31 março, 2006

||| O maradona mudou.
O maradona e a Causa «mudaram»: agora também estão aqui. A reportagem sobre a festa da FHM já está lá. Cheira-me a roubo descarado («Um blogue de serviço público para as gerações futuras à revelia do maradona»), mas enfim.

30 março, 2006

||| Por falar nisso.













Hoje, quinta-feira, na Casa Fernando Pessoa, debate sobre a crítica & os amigos, moderado por Carlos Vaz Marques. Com Abel Barros Baptista, João Pedro George e Eduardo Pitta -- mas vai estar lá muito mais gente. Antes disso, Manuel Valente, editor, fala dos livros que gostaria de ter roubado aos outros editores; e Rodrigo Guedes de Carvalho lerá alguns trechos do seu novo livro. É às 21h30.

||| Interrupção no O Cantinho do Hooligan.










Paulo: tu tá doido, homem? Motivos racionais? Li o teu post há uma hora e ainda não parei de rir, amigavelmente. Motivos racionais para apoiar o Benfica? Paulo: tu nem sabes do que um hooligan é capaz depois de a nossa equipa ter falhado queles golos...

||| Revista de blogs. Providência cautelar à vista.
«Depois de José Rodrigues dos Santos recolher os louros da sua obra-prima Codex 632, o governo tenta a sua sorte e lança a genial sequela Simplex 333
{Helena, no Tristes Tópicos}

||| Revista de blogs. Dieta mediterrânica.
«Os melhores rapazes são alimentícios. Pão e pêssego são fórmulas de sucesso. Evitem-se os pudins.»
{Susana Bês, no Lida Insana}

||| O Estado, 2.
Vai uma grande animação nos comentários ao post do Francisco Mendes Silva sobre o assunto logo aqui abaixo. Mas a pergunta fica feita: «A decisão do tribunal arbitral declara que há vítimas?»

29 março, 2006

||| O Estado.
A punição ao Estado devia ser assinalada, de facto. Se há alguém que tem responsabilidade, já provada no âmbito processo da Casa Pia, é o Estado. O que levanta um problema, não é? A decisão do tribunal arbitral declara que há vítimas.

||| É hoje, Reverte.













Arturo Pérez-Reverte
na Casa Fernando Pessoa, às 18h30. [Campo de Ourique, Rua Coelho da Rocha, 16]

||| Revista de blogs. Atenção às zonas erógenas.
«Muitas mulheres compensam a falta de orgasmo com o patético fetiche de dizer que, se tivessem um desses tais orgasmos, ele seria múltiplo. Gabam-se de sua complexidade porque não a conhecem. Ninguém se gaba daquilo que sabe. O único idiota que se orgulha de ter o Discurso do Método na estante é aquele que nunca leu o Discurso do Método. [...] O socialismo e a democracia, no sexo, não funcionam. Se todos governam, ninguém governa. Se toda zona é zona erógena, não há zona erógena e a mulher teria um orgasmo ao pentear o cabelo.»
{Sesti, no Manobra 1979}

||| Revista de blogs. Problemas com as pessoas.
«O problema com pessoas preconceituosas é que elas não têm um bom dicionário.»
{Nico Hideyo, no Million Dollar Kiss}

||| Endogamia. [Actualizado.]
«A endogamia é o processo que conduz à contratação preferencial de docentes residentes na universidade contratante. Para assegurar a endogamia usam-se, frequentemente, duas de três estratégias. Primeiro, perfila-se o concurso de acordo com o currículo do candidato previamente escolhido. Segundo, abre-se o concurso divulgando-o o menos possível. Terceiro, preparam-se, cuidadosamente, armadilhas administrativas que permitam desqualificar os candidatos indesejáveis, ou seja, os que por mérito próprio teriam a possibilidade de destronar o candidato da casa numa avaliação curricular independente.» Este é o princípio de um texto de Miguel Araújo, publicado no Ciência Hoje. Vale a pena ler todo. Araújo é professor Associado na Universidade de Copenhaga e Senior Research Associate em Oxford.

Adenda: O André propõe a leitura de outro texto interessante, de Orlando Lourenço, da FC da UL. Eu recomendo também que se visite o Fórum Ciência em Portugal.

||| Brasil. Radiolula não falava verdade(*).
Não referi ontem a demissão esperada de Antônio Palocci, o Ministro da Fazenda de Lula; não foi consumido no mensalão, acabou devorado pelo grupo de que fazia parte na célebre casinha de Brasília. Lula voltou a não saber de nada e a irritar-se com os ataques ao companheiro. Aliás, Lula pode ainda ser envolvido no mensalão, apesar dos truques usados no Planalto.
Entretanto, Palocci está nos braços do seu mensalão particular, o de Ribeirão Preto, onde foi prefeito e onde é acusado «pelos crimes de formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica e corrupção passiva». Além disso, o ex-ministro é referido como «integrante da suposta quadrilha que fraudava documentos para desviar cerca de R$ 400 mil mensais» que, além de ajudar nas contas pessoais, também eram destinados a financiar o PT.
Entretanto fica provada a instrumentalização política da Caixa Económica Federal para a colocar ao serviço do PT e de Palocci, ao violar o sigilo bancário da «testemunha Nildo».

(*) - Já ouviram falar de «Rádio Moscovo não Fala Verdade», uma operação de propaganda do regime de Salazar, na vetusta Emissora Nacional? Por outro lado, às vezes apetecia-me chamar a estes posts «a Veja mentiu»; sempre que uma notícia se acrescentava ao rol de escândalos do Brasil de Lula, os evangelizadores apareciam corrigindo: «A notícia veio na Veja? Ah, então não é verdade.» Em Portugal isso pegou. Na altura eu estava no Brasil a acompanhar a política local -- e até agora não há uma única notícia da Veja, sobre o mensalão e outros aspectos do lulismo, que tenha sido desmentida com factos.

