||| Votações: os melhores livros de 2005.
Continuam, no Livro Aberto, a chegar os mails dos leitores (e dos telespectadores do programa) com as suas listas de «os melhores livros de 2005». Já foi publicada uma primeira lista com livros que mereceram pelo menos três citações. Recordo que a lista com os títulos finalistas será publicada a 5 de Janeiro. Uma semana depois, a 12, a lista definitiva dos dez livros mais votados em cada secção (ficção portuguesa, ficção estrangeira, poesia e ensaio).
O Mil Folhas, do Público, colabora nesta divulgação.
A Origem das Espécies
We have no more beginnings. {George Steiner}
30 novembro, 2005
||| Não é assim, não se desculpe a rapaziada.
Não. Ao contrário do que diz este despacho da TSF, este não é o único prémio literário que Mário Cesariny aceitou receber. É que, pese embora a surpresa de muita gente, este é o prémio que finalmente deram a Mário Cesariny de Vasconcelos. Tal como a distinção do presidente da República, aliás. Causa estranheza, isso sim, que só agora essa distinção chegue a Cesariny, depois de as ordens e comendas andarem a ser distribuídas a tanta gente (sim, eu faria o discurso habitual sobre a irrelevância de alguns comendados). Cesariny não recebeu esses prémios até agora, porque tinham medo dele, porque era homossexual, porque era um homem livre e porque a rapaziada não podia contar com ele para dar o nome e calar-se. Portanto, não se desculpe a rapaziada. Ele aceitou receber este prémio, sim; mas porque lho deram, naturalmente. Os outros prémios, simplesmente não lhos tinham atribuído. Ah, mas a rapaziada gosta de valorizar os seus prémios, não é? De converter escritores malditos. Não é esse o caso.
||| Graça Morais.
A Joana, que trabalhou comigo há alguns anos, numa revista em que ela organizava as ilustrações e fotografias com muito jeitinho, mantém um blog sobre a mãe, Graça Morais.
||| É a onda.
Na Faculdade de Direito de Lisboa, Soares chama demagogo a quem o irrita. Depois, os jornalistas não fazem o que devem. O mundo já não é o que é. Soares também não. Mas há coisas que já estavam lá, anunciadas.
||| Leiam, leiam, também.
A peça de Tânia Laranjo, no Público de hoje (página 26) sobre um procurador do MP de Coimbra que queria multar e emitir mandato de dentenção contra um pai que faltou a um julgamento em Arganil (com justificação legal e permitida por um juiz) para acompanhar um filho menor a Lisboa, onde devia corrigir uma prótese numa perna. «Motivo grave proquê?», pergunta o procurador do MP. «O filho estava impossibilitado de se locomover? (...) E mesmo que a reparação da prótese fosse urgente, teria de ser o arguido a acompanhar o filho?» Leiam, leiam.
|||Leiam, leiam.
Abram o Público de hoje e leiam. A reportagem do Ricardo Dias Felner sobre os doentes africanos (de Cabo Verde) depositados em pensões e buracos onde há ratazanas, lixo, lama, frio e fraldas usadas. Leiam.
||| A mesma palavra.
Olho páginas vazias, descrevo a cena como se a linha
do horizonte deixasse de existir, o mar deixasse
de respirar. Nesse instante não tenho morada nem
nome, serei apenas a infância, a malícia, a poeira,
os cactos à beira das estradas. Descubro a incerteza
e a palavra, o eco do que ficou abandonado. Tudo
me desperta, comove, desabriga — um amor, um lugar,
uma janela, o eclipse. Adormeço depois de fechar
as portas, a inspiração morreu há meses, escrevo
e volto a escrever, linha a linha, a mesma linha, palavra
a palavra, as mesmas palavras. O tempo é uma vaga
impressão de ter passado naquele instante em que
dizem que a terra treme, a alma nunca será essa coisa
perfeita, resguardada da luz, do cheiro da terra, das
vagas , do que poderia ter sido. Vejo-a nas praias,
ao longe, do outro lado do mar, entre risos.
