaram-se a meio caminho, no Albergue Espanhol, para comentários e divertimentos, mesmo quando estão de ressaca.
03 fevereiro, 2006
||| Eu leio o Jyllands-Posten.
«Não, não vou debater o multiculturalismo. Só a natureza da nossa natureza me interessa. Mas o debate, de facto, devia ser lançado; não sobre o multiculturalismo mas sobre a tolerância. É um mundo difícil, obtuso, complicado, histérico muitas vezes. Mas é o nosso mundo e devemos defendê-lo. Não temos outro. Nascemos nele e uma das suas marcas chama-se, precisamente, "tolerância".» Crónica no JN de ontem.
02 fevereiro, 2006
||| Assis.
O Fernando Assis Pacheco (Coimbra, 1/2/1937 – Lisboa, 30/11/1995) fazia anos ontem. Nasceu em Coimbra e morreu em Lisboa, à porta da Buchholz.
Eu vi a morte
de noite. névoa branca.
entre os frascos do soro
rondar a minha cama
era um trasgo
e como tal metera-se
pelas frinchas; noutra versão
coando-se através
dos nós da madeira
ou noutra ainda
imitando à perfeição
o gorgolejar da água
nos ralos: eu tremia
covardemente enquanto
ela raspava a parede
com unhas muito lentas
eu vi? ouvi a morte?
com toda a probabilidade
e por instantes
era ela. luz negra.
tentando cegar-me
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Meu Deus como eu sou paraliterário
à quinta-feira véspera do jornal
nadando em papel como num aquário
ejectando a minha bolha pontual
de prosa tirada do receituário
onde aprendi o cozido nacional
do boçal fingido o lapidário
- fora algum deslize gramatical-
receio que me chamem extraordinário
quando esta é uma prática trivial
roçando mesmo o parasitário
meu Deus dá-me a tua ajuda semanal
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Um cu que se desvela em Agosto em Ourense
redondo para olhar um cu magnificente
um cu como um bisonte
o teu cu Maruxa adivinhado num restaurante
eu rimo tanto cu que trago na memória
o teu fará por certo mais história
é um cu para a glória é nena impante
rodando na cadeira el’ deixa-nos suspensos
quase presos Maruxa pelos beiços
lembra-me nédio raxo assim forte de febra
lêveda e alva nas Burgas cozinhando
se de soslaio agora se requebra
é como canta Maruxa! igual que um pássaro
ao qual neste mesón péssoro vénia
teu ouriflâmio cu me faz insónia
01 fevereiro, 2006
||| Os melhores blogs às vezes deviam ser assim.
Procurá-los em Travelling Journal.
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