27 março, 2006

||| Feridas fatais.
Completamente de acordo. Um dia voltaremos a isto.

25 março, 2006

||| Revista de blogs. Leituras antes que venha a mudança da hora.

«Tinham uma relação perfeita. Ele gostava de mulheres e ela também.»
{No Tristes Tópicos}

«Como já vi as cinco séries dos
Sopranos, a única série que vou seguindo com genuíno interesse é o campeonato regional de dominó, com o mafioso Lar de Idosos da Parede a dar baile aos casais do Clube Recreativo "O Ajudense", o mais empolgante que se tem visto desde aquele mítico jogo em que o sr. Casimiro encostou os adversários com dezassete pontos e duas dobras em apenas cinco jogadas.»
{No Tristes Tópicos}

«Estivemos meses a brincar ao telefone estragado. Eu escrevia Queres vir ter comigo? e tu lias Senti a tua falta. Se querias saber Como estás?, eu percebia Só quero estar contigo. Quando respondi Estou apaixonada, tu perguntaste Por quem?»
{No Figuras de Estilo}

«Os portugueses apreciam amores de arquivo.»
{No Sem Pénis nem Inveja}

«Procura-se. Dono de casa minucioso ou esposa funcional. Oferece-se retribuição compatível.»
{No Lida Insana}

«Questões verdadeiramente fracturantes: o cavalheirismo sabe bem, mas não é uma boa ideia.»
{No Quatro Caminhos}

«Os homens casados (com outras, claro!) vêm com um chip de enconanço perene incorporado no cérebro.»
{No Sociedade Anónima}

«Algumas vezes as paixões recuam, ou dormem, ou um ser noctâmbulo rouba-lhes a alma.»
{No Caderno Lilás}

||| Poetas dizem versos.













Quem não pôde estar na Casa Fernando Pessoa na passada terça-feira, 21 de Março (Dia Mundial da Poesia) para ouvir Adília Lopes, Ana Hatherly, António Osório, Bernardo Pinto de Almeida, Fernando Pinto do Amaral, Gastão Cruz, Maria do Rosário Pedreira, Nuno Júdice, Pedro Mexia e Pedro Tamen, tem a oportunidade de os ouvir pela rádio, nas próximas duas semanas, pela Antena Um: na noite de quarta para quinta-feira (à meia-noite) e ao sábado às 14h05. Também nos próximos dois domingos na Antena Dois (ao meio-dia).

||| Imigrantes.
Queria escrever sobre o assunto outro dia, a propósito da rusga efectuada no restaurante do Jardim Zoológico durante a qual foram detidos imigrantes ilegais brasileiros (que mereceu uma crónica do Ferreira Fernandes no Correio da Manhã, e uma nota do João Miguel Tavares no Diário de Notícias). À luz da lei, nada a fazer; trata-se de imigrantes ilegais, e alguns deles já tinham recebido ordem de saída do país. Evidentemente que há outras questões implicadas no assunto. Em primeiro lugar, o espaço onde decorreu a rusga, um restaurante onde brasileiros costumam ir; em segundo lugar, como apurei, o cruzamento de denúncias (por parte de portugueses que não gostam de brasileiros nem do barulho que faziam no restaurante, de um lado; por parte de negociantes de imigração, por vingança). Evidentemente que o gesto é deselegante, mas puramente legal. Ir a uma festa de brasileiros e apanhar brasileiros é canja -- mas a polícia podia ir aos lugares onde eles trabalham e onde os seus empregadores lucram com o negócio.
Agora, o que eu queria dizer é isto: não vejo razão para que, num processo rápido, com documentos claros e com boa-fé (naturalmente, a análise do registo criminal e de outros papéis constantes do processo actualmente em vigor), não se legalizem todos os imigrantes residentes em Portugal, que provem estar a trabalhar e em condições de trabalhar e que, por consequência, aceitem as leis portuguesas. Depois desse processo decorrer é mais fácil e mais justo aplicar as leis de controle à entrada de estrangeiros imigrantes e falar de legitimidade para esse controle. Uma das razões: regularizaria a vida de milhares (muitos milhares) de cidadãos estrangeiros que estão a trabalhar em condições precárias e facilitaria em muito o trabalho do aparelho fiscal (além das contas da segurança social, creio eu).
Por outras razões, defendo a concessão de cidadania portuguesa a filhos (nascidos em Portugal) desses imigrantes agora legalizados. Não só porque Portugal precisa de mão-de-obra, como se diz sem pensar bem no assunto; mas também porque Portugal precisa de estrangeiros para crescer e melhorar. Não é apenas de choque tecnológico que precisamos; fazem-nos falta mais cor, mais choque cultural, mais contribuição dos outros para podermos melhorar um país que vai ficando muito cinzentinho.

||| Serendipity.




















Livro-me do Desassossego, de Onésimo Teotónio de Almeida (edição Temas e Debates), com apresentação na segunda-feira, 27, na Casa Fernando Pessoa, às 18h30. Diz o Onésimo, a abrir, que «a crónica é um ensaio em mangas de camisa». Conhecendo-o, e à sua fama também, acho que a sessão vai ser divertida e longa.

||| Em cima da mesa.













O Papel e o Pixel. Do Impresso ao Digital, de José Afonso Furtado, foi publicado no Brasil pela Escritório do Livro.

24 março, 2006

||| Steiner, o regresso.







Sai para a semana este livro com as quatro entrevistas de Georges Steiner a Ramin Jahanbegloo. Edição da Fenda.

||| Revista de blogs. Questões de fé.

«(A minha biblioteca reflecte também a minha vida sentimental, que dolosamente não digo amorosa – coisa feia, essa, de repetir o possessivo na mesma frase. Sobre a materialização dos afectos, ocorre-me apenas um critério seguro: não acredito num homem que não me leve a comprar livros.)» {Inês, no Educação Sentimental}

«A Inês não acredita num homem que não a leve a comprar livros. Eu, bem mais prosaica como é meu apanágio, não acredito num homem que não me leve a jantar fora. É que eu não sei cozinhar.» {Sara, no Vidro Duplo}

«Juntando-me ao clube, eu não acredito num homem que não goste de carne.» {Vasco, no Memória Inventada}

||| Contratempos.
Tiago Barbosa Ribeiro faz pensar em X, Y e Z a propósito da França e do CPE.