29 novembro, 2005
||| Revisionistas. A invasão de Timor.
Uma das coisas desagradáveis dos documentos é que não são eles que fazem os revisionistas da História. Sobre a história da invasão de Timor pela Indonésia, os EUA desclassificaram documentos.
Site do National Security Archive. Novos documentos desclassificados. Documentos de 2001. Documentos britânicos. Notícia do Público («Em Março de 1975, Portugal já tinha informado os Estados Unidos não ser sua intenção resistir a uma possível invasão de Timor-Leste pela Indonésia.»).
||| Revista de blogs. Transgressão.
«O sonho de um esquerdalha libidinoso: transgredir com uma conservadora.»
{Bruno Sena Martins, no Avatares de Um Desejo}
||| Cultura.
Quando dirigia a revista Ler, quis por várias vezes saber «que livros lêem os candidatos». Candidatos a primeiro-ministro (desculpem a imprecisão...), candidatos a Belém. Primeiro, formalidades e protocolo: contactar a candidatura propriamente dita. «Ó pá, vai ser difícil.» Depois, feito o pedido oficial, por fax, meia-dúzia de telefonemas para amigos que trabalhavam nas candidaturas. «Vê lá se me mandas a lista», pedia eu a dois ou três ao mesmo tempo. «Vamos ver, pá, mas ele quer ver isso antes de mandar.» Uma semana de espera. O candidato compunha a sua lista de leituras («os livros da minha vida, vá lá») com recato, inspiração e responsabilidade. Semana e meia de espera. «Tá difícil, há os comícios, ontem fomos para Viana do Castelo, amanhã temos de estar em Évora.» «Mas façam a lista, são quinze livros. Dez livros.» «Vamos ver. Ele não tem tido tempo.» «Mas escreve que era o Sandokan.» «Não pode ser, pá, isto tem de ser bem pensado.» Mais dois dias para pensar. Chegava o fax do candidato, depois o fax do outro candidato, depois o do outro. Telefonemas a agradecer os faxes. «Ó pá, e que livros é que citou o fulano?» «Nada de especial, tu sabes. Eles fazem como vocês, assim por cima, ideias gerais, a Bíblia, Os Lusíadas, e tal, Guerra e Paz.» Silêncio. Burburinho. «Ouve lá, ele citou a Bíblia?» «Citou.» «Desculpa lá, mas altera a nossa lista. Tira o Aquilino e põe a Bíblia.» «Tiro o Aquilino?» «Tira o Aquilino.» «Mas ele concorda?» «Bom, a Bíblia é fundamental, não é? Se não for o Aquilino é quem?» «Não sei.» «Então sai o Aquilino.» Depois outro telefonema, cumprimentos e agradecimentos. «Tu sabes, ele queria pôr aquele livro, aquele do...» «Sei.» «Não pode ser.» «Porquê? Se ele gosta.» «Não pode.»
||| Crucifixos.
Uma coisa é retirar símbolos religiosos de salas de aula. Outra, mantê-los lá, apesar da lei. Há uma diferença.
P.S. - Durante vários semestre de Direito, há muitos anos, um professor marcou todos os testes e exames de um amigo meu para sábado de manhã. De propósito. Ele chumbou duas vezes, porque cumpria o shabbat.
||| Mitterrand no divã.
Para aqueles que se queixam de violação de privacidade, aqui está outro tema (via Abrupto): o psicanalista de François Mitterrand conta as suas conversas com o ex-presidente. Em livro a seguir. Na primeira visita «his patient does not want to talk about his childhood or his dreams, but about Margaret Thatcher and the crisis over the Argentine invasion of the Falkland Islands».
28 novembro, 2005
||| Marmelo.
Sábado eu estaria em Famalicão para um grande almoço e para dar os parabéns ao Jorge. Mas é como se lá estivesse.
Anúncios de outros tempos. Elegância e sobriedade. Um texto de antologia.