23 março, 2006

||| Uma explicação desnecessária mas que mesmo assim vale a pena.





Uma série de comentários e de mails alertam-me para o carácter amoral, imoral e vergonhoso dos posts deste blog intitulados «O Cantinho do Hooligan». Eu sei. Sei que são amorais, sei que são imorais e que a maior parte deles, não sendo vergonhosa, me devia fazer corar de vergonha caso se tratasse de uma coisa séria. Mas não. É futebol. Não lhes retiro uma linha, uma vírgula ou um pigmento de desvergonha. Sou um hooligan. Interesso-me vagamente pelo 4x4x2 e não posso dizer que pelo 4x3x3 tenha uma paixão de vários anos; o 3x3x4, esse, deixa-me a pingar de comoção, mas só porque serve para contrariar. Rio-me depois de escrever isto. Conheço os alas, o papel do trinco, a beleza do jogo tirado a régua e esquadro, mas nada me deixa mais comovido do que uma jogada bem feita, se for da minha equipa. Também ouvi um cavalheiro que passa por ser o Rui Santos perorar durante 35 exactos minutos sobre questões estratégicas e de «planificação política» acerca de um penalty mal assinalado, de uma coisa que chamam «património do clube» ou de um tornozelo especialmente preparado para levar traulitada. Há mails e posts de outros blogs que referem os meus «cantinho do hooligan» como produto de uma alma perturbada, se se der o caso de eu ter alma, ou de um cérebro desequilibrado, coisa de que eu abdico quando se trata de ver futebol como eu gosto de ver futebol, que é entre gente que dispensa sermões, moralidade a todas as horas do dia e declarações de concordância com Gabriel Alves. Quando eu menciono Gabriel Alves ou Rui Santos, esclareço que não ponho em causa a idoneidade profissional dos cavalheiros enquanto comentadores de futebol, coisa que não me interessa grandemente. Eu sou um hooligan nessa matéria e já vi jogos de futebol entre os Super Dragões, tal como entre o pessoal da Torcida Verde e até à beira dos Diabos Vermelhos -- mas só conheço os hinos dos Super Dragões («ninguém cala a nossa voz» é o melhor, esclareço desde já). Tenho cachecol, cartão, irresponsabilidade reconhecida e várias camisetas do FC Porto. Não estou muito interessado em reconhecer que o João Moutinho é um bom jogador (em momentos de sobriedade absoluta até gosto de Polga, porque era gremista, ou de Liedson e de Carlos Martins e Miguel Garcia) porque isso não faz a minha felicidade -- coisa que já acontece quando um dos meus marca um golo, sejam eles McCarthy, Lucho, Quaresma, Adriano ou Raul Meireles. Mas se me pedirem muito sou capaz de enumerar uma lista de onze bons jogadores da Liga, só contando com o Sporting, o Braga, o Guimarães, o Nacional ou a União de Leiria. Não me interesso pelos limites estritamente legais do jogo da bola. Prefiro que sejam tribunais comuns a julgar aquela gentinha que anda à volta do assunto. Acho que os ábritros não deviam obedecer à Liga nem à FPF. Acho que Scolari é um burro, futebolisticamente falando, mas gostava dele no Grêmio; tal como Mourinho era um chato tremendo antes de ter ido para a União de Leiria e para o FC Porto; o próprio Jardel era genial enquanto estava no FC Porto mas passou a ser um desgraçado de um cearense quando foi para a Turquia e depois se perdeu em Lisboa. Continuo a admirar Jorge Costa.
Não se enfureçam nem tentem evangelizar-me, chamar-me à razão, educar-me os modos, civilizar-me, lembrar-me «a beleza eterna do grande futebol» (sim, ela existe em algum lado). Agradeço as lições e os conselhos amigáveis para que recupere a minha sensatez e algum pudor além do sentido de justiça. Mas isto é só futebol. De cada vez que Petit cai rasteirado, de cada vez que Simão falha seja o que for, eu sinto-me mais próximo da felicidade. O mesmo acontece quando a França ou a Itália perdem um jogo. Para mim, Pavão jogava futebol como ninguém. Tenho um poster de Cubillas envelhecido, mas guardado nos meus caixotes. Se insistirem falo de Rolando, de Celso, Eduardo Luís, Madjer, Juary, Gomes, Derlei, Deco e também de Domingos, Jaime Magalhães, Bené, Marco Aurélio, Duda, Teixeira e Teixeirinha, Gabriel, Oliveira, Rolando – a primeira equipa da minha memória, que contracena com outros nomes mágicos de outros tempos: Monteiro da Costa, Pinga, Virgílio, Pedroto, Barrigana, Hernâni, Seninho ou Siska. Mas não é isso que me interessa. O hooligan do «cantinho do hooligan» não se interessa nem por isso. Ele só ri. Mesmo quando perde um jogo, ele ri. E é a vida, assim.

||| Ainda a blasfémia.
Diálogo entre civilizações e multiculturalismo. Sei que exagero; trata-se apenas de uma ponte entre dois mundos.