«Parabéns! V. demonstrou ser uma pessoa moderna e de requintado bom gosto. O seu presente foi um verdadeiro achado. V. não lhe quis dar uma dessas coisas complicadas que nunca se usam. Deu-lhe uma prenda prática e original. Ofereceu-lhe os cigarros extralongos que ele fuma, nas novas caixas de dez maços da Intar. [cigarros Kart]»
||| Votações. Os melhores livros de 2005.
Estão já online os primeiros resultados da votação para os melhores livros de 2005.
Estas são as regras para a votação. Listas dos finalistas a 5 de Janeiro, resultados finais a 12 de Janeiro de 2006. Emissão especial do Livro Aberto.
Votação aqui.
27 novembro, 2005
||| Ana Magina.
Eu acho que a peça assinada pelo correspondente do Correio da Manhã em Caldas da Rainha, Francisco Gomes, na edição de hoje, merecia mais destaque. Nas nossas cabeças. Ana Magina, 24 anos, foi a mulher que, pela primeira vez na história da Escola de Sargentos do Exército (que só admite mulheres desde 1992), arrebatou o primeiro lugar de entre todos os alunos. Um dos prémios foi-lhe atribuído pela Academia de Oficiais de Espanha e por ser a melhor em toda a «arma de Infantaria».
||| Os cem anos de Verissimo.
Para quem vem do mar, Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, inaugura o chamado território das missões. Erico Verissimo nasceu aí em 1905 e atravessou quase todo o nosso século XX. Estive duas vezes em Cruz Alta quando descia em busca da paisagem das missões – campos cruzados de rios, lagoas, neblinas, na direcção da Argentina e, mais ao norte, do Paraguai. É naquela parte do Brasil que se descobre com mais clareza que Camilo, bem como o nosso século XIX, tinha razão. Não se tratava de Brasil mas de Brasis. Texto completo aqui.
||| Meu outro time.
O meu segundo time regressou. Depois de um jogo heróico em que o árbitro expulsou quatro gremistas e marcou dois penaltis contra o Grêmio (mesmo assim bravamente defendidos por Galatto, um herói do pampa -- é certo que um deles bateu na trave mas é como se Galatto tivesse subido até lá), Ânderson (que em Janeiro estará já no FC Porto), marcou o golo final. E definitivo, com apenas sete jogadores em campo. «O Grêmio bateu heroicamente o Náutico», diz o Estadão online. Recordando a imortal música de Lupicínio Rodrigues: «Até a pé nós iremos para o que der e vier./Mas o certo é que nós estaremos/com o Grêmio onde o Grêmio estiver.» Aí está o Grêmio de novo. Salve, Grêmio, imortal tricolor.
26 novembro, 2005
||| Cesariny.
Ontem, na Antena Um, entrevista de Mário Cesariny -- foi às 15:15 h. Espero que repitam.
||| Livro Aberto.
Emissão desta semana com Hélia Correia.
Há votações para os melhores livros de 2005.
24 novembro, 2005
||| Sim. O cantinho do hooligan.
Sim. Bebi as cervejas de Glásgua. Uma, muito bitter. Não percebo Adriaanse.
23 novembro, 2005
||| Arrogância cultural.
Caro Paulo Gorjão: não é arrogância cultural. É complexo. Trauma de classe, medo da vida que não cabe na memória, medo de que a vidinha escape. E uma ideia de casta, apego ao privilégio, hábitos antigos. Na verdade, é também um mundo que acabou. Mas, sobretudo, é ressentimento.
||| Glasgow.
Sim, em relação a este post, esclareço que também estou disponível para beber a minha cerveja de Glásgua, uma bela Tennent's. Mesmo no Porto.
||| África.
Isto é uma boa notícia.
||| Onde está a felicidade?
Não, não me refiro ao título do livro de Camilo. Mas esta manhã, bem cedo, em todos os cafezinhos do bairro havia um ar suspeito de felicidade. Temos a Ota no horizonte. Com a Ota, seremos mais felizes, Barajas que se cuide. Ah, velhos do Restelo!, olhai em frente, olhai para o espaço aéreo: duas pistas, caramba!, duas pistas. Milhões de turistas a serem despejados na Ota para conhecer um país assim e um povo feliz, cheio de golfes no Algarve e de azulejos na Nazaré. E, um povo esperto, apesar de tudo: construindo um aeroporto com o dinheiro que não há. A felicidade está aqui.
P.S. - Quanto do novo aeroporto vai pagar a especulação imobiliária que assenta arraiais no velho?
||| Exemplo.
Como se recomeça um blog.
22 novembro, 2005
||| Os melhores livros de 2005 / Livro Aberto.
Votação começa no blog Livro Aberto. Primeiros resultados com a lista dos finalistas de cada categoria a 5 de Janeiro. Resultados finais a 12 de Janeiro com emissão especial na RTPN.
||| Os melhores romances.
O A Natureza do Mal está a concluir o apuramento de resultados da votação sobre os melhores romances dos últimos trinta anos.
Entretanto, o Livro Aberto abriu a contabilidade para os melhores livros de 2005. Dois pontapés de saída, os de Pedro Mexia e de Eduardo Pitta (seguir-se-ão outros críticos, como Isabel Coutinho, Fernando Pinto do Amaral, Francisco Belard ou Miguel Real) Os leitores podem participar. A votação será relançada no programa de televisão.
||| Romance histórico, 1.
Mais romance histórico nos últimos tempos. Depois de A Casa do Pó e de A Esmeralda Partida (e de outros, como A Sala das Perguntas ou O Prisioneiro da Torre Velha), Fernando Campos escreve o mais fascinante de todos os seus livros, O Cavaleiro da Águia (todos publicados pela Difel): poucas vezes um romance histórico português usa uma linguagem tão comovente, se perde e se deixa seduzir pela poesia. Campos é um mestre do romance histórico que passa em silêncio, sem muito ruído. Os seus personagens (Frei Pantaleão de Aveiro no primeiro, depois D. João II, Damião de Góis, D. Francisco Manuel de Melo e finalmente Gonçalo Mendes -- o da Maia) são estudados em pormenor, erguem-se sobre os destroços do tempo mas arrastam-no como uma maldição. O Cavaleiro da Águia é, nessa medida, a tentativa de fazer um romance histórico sem culpa, e onde a linguagem dissimula a dificuldade de dizer o que quer dizer (que não há bravos cristãos nem mouros a abater) -- mas o resultado é, tal como a sua linguagem, comovente, sim. Depois, há algumas surpresas, como A Lenda de Martim Regos, de Pedro Canais (Oficina do Livro), uma boa revelação através de um personagem que quase é o primeiro herói multicultural português, atravessando o cristianismo, o judaísmo e o islão. A ideia pode parecer muito politicamente correcta, mas Pedro Canais não cai no erro: Martim Regos não é levado no seu destino para cumprir uma busca cultural mas para percorrer o mapa do seu mundo, à solta, cheio de curiosidade e de excitação. Outra revelação é a de Pedro Almeida Vieira, que já tinha escrito Nove Mil Passos (sobre a construção do Aqueduto das Águas Livres); agora, é O Profeta do Castigo Divino, com algumas figuras centrais -- a do padre Gabriel Malagrida, a do Marquês de Pombal, a Igreja, os jesuítas, e o narrador do seu livro, o diabo, propriamente dito. Muitas vezes o peso da história esmaga o romance, mas isso tem uma vantagem: Pedro Almeida Vieira faz uma investigação muito minuciosa, cheia de deleites, de pormenores e de horrores, mas transmitindo o retrato de uma mentalidade brutal e do medo setecentista. Outro olhar é o de Miguel Real, que é um autor subvalorizado. Ele escreveu uma história extraordinária em redor de Branca Dias (Memórias de Branca Dias, Temas e Debates), a primeira mulher a praticar judaísmo em terras do Brasil, no Pernambuco. Mais do que isso, antecipando debates que seriam centrais no judaísmo reformista, a ser a primeira rabina portuguesa; o mundo do Pernambuco não escaparia ao longo braço da Inquisição e Branca Dias seria queimada, mas os judeus do Recife iriam para Nova Amesterdão, reencontrando-se com os judeus portugueses expulsos dois séculos antes, e entraram na fundação de Nova Iorque depois de terem fundado a primeira sinagoga das Américas, a Beit Israel, recentemente recuperada no Recife. Em A Voz da Terra, o seu novo romance (edição Quid Novi, a sair) Miguel Real formula uma história mental do terramoto de Lisboa, opondo a voz da terra à voz do céu, numa linguagem tão desprendida quanto é certo que a escreveu fora das bibliotecas: o Marquês de Pombal revisitado, a complexidade e a turbulência da guerra com o divino, a crueldade, o desvario. É um grande romance.