||| Brasil. Caça ao Nildo.
A novela do momento é a despedida de Palocci, o bem-aventurado ministro da Fazenda que, lentamente, saiu com o retrato virado do avesso depois de se publicarem informações sobre a máfia da misteriosa casa de Brasília (que continuaria a saga dos negócios de Ribeirão Preto) Mais recentemente ainda, a novela Francenildo, aliás Nildo, zelador da referida casa, que é testemunha contra o ministro; não durou: a Caixa Económica Federal violou o sigilo bancário para encaminhar informações sobre Nildo à mesa do ministro. Na edição de sábado do Estado de São Paulo, a mãe de Nildo pede a Lula «para não fazer nada» com o filho. Essa denúncia a Palocci (a de que Nildo teria 40 000 reais na conta, depositados «pelo seu pai biológico») e quebra do sigilo bancário de Nildo teria partido de Clarice Copetti, vice-presidente da área de gestão tecnológica da Caixa Federal, nomeada pelo PT. Explico: Clarice é casada com o gaúcho Cézar Alvarez, sub-secretário geral da presidência de Lula em Brasília e foi funcionária do governo petista de Olívio Dutra no Rio Grande do Sul, além de assessora da prefeitura de São Paulo durante a gestão de Marta Suplicy. Mais ainda: em 2003 Clarice Copetti tinha já sido dada como responsável por «arrecadamento ilegal de fundos» para o PT, que teriam sido obtidos através de superfacturação em negócios do RS e de SP. Isto vai.

||| Ajudar.
O Altino Torres iniciou a mobilização: «Não é um comício, nem uma manif nem uma quermesse. É ajudar mesmo.» Já perguntei.

||| Felgueiras.
Caro Paulo: desculpe eu agora não ter os arquivos à mão, mas recorda-se da quantidade de pequenos pormenores que têm rolado no «caso Felgueiras» e da soma de indignações logo trespassadas?

||| Sermão por todas as montanhas.
Prédica de um sábio aos bombistas-suicidas, para que ponderem: «Fazei, pois, como os que são mais sábios e que de bom grado trocam a eternidade e as setenta virgens por mais vinte anos na Terra na companhia de setenta galdérias. Disse. Ide e ponderai!»

||| Isto é mau.
A TV Cabo vai passar a transmitir a emissão da TV Record, a televisão da IURD, terminando o acordo com o GNT/Globo.

Comentário do Jorge Marmelo: «O problema não é ser a televisão da IURD. O problema é que a Record é uma merda. TV Cabo anda a vigarizar-nos, mas isto já vem do tempo em que deixaram de transmitir o Canal Brasil e a Fashion TV.»

||| Ficam bem as coisas assim.







Um poema de José Luís Tavares que sempre me comoveu, retirado de Agreste Matéria Mundo:

«Apesar da ignorância da rota desses navios
que descem o tejo, da mulher que nos subúrbios
os vê passar tão rente à sua mágoa,
da moça tímida espiando o mundo
da janela que em breve o escuro virá selar,

ficam bem os sinos esvoaçando sobre a tarde
de inverno em que buscas a justa palavra
e não vê deus a tua aflição: o que cala,
o que finge, o que mente — agreste destino
que te cabe, tingido pelo clarão da dúvida.

Mas ficam bem, ficam bem as meretrizes
de rápido volteio, as matronas alvoroçando-se
para o chá, o aplicado médio funcionário
calculando o produto interno bruto, o amoroso
pagando diária corveia de soluços, os altos
dignatários recebendo honras e tributos.

Sobretudo fica bem a mulher gorda espremendo-se
num ginásio desfeita em suor e penitência.
Mas também ficam bem o contrafactor vigiado
pela lei, o usurário de sebo nos fundilhos,
o proxeneta de olhar felino e os desabrigados
desta rua (embora sobre eles caia o duro
gume do inverno, deles é o reino dos céus).

Ficam bem os poetas pobres que padecem
todo dia a fome da beleza, os críticos
impotentes ficam muito bem, os pretos desta praça
que são alegres e passam bem, o cívico
que ganha o dia de olho no parquímetro
fica bem apesar dos amáveis impropérios.

Ficam ainda bem os canídeos que defecam
nos passeios e as madames que os trazem
pelas trelas sempre prontas a pregar civilidades
a esses que falam alto e têm modos estrangeiros.
Mas que fiquem bem as raparigas de cabeças ocas
que têm como único tesouro a juventude
para que não seja a lamentação
o tributo dos vindouros dias.

Só eu não fico bem, senhor meu,
que aguardo toda a tarde pelo poema
que não vem, embora navios subam
o tejo aulindo através do nevoeiro.
Mas tudo está bem quando é o deus
quem assim o quer.»

||| O cantinho do hooligan.












A vida não é fácil.

||| Hips!
Uma honra: o blog de Conrad Seidl, o grande papa da cerveja, citou o Origem.

22 março, 2006

||| Vaidade, tudo é vaidade.
Uma pessoa em São Paulo pode ir aos melhores restaurantes do mundo -- mas limita-se a depenicar qualquer coisita no Rubayat (enquanto a noite avança e se lembra de Omar Qayam) e a delirar diante do cardápio do Fasano (enquanto chove). E encontra uma alma destas, o que é uma boa surpresa, entre recordações de livros, de jogos de futebol entre o GDC e o SCVR, e pavilhões quase destroçados na Bienal do Livro. Para melhorar o ambiente paulista do fim-de-semana, um encontro à volta de mais livros com este cavalheiro, que, ficou prometido, virá a um dos próximos almoços desta confraria.

21 março, 2006

||| Dia Mundial da Poesia. Hoje.









Na Casa Fernando Pessoa (Campo de Ourique, Lisboa), às 18:30 e às 21:30. Música, de Bach (com Sofia Lourenço). E poetas: Pedro Tamen, Pedro Mexia, Adília Lopes, Nuno Júdice, António Osório, Yvette K. Centeno, Ana Hatherly, Bernardo Pinto de Almeida, Maria do Rosário Pedreira, Fernando Pinto do Amaral e Gastão Cruz.

A Antena Um transmite pela rádio às 22:00 h.

Mais dias da poesia aqui.

16 março, 2006

||| Camilo. 16 de Março de 1825.



















Camilo Castelo Branco nasceu a 16 de Março de 1825.