Não cabe neste domínio de romance histórico, mas sinto alguma perplexidade ao ler o Codex 632, de José Rodrigues dos Santos (edição Gradiva), onde se desenvolve a teoria da identidade portuguesa de Colombo. Há alguma semelhança com Anjos e Demónios, de Dan Brown (o investigador português Tomás Noronha é levado para NY tal como Langdon foi transportado para a Suíça), e com a catadupa de revelações em catadupa de O Código Da Vinci, mas existe a coragem de lidar com o problema de Colombo. Sinceramente, acho que o livro terá algum sucesso quando for traduzido para inglês (um editor americano já comprou os direitos). Tem coisas muito infantis (como as descrições brasileiras, por exemplo, um pecado mortal português quando se trata de escrever sobre Ipanema e adjacências), e a tentação de serviço público quando se trata de explicar conceitos e factos históricos, mas esse é um pormenor que lhe trará popularidade, não nego.
Não me posso esquecer de coisas curiosas, como o caso de José Manuel Saraiva, Rosa Brava (Oficina do Livro) sobre D. Fernando e Leonor Teles, onde há pela primeira vez sexo a valer na casa real portuguesa, com o rei exercitando-se em cunilingus ou sexo anal, e desviando-se dos perigosos caminhos do incesto. Leonor Teles é uma explosão na corte lisboeta, mas ainda não tinha merecido atenção de muita gente.
||| Capa irreal, livro ideal.
Eu sei que a foto é má, mas é a única que consegui fazer do livro de José António Sá: Compêndio de Observações que Formam o Plano da Viagem Política e Filosófica que se Deve Fazer Dentro da Pátria. José António Sá era professor de Leis, em Coimbra, e a impressão é de 1783 -- e o livro «dedicado a Sua Alteza Real o sereníssimo príncipe do Brasil».
||| A biblioteca dos reis.
Primeiro, foi um roteiro e uma exposição de que ouvi falar. Só depois li o livro, comprado em saldo, baratinho (com desconto de 25 reais...): A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis. Do Terremoto de Lisboa à Independência do Brasil, de Lilia Schwarcz (edição Companhia das Letras), a mesma autora de As Barbas do Imperador, um livro fantástico: uma história dos livros, das livrarias, das impressoras e das bibliotecas. Tenho pena que não exista um livro assim, em Portugal, sobre a nossa aventura no meio dos livros.
||| Por causa nossa.
O Causa Nossa faz dois anos. Parabéns.
||| A nova griffe carioca.
[Via Megeras Magérrimas] O Rio de Janeiro vai assistir à revitalização da praça Tiradentes (as barbas do velho imperador bateriam palmas e repetiriam: «Eu fico, eu fico!»), iniciativa das prostitutas da zona. Mas aconselho vivamente é o desfile de moda para apresentação da nova griffe, a Daspu -- brincadeira com a milionária loja de São Paulo, a Daslu (recentemente com problemas na justiça). E têm razão nisso: «Há muito tempo que a nossa moda ultrapassou as áreas de batalha. Nós sempre fizemos moda e inspiramos estilistas e outras mulheres.» Mas quem não sabe?
||| Liberais de todos os países, uni-vos!
Em «situações de crise» geram-se discussões sobre o que é o verdadeiro liberal. Um dia destes vamos assitir à definição da verdadeira ortodoxia liberal.