«A história natural e social de uma família no tempo dos Cabrais dá fôlego para dezassete volumes compactos, bons, de uma profunda compreensão da socieade decadente. Os capítulos inclusos neste volume são prelúdios, uma sinfonia offenbachiana, a gaita e birimbau, da abertura de um grande charivari de trompões fortes bramindo pelas suas goelas côncavas, metálicas. Os processos do autor são, já se vê, os científicos, o estudo dos meios, a orientação das ideias pela fatalidade geográfica, as incoercíveis leis fisiológicas e climatéricas do temperamento e da temperatura, o despotismo do sangue, a tirania dos nervos, a questão das raças, a etologia, a hereditariedade inconsciente dos aleijões de família, o diabo!
O autor trabalha desde anteontem no encadeamento lógico e ideológico dos dezassete tomos da sua obra de reconstrução, e já tem prontos dez volumes para a publicidade. Mas é necessário a quem reedifica a sociedade saber primeiro se ela quer ser desabada a pontapés de estilo para depois ser reedificada com adjectivos pomposos e advérbios rutilantes. Para isso, o primeiro avanço é pô-la nua, escrutar-lhe as lepras, lavrar grandes actas das chagas encontradas, esvurmar as bostelas que cicatrizaram em falso, escoriá-las, muito cautério de frases em brasa. É o que se faz nas folhas preliminares desta obra violenta, de combate, destinada a entrar pelos corações dentro e a sair pelas mercearias fora.» [Eusébio Macário]

«Não ousa o autor dar-se alguns dos seus livros como modelo de si mesmo: sem razão seria pensarem que ele dá esta, ou outra obra, como pauta e exemplar a estranhos. Pediria, isso sim, que se fizessem romances, como se pintam paisagens, de modo que o merecimento de tais escritos assentasse na felicidade da cópia, tal que cada leitor visse nela seu modo de sentir ou a reminiscência de algum quadro, mais ou menos análogo, que alguma vez se lhe ofereceu.» [Doze Casamentos Felizes]

«Mulher escritora, por via de regra pouco exceptuada, é um homem por dentro. O coração, que devia ser urna de suavíssimas lágrimas, faz-se-lhe botija de tinta; e as doces penas da alma metalizam-se-lhe aguçadas em penas de aço. O fuso de Lucrécia e da rainha Berta desfez-se em canetas. Em vez de tecerem o seu bragal, urdem intrigas. Suspiram publicamente em 8.º português, 250 páginas; e quando não suspiram, bufam cóleras represadas; dizem que têm ideias, que se querem emancipar, muito escamadas, naturalistas, com um grande ar de pimponas que entraram no segredo dos processos; e, se não batem nos homens, não é porque eles o não mereçam. O amigo de madame, esse, tem de apanhar do sexo, mais hoje, mais amanhã.
Dom Francisco Manuel de Melo tinha razão – Mulheres doutoras, autoras e compositoras dava-as ao Diabo. É triste coisa – prossegue o moralista do Hospital das Letras – que estejais com vossa mulher na cama, na mesa, ou na casa, e andem lá pelas tendas mil barbados perguntando por ela.
Não há feminilidades que se respeitem desde que a mulher se masculiniza, e, como escritora virago, salta as fronteiras do decoro, sofraldando as espumas das rendas até à altura da liga azul-ferrete. Mau! começo a ser muito sério e metafórico. Por aqui me fecho.» [A Senhora Ratazi]

||| De qualquer modo.
De qualquer modo, é curioso ter um primeiro-ministro à direita da esquerda e um Presidente à esquerda da direita.

||| Regresso.
1. Não me comove nada que Soares tenha abandonado a tomada de posse com o ar dele. Ou que seja quem for não tenha aplaudido o discurso do novo Presidente (que apoiei e no qual votei, fica dito) – coisas como «tomada de posse» ou «discurso inaugural» têm uma carga simbólica que não está sujeita à manobra política quotidiana. São interrupções antes dos verdadeiros primeiros gestos, que hão-de vir a seguir. Em Portugal discutem-se muito os momentos simbólicos como questões de pompa e estratégia. Infelizmente, da «tomada de pose» resultam muito poucos sinais sobre o que se passará daqui a meses. Na verdade, a «tomada de posse» é entre nós uma chatice demorada e lúgubre, cheia de filas e de abraços tão públicos como risíveis.
2. Quanto ao disparate televisivo (horas e horas de inutilidades e de palermices), ele apenas traduz o vazio televisivo.
3. Já a nomeação de novos membros do Conselho de Estado é um gesto importante. Por um lado, deviam ser escolhidas mais pessoas como João Lobo Antunes. Ele é um excelente interlocutor para se falar do país. Mas a escolha de Marcelo Rebelo de Sousa é inútil e coloca questões importantes sobre a relação entre o comentário político, o poder das televisões e as carreiras dos políticos como comentadores políticos. Não que o não possam ser; mas isso devia ter um preço, e esse preço, como mandam as regras, devia estar afixado: este cavalheiro não pode exercer o papel de comentador político e, ao mesmo tempo, de actor político no activo e de conselheiro de Estado. José Sócrates está, e Santana Lopes esteve em São Bento, depois de uma passagem pelo comentário político na televisão; Marcelo desceu dos microfones da TSF para a presidência do PSD; Paulo Portas sairá do «Estado da Arte», da SIC, para a presidência do CDS. Os casos são diferentes e devem ser analisados um a um, evidentemente, mas este traço comum devia fazer-nos pensar mais no assunto.

||| Leis sobre o insulto e a difamação.
Ler o post de Eduardo Pitta.

||| O cantinho do hooligan.










Vocês sabem, não é?

15 março, 2006

||| Primeiro Torneio de DJs Adufe/Origem









O Rui lançou-me ontem um desafio com Lura (e não é “Padoce de Céu Azul” que ela está a cantar nesta fotografia), o que me leva ao Mindelo, há exactamente dois anos. Respondo, para amenizar o ritmo, com “Oh Rosa Negra”, de Ildo Lobo (Paixão é um sentimento c'ses confusão e ses razão /Amor é um mistura d'tud sabor). Espero a tua resposta, Rui. Tenho o gira-discos preparado.