21 novembro, 2005
||| Os beijos na escola, de novo.
Parte da discussão sobre este assunto degenerou em debate jurídico. Nada contra. Mas tratava-se de uma oportunidade de tratar da tolerância e do embate entre lei e costume, por exemplo. Não estava em causa a lei mas sim a ideia de tolerância. O Filipe Nunes Vicente, contando uma história pessoal, expôs o problema com clareza: «Passámos a fazer exactamente o mesmo, só que com a janela fechada.» Quem nunca fechou a janela? Simplesmente, há aqui outro problema: o do uso desproporcionado da força, a julgar pelo relato dos jornais e por testemunhos entretanto escutados, com a inevitável tendência provinciana para criminalizar um comportamento não criminalizável. Nesta matéria sou pelo mais fácil: a escola devia ter fechado os olhos e não devia ter aceite nem discutir nem tomar conhecimento do assunto. Às vezes, tolerar é apenas usar do mais elementar bom-senso.
||| Contos mínimos. Uma versão de fada galdéria.
Vem no Hotel Sossego (aliás The story of six people trying to make sense of why their dogs have gone wild), uma versão mais dos contos mínimos:
Conto sobre uma fada de nariz arrebitado
«Era uma vez um rapaz que perguntou a uma fada galdéria:
- Sabes porque é que eu não quero casar contigo?
- Sei, porque sou uma galdéria.
- Não, porque és demasiado velha para ser uma galdéria comme il faut.
- Mas quem te disse que eu quero casar com um francês? Sei lá se és de terceira geração...»
||| Leituras.
Nesta semana, três leituras que acabaram na madrugada de hoje: Os Dias de Veneza, de Eduardo Pitta (Quási), uma visitação à cidade e à sua mitologia, mas também à sua poeira -- ou seja, ao que da sua tradição literária circula hoje no nosso dia; Bilhete de Identidade, de Maria Filomena Mónica (Alêtheia), que me deixou com uma sensação muito estranha, a de estar diante de uma autobiografia não-autorizada; e o Codex 632, de José Rodrigues dos Santos (Gradiva), que não sei explicar senão em redor da construção de um Robert Langdon português (Tomás Noronha) que de repente se torna omnisciente acerca de Colombo. Voltarei a cada um deles. No fundo, são agora sete da manhã e acordar cedo não é motivação literária suficiente.
20 novembro, 2005
||| Novidades do sertão. Despacho de Goiânia.
Aqui, no Gândavo, novidades sobre o verdadeiro Super-Mário. O único.
||| Morreu o José Azevedo. O Peter do Café Sport.
Gostaria de ter uma história de amor nas ilhas
porque teria de ser perfeita, ou quase:
eu mudar-me-ia para o Faial, enquanto fosse tempo,
com pressa de viver. Aos sábados iria a Porto Pim
dormir a sesta, ou à praia do Almoxarife
buscar recados no canal e ver São Jorge ao longe.
Não sei se seria feliz, mas suponho que ninguém
é profundamente feliz longe das ilhas, da praça
diante do Pico, na Horta. Podia ter uma mesa certa
no Peter, ler jornais antigos
que chegaram do continente há muito tempo atrás.
Adormecer, enfim, nos teus braços,
se fosse contigo essa história de amor.
De O Medo do Inverno, 1995.
||| Sobre a moral.
«O que você faz quando
Ninguém te vê fazendo
O que você queria fazer
Se ninguém pudesse te ver
Mariana gosta de beijar outras meninas
De vez em quando beijar meninos
Só pra não cair numa rotina
É diferente mas podia ser»
Fragmento da canção «Quatro Vezes Você», da banda Capital Inicial.
||| Ainda «os beijos na escola».