Ontem, na Casa da Morna, Tito Paris regressou da escuridão.

||| Alckmin.






Depois de uma boa decisão, uma boa escolha.

14 março, 2006

||| Coisas que só acontecem às vezes.











































Música para hoje: mornas, Bana (sim, o velho Bana), Ildo Lobo (sim, a voz que me comove). Também Teté Alhinho, Tito Paris, até Gardénia Benrós (Ben Rosh...). E Sam the Kid (o disco Beats Vol.1, o Amor)

||| Albert Einstein. 14 de Março de 1879.













«É raro haver homens suficientemente independentes para verem a insensatez e as fraquezas dos seus contemporâneos sem que eles próprios sejam afectados por elas. Os poucos que existem perdem normalmente a coragem para endireitar o mundo depois de se terem apercebido da obstinação humana. Só muito poucos conseguem fascinar a sua geração, pelo fino humor e pela graça, levando-a a olhar-se ao espelho, através do caminho impessoal da arte.»

«O ideal humanitário da Europa parece de facto estar indissoluvelmente ligado à liberdade de expressão; em parte, ao livre arbítrio do indivíduo; à procura de um pensamento objectivo, independente de considerações meramente utilitárias; e ao encorajamento das diferenças no domínio do intelecto e do gosto. Estas exigências e ideais fazem parte da natureza do espírito europeu. A importância dessas máximas e desses valores não é determinável por meio da razão, já que constituem não apenas princípios fundamentais no modo como concebemos a vida, mas também pontos de partida que só podem ser afirmados ou negados por meio da emoção. Tudo o que sei é que os afirmo com toda a minha alma, e que consideraria intolerável pertencer a uma sociedade que os negasse sistematicamente.»

||| π












Hoje é o Dia Mundial do π, imagine-se. 3,14159265358979323846...

Informação adicional: «O ano de 2006 é muito especial, porque marca o 300º aniversário da aplicação da letra grega π para designar este número, utilizada pela primeira vez em 1706 na Synopsis Palmariorium Mathesios, de William Jones.»

13 março, 2006

||| Tango em Buenos Aires.















Na Academia Nacional del Tango (em Maipú, bem no centro da cidade, perto de Florida) explicam o que é fundamental no tango: «O espírito do músico, do poeta.» Primeiro, o poema, logo atrás a música – e a orquestra. Depois, o cantor. Finalmente, o bailarino, a bailarina. Violinos, bandoneón, pianos e guitarras. Carlos Gardel e Juan Canaro, Beba Bidart, Titã Merello, Aida Luz, Sofía Bozán, Libertad Lamargue, Juan Maglio «Pachá», Eduardo Ardas, Elvino Vardaro ou Júlio Delaro. El Dia que me Quieras, ou Bandoneon Arrabalero ou Yo no Sé que me han Hecho tus Ojos.

||| Buenos Aires de manhã.















Em frente do Británico fica o Café Hipopótamo – a tranquilidade das manhãs de Buenos Aires. O dono é Rodrigo Rivera, um galego sexagenário de Vigo que gosta de recitar Ramón Cabanillas, outro galego, mas de Rianxo. Rivera também diz de cor versos de Fernando Pessoa e de Camões. O Hipopótamo tem a melhor cidra de San Telmo; quase nada melhor para beber a meio da manhã.

||| Por falar em Buenos Aires.















O Café Británico, no cruzamento de Defensa e Brasil, em frente ao Parque Lezama, no limite do coração de San Telmo. Decadência pura, velhas máquinas de café trepidando de cada vez que são usadas, cartazes de há trinta ou quarenta anos, quando Ernesto Sábato, o escritor, se sentava a uma destas mesas para escrever – aqui concluiu um dos seus romances mais famosos.

||| Mi Buenos Aires querida.










A Libreria Ateneo, em 1860 Santa Fe, Buenos Aires.
Lembrança do Alexandre Monteiro. E com lembranças para a Carla e o Carlos.

||| Brasil. Presidenciais.
Boa decisão. Com o apoio do tucanato geral (Aécio, Tasso, Virgílio, etc.) e o silêncio de FHC.

||| OPA.
Este blog recebeu uma OPA. Verdadeiramente amigável. Em resposta lançou uma OPV. Muito hostil. Isto não sentido nenhum, mas anima.

||| Belas artes.
Alunos das Belas-Artes de Lisboa expõem na Casa Fernando Pessoa.

12 março, 2006

||| Última hora. Conferência de Pérez-Reverte.













A conferência de Arturo Pérez-Reverte na Casa Fernando Pessoa, marcada para dia 28 de Março, é adiada para o dia seguinte, 29, à mesma hora. A conferência intitula-se O Soldado de Lepanto - Letras e Armas no Quixote.
O adiamento deve-se, claro!, a razões futebolísticas, uma vez que o Benfica-Barcelona tem lugar dia 28 às 19:45.

||| O cantinho do hooligan.










1. Sim, fui a Setúbal e estive no topo do lado mar.
2. Segui o jogo do Benfica pela rádio. Parece que jogou a segunda parte contra dez rapazes da Naval e marcou cerca de doze meios-golos e oito quase-golos. Infelizmente, não os validaram. Injustiça.

11 março, 2006

||| Notícias, notícias.