A opinião de José António Saraiva no Expresso de ontem parte, digamos, de premissas erradas. A primeira delas é quando mistura (como acentuou Eduardo Pitta) alunas & magalas («O que faria o comandante de uma unidade se dois soldados do mesmo sexo...»). A segunda é quando ignora a diferença entre lei e costume. A lei não pode proibir que uma aluna beije a outra nem, sequer, que alguém se beije. O costume é outra coisa; se a lei pode afrontar o costume, os indivíduos devem saber que se trata de um combate lento, moroso e difícil. Mas devem saber que têm a lei do seu lado e que a lei não pode autorizar nenhuma forma de discriminação ou de perseguição. Pelo contrário, a lei deve punir os que discriminam ou perseguem. Finalmente, ao falar de bom-senso, JAS ignora de que lado esteve a falta de bom-senso: do lado dos perseguidores e dos cavernícolas.
Mas há, além do mais, uma nota preocupante, muito preocupante: quando diz que «não são as duas de Gaia: uma é brasileira e a outra portuguesa». Ser de Gaia, portanto, teria vantagens. Mas uma delas ser brasileira, a perversa e delambida, hein? Vir aqui perverter as jovens adolescentes lusitanas?
19 novembro, 2005
||| Quase uma milonga. A música de Vítor Ramil.
«As imagens descem como folhas
No chão da sala
Folhas que o luar acende
Folhas que o vento espalha
Eu plantado no alto em mim
Contemplo a ilusão da casa
As imagens descem como folhas
Enquanto falo
Eu sei
O tempo é o meu lugar
O tempo é minha casa
A casa é onde quero estar
Eu sei»
[...]
||| Seu Jorge. Brutal e diabólico e bonito.
Eu gosto de Seu Jorge (como do Zeca Pagodinho, do Paulinho da Viola, da Mart'nalia -- para fazer justiça à acusação do Ruy Castro). E depois de ouvir e ler algumas barbaridades sobre o assunto, recomendo o texto de Reinaldo Azevedo sobre a entrevista de Seu Jorge ao Roda Viva:
«Seu Jorge não quer ser mais escravo. A escravidão saiu de dentro dele. Ele não quer ser mais escravo porque é negro. Ele não quer ser mais escravo porque foi pobre. Ele não quer ser mais escravo porque é brasileiro. Ele não quer ser mais escravo porque é do Terceiro Mundo. Seu Jorge é senhor absoluto de sua vida: é senhor porque seus ancestrais foram escravos; é senhor porque é negro; é senhor porque foi pobre; é senhor porque é brasileiro. É senhor porque é do Terceiro Mundo. É senhor porque quer.O texto está, todo, aqui. Leiam.
Escrava, com todo respeito, de uma velha escola se revelou a maioria dos entrevistadores, isto sim, fossem brancos ou negros, militantes ou jornalistas. Pouco escapou. Um, branco, queria que Seu Jorge contasse como foi discriminado em Londres “porque era negro”. Os advogados putativos dos “perseguidos” têm sede de uma causa. Só que o homem não quis ser vítima, não. Contou que foi ele a esnobar os ingleses. Quanto voltou ao país, deixou claro, exigiu tratamento dispensado às idiossincrasias de um João Gilberto. Ele não berra. Ele canta. Ele não distribui panfletos. Ele pensa. Um outro, intelectual negro, porta-voz de uma causa, queria arrancar de Seu Jorge a declaração da supremacia da cultura negra, tão discriminada. E o cantor, nada! Para ele, tudo vale. Não tem essa de superioridade. O rochedo fica, poetizou. A onda bate nele, morre na praia, não dura.
Seu Jorge mora em São Paulo — “Túmulo do samba?”, alguém perguntou ao cantor fluminense. Que nada! Ele adora São Paulo. O samba não é o Rio. O Rio não é a Zona Sul. Seu Jorge fez blague com aquela gente tostadinha e progressista “que aplaude o pôr-do-sol”. Ah, o insofismável brilho do talento. Queriam porque queriam que ele se sentisse discriminado. E ele dizia: “Mas eu não sou”. Queriam porque queriam que ele exercesse o doce charme do vitimismo. E ele cada vez mais dono de si mesmo. Queriam porque queriam que ele carregasse uma bandeira. E ele fazia a apologia do esforço pessoal, do talento pessoal, da dedicação pessoal. “Mas, então, basta cantar?”, perguntou um outro já à beira do desespero. Não, tem de ter algo mais. Ele diz que educa os filhos de outro jeito. Quer que estudem, que se esforcem.»