Hoje, sábado, foi isto (casa cheia) com a moderação de Maria Teresa Dias Furtado e a participação de Vera San Payo de Lemos, Fernanda Lapa, António Lagarto, João Grosso e Maria João Brilhante. A partir de segunda, 13, uma exposição colectiva de alunos da Faculdade de Belas Artes. Na próxima terça, 14, António Ferreira, que apresenta o seu novo livro. Dia 21, Dia Mundial da Poesia, poetas e música: presenças de Adília Lopes, Ana Hatherly, António Osório, Bernardo Pinto de Almeida, Fernando Pinto do Amaral, Gastão Cruz, Maria do Rosário Pedreira, Nuno Júdice, Pedro Mexia, Pedro Tamen e Yvette K. Centeno – e como é dia de J.S. Bach, vai haver música a partir das 18:30h, além de estarem expostos manuscritos dos poetas presentes. Dia 27, Onésimo Teotónio de Almeida, que lança o Livro-me do Desassossego. Dia 28, Arturo Pérez-Reverte, que fala sobre o Quijote. E dia 30, com moderação de Carlos Vaz Marques, começam os «Livros em Desassossego», este mês ocupados com a crítica, com Eduardo Pitta, Abel Barros Baptista, João Pedro George, Rodrigo Guedes de Carvalho (que fala do seu novo romance, do qual lê um extracto) e Manuel Alberto Valente (que, como editor, fala dos livros que durante este mês gostaria de ter «roubado» aos outros editores).

O blog da Casa Fernando Pessoa sempre actualizado.

10 março, 2006

||| O país das maravilhas.
E enquanto Lula mantém vantagem, enviando mensagens de solidariedade a Ronaldo (o do Real), mensalão aquece em Brasília.

||| Brasil, Stedile e etc.
Um grupo de desordeiras ligado à Via Campesina, e associado a outro grupo do ramo, o MST assaltou e destruiu ontem um laboratório e trabalhos científicos na Fazenda Barba Negra, Rio Grande do Sul. O ministro Rosetto, que passou anos alimentando e apoiando os crimes cometidos pelo MST, criticou asperamente o assalto. Foi tarde. O chefe moral do assaltantes, João Pedro Stedile, diante dos prejuízos de 400 mil dólares, elogiou «a coragem das companheiras» que destruíram o lugar («As companheiras estão de parabéns pois tiveram coragem de fazer um ato para chamar a atenção da sociedade.»). Em entrevista à televisão, as ocupantes declararam que o acto tinha sido planeado com meses de antecedência, de propósito para coincidir com mais um fórum realizado em Porto Alegre, desta vez sobre «a situação campesina». Isto vai. Isto foi.

09 março, 2006

||| Acontece a qualquer um?
Diz o director da Toys'R'Us em Portugal: «O catálogo foi revisto. Não sei onde é que [os erros] passaram. Acontece a qualquer um, mas não nos devia acontecer a nós.» Perguntemos de novo: «Isto acontece a qualquer um?» Outra vez: «Acontece a qualquer um?»

||| Desmoralizar os hierofantes.
Alexandre Soares Silva sobre as regras da polémica na blogosfera.

||| Um mundo perfeito. {Actualizado}
Artigo de hoje no JN:

Em Espanha existe uma comissão nacional para a racionalização dos horários que tem como função, entre outras coisas, mudar o país. O objectivo é simples e maduro em dois pontos essenciais: acaba-se com a "siesta" e impede-se os espanhóis de jantar a horas tardias, harmonizando os horários do simpático país peninsular com o "resto da Europa" e reafirmando que o desenvolvimento e enriquecimento profissionais não sejam sinónimos de renúncia à vida pessoal e familiar dos funcionários e empregados do sector público, nomeadamente.
Qualquer pessoa munida de bom-senso estará de acordo com o princípio. Em Espanha, que eu saiba, estão todos de acordo: a burocracia governamental, os defensores da globalização, a igreja, as associações de defesa da família e da mulher, bem como os teóricos e exegetas da produtividade. Se é assim tão fácil, porque razão até agora não se fez essa mudança? Porque a sociedade é preguiçosa, dolente, avessa às mudanças, amiga de beber até tarde, de jantar em horas a que os suecos estão a dormir, e está cheia de colesterol, fumo, gorduras excedentárias, bares e discussões tardias sobre futebol. Esta sociedade frívola, desregrada e maculada pelo desrespeito aos ritmos de trabalho normais em Frankfurt ou em Oslo, produziu coisas memoráveis mas está doente. É preciso reformá-la e transformar a vida dos seus membros, geralmente irresponsáveis e a necessitar de disciplina, dieta e horários primaveris.
Pelo contrário, o governo espanhol está cheio de pessoas felizes. A comissão de horários também. São pessoas que acordam a horas, que trabalham em ambientes ecologicamente correctos e onde se instituiu a paridade de género. Almoçam iogurtes dietéticos e não tripas à madrilena ou pratos condenados pelos cardiologistas, fazem ginástica, chegam a casa a horas decentes (digamos ao fim da tarde) e deitam-se cedo no leito conjugal, quando bandos de energúmenos ainda circulam pelos cafés, fumando e contando anedotas, enchendo os seus vasos sanguíneos de substâncias nocivas à saúde, dedicando-se ao adultério e a literaturas que não são nada saudáveis.
O debate sobre os horários em Espanha ameaça, evidentemente, espalhar-se por outros países do sul da Europa, desejosos de imitar os seus concidadãos de Dusseldorf, de Helsínquia ou da renovada Espanha, construída à maneira do retrato sorridente, acrílico, saudável e ligeiramente bem vestido do líder Zapatero. Não por agora, porque somos pessoas desprezíveis e dadas a festejar prazeres grotescos (como conversar até tarde, comer razoavelmente e jogar cartas), mas Portugal há-de entrar na liça. Nessa altura, empresários e autoridades morais, inimigos da licenciosidade, Mães de Bragança, comissões de vigilância familiar, cardiologistas e especialistas em dietética e ciências do emagrecimento, ficarão também mais felizes – o sul da Europa deixará de ser esse fragmento bárbaro no mapa do continente, onde as pessoas se dedicam à produtividade, ao escrupuloso cumprimento de horários, à saúde e à vida em família. A taxa de divórcios diminuirá, certamente, as doenças coronárias recuarão e mesmo os escritores serão regulados por uma comissão que os impedirá de escrever acerca de ambientes soturnos ou sobre temas depressivos ou sexualmente discriminatórios. O sul da Europa viverá como uma espécie de retrato do paraíso na Terra, as lojas fecharão todas ao domingo, as pessoas irão à missa e participarão em associações de vizinhos, terão gémeos sorridentes e férias no campo.
Este retrato existiu no passado. As grandes utopias, de Campanella a Thomas More, de Calvino a Lenine, de Hitler a Pol Pot, tiveram desejos semelhantes. Na república de Calvino puniam quem faltasse às orações e noutras matavam quem atalhasse pela licenciosidade. É um mundo ideal e perfeito. Pessoalmente, não quero viver nele.


Sobre este mesmo assunto, ler texto anterior de Javier Marías. Estamos muito desatentos, estamos.

||| Qwert.













Para quem já passou pelo «hcesar» e pelo «azert», tem aqui a história do «qwert».

||| O cantinho do hooligan.
Primeiro: estou farto de perder. Segundo: rasguei o meu cartão de sócio.








Adenda 1: como diz o grande Milton, a Carlsberg é feita com água da Argentina.
Adenda 2: não compreendo o teu ar feliz e bem disposto depois do jogo.

07 março, 2006

Brinquedos ortográficos. {Actualizado}













Numa versão geral, a diverção (e «ja» sem acento).















Numa versão sintética, a diverção (e «já» com acento).




















Numa versão analítica, a diversão (e o «ja» sem acento).


Ou seja, a cadeia de lojas Toy'r'us era já, no seu conjunto, a pior loja de brinquedos do país em matéria de atendimento, decoração, ambiente, poluição sonora, simpatia, etc. Agora, passa a ser também mais uma vergonha. Coisas que dão vontade de desatar ao estalo.

Comentário enviado pelo Rui: «Carriçimo Kliente,Nosso objetiv é precismente forçar os crianças a aprender por sua cabeça. Nós ofereçer um çem numero de opções descrita differentes. Cabe te a si, carríçimo kliente, ajudar as criaças a descobrir como divertido é descobrir o çerto e o errado. Aprendam por voças proprias cabeças! E tenham diverção, ja?»

06 março, 2006

||| Boicotemos os produtos dinamarqueses.





































Obrigado pelo envio, Eduardo J.M.

05 março, 2006

||| Cecília Meireles.
«Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor./ Outras vezes encontro nuvens espessas./ Avisto crianças que vão para a escola./ Pardais que pulam pelo muro./ Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais./ Borboletas brancas, duas a duas,/ como refletidas no espelho do ar./ Marimbondos que sempre me parecem/ personagens de Lope de Vega./ Às vezes, um galo canta./ Às vezes, um avião passa. [...]» [Cecília Meireles]

||| Arouche.









Agora, que o Gonçalo Soares anda de ressaca depois da temporada de Copacabana e do carnaval paulista, o Alexandre Monteiro alimenta a minha nostalgia paulistana com um retrato do Arouche.

||| Memória Inventada.
Ao fim de três anos de Memória Inventada, o Vasco, que se lê sempre com gosto e vontade de ler, decidiu mudar-lhe o nome: Força de Bloqueio.

||| Mario Vargas Llosa
Texto de Llosa sobre o que nos interessa, a liberdade de expressão.
Via Portugal dos Pequeninos.

||| O cantinho do hooligan.




Mas o que é que aconteceu hoje que não aconteceu das outras vezes?

||| A psicopedagogia de Estado. Ou o Estado trata de nós desde a mais tenra infância e vacina-nos contra a desobediência, ou dos benefícios sociais do Estado francês.
Segue a polémica em França sobre a psicopedagogia do Estado. Ver mais este texto do Le Monde (para não assinantes, ir aqui). Sobre a medicina preventiva anti-delinquência, ver a opinião de Pascal-Henri Keller. Ver também o texto de Gérard Wajcman.

«L'expertise de l'Inserm préconisait «le repérage des perturbations du comportement dès la crèche et l'école maternelle » pour éviter la survenue de comportements délinquants à l'adolescence.»

||| Rente à terra.













Eu não assinalei, mas o J. Rentes de Carvalho, uma das figuras que mais gostei de conhecer, escreve agora nos Canhões de Navarone, com o Rui. Entrevistei-o em Amesterdão, há uns anos, para a Ler, e sempre achei que ele merecia ser lido, mais lido entre nós.

||| Blasfémias gerais, 5.













Livros que os inimigos dos cartoons gostariam de queimar. Divina Comédia, de Dante Alighieri (1321).

||| Educação sentimental.








A Books Upstairs não era bem uma livraria. Andávamos perdidos e encontrávamo-la. Não ficava muito longe do The Palace, aquele pub onde uma bicicleta estacionada no hall nos dizia que tínhamos entrado no templo onde John Banville se sentava a uma mesa. No The Davvy Byrnes (na Baggot Street) havia expostos cheques sem cobertura ou vale de caixa assinados por Joyce (e poemas nas paredes do Buswells, claro). A tertúlia onde parava Sean O'Casey no bar do outro lado da rua. Os canais, as pontes, as placas que assinalavam a passagem de Leopold Bloom. Entrei pela primeira vez na Books Upstairs à procura de um livro de John McGahern e acabei por descobrir que uma livraria fantástica de Dublin era mais do que uma livraria fantástica de outra cidade. Nessa tarde havia uma leitura de poemas de Brendan Behan e tudo acabou em música («the auld triangle...»), tudo acabou no factory wall, tudo acabou sujo como as águas do Liffey, tudo acabou. Por isso a Books Upstairs não era bem uma livraria. Era mais um mundo de livros acumulados sobre a poeira, chá, libras contadas (no tempo em que havia libras), esperando que o O'Donohughes abrisse as portas.

||| Como se começa um livro.
No Ad Loca Infecta, a série Grandes Aberturas.
(São dez posts.)

||| Blasfémias gerais, 4.













Livros que os inimigos dos cartoons gostariam de queimar. Os Lusíadas, de Luiz de Camões (1572).