18 novembro, 2005
||| Uma interrupção.
O caso das alunas da Escola António Sérgio (duas jovens de 17 e 19 anos beijaram-se numa escola e parece que namoram) está a ser uma fonte de preocupações para meio mundo. Compreendo. É que há versões. Como se dizia, há versões e versões. Neste caso há também aversões. Aquilo que me parece, à primeira vista, é que duas alunas, de 17 e de 19 anos, estão a despertar interesse graças à reacção pouco cuidadosa da própria escola e ao espírito filhadaputa da pequena moral. Se é verdade o que se escreveu na imprensa, se se confirma a denúncia de alguém da escola às famílias das alunas, se isso configura uma perseguição às alunas, trata-se de um problema sério. Não é grave; basta ler romances e puxar pela memória para descobrir casos semelhantes. Só que não estamos num romance de costumes nem a nossa memória tem de lidar com a justiça feita tarde demais; não há reparação que valha. Pessoalmente, incomoda-me que a moralzinha e a maldade das auxiliares educativas se sobreponha à serenidade e à dignidade com que a escola devia lidar com os factos (porque são factos; não são um problema). O pequeno mundo da província de Gaia pode ser tenebroso. À distância, aquele beijo parece uma intromissão de luz na pequena miséria da maledicência e do desastre, uma interrupção qualquer. Falo à distância. Mas é à distância que devemos falar; garantindo que não pode haver nenhum tipo de perseguição da escola e que a escola tem de garantir que as alunas não podem ser prejudicadas na sua condição de alunas (ou seja: passar de ano, se tiverem aproveitamento, chumbar se isso não acontecer), salvo se a situação configurar o que chamamos de «alteração da ordem pública», o que parece que, manifestamente, não acontece. A tenebrosa moral do povoléu precisa de um choque: transforma um beijo roubado num acto de exibicionismo, exibe aquilo que estava escondido, esconde a pequena miséria quando encontra vítimas a propósito. A pequena moralzinha, além do mais, é imbecil: como não conhece a tolerância, nem as palavras certas, nem a suavidade, trata de excitar os pobres de espírito com a rudeza e o erotismo dos valores morais. Erro sobre erro.
Gore Vidal dizia que sexo é política; eu acho que não. Não é uma luta minha, se me entendem. Mas se se trata de rir de cavernícolas e de defender as duas alunas, contem comigo. Como um liberal à moda antiga.
||| Mais Brasil, diferente.
Depois da edição de Um Céu Demasiado Azul, saiu agora As Duas Águas do Mar. Ambos na Record.
Só uma nota: eu nunca me importei que o editor brasileiro alterasse a ortografia dos meus livros. Não sou ortodoxo. Sou um traidor. Mas desde que outros autores apareceram nos jornais portugueses a dizer coisas como «eu nunca permiti que alterassem a ortografia dos meus livros no Brasil», sinto-me na obrigação de dizer o seguinte: não só eu não me importaria que o editor brasileiro propusesse algumas alterações à ortografia como, ainda por cima, o editor brasileiro exigiu que os livros saíssem sempre com ortografia do português de Portugal. Portanto, quando lerem aquelas declarações pomposas de autores a dizer que nem uma vírgula permitem que os brasileiros alterem nos seus livros, já sabem: é mentira. É só fita. Os editores não querem mesmo alterar.
||| Não me interessam as audiências.
Aqui está mais um exemplo da perfídia e do mau-carácter do género humano. Por isso está aí a capa da mais recente Playboy brasileira. E pergunta o leitor, indignado: «Sim, mas aqui?» Pois sim: aqui. E porquê? Não pelas audiências. Apenas pelo deleite intelectual. Porque a Playboy brasileira publica uma entrevista com Zezé e Luciano di Camargo, os sertanejos-protagonistas do filme Filhos de Francisco. Se há perfídia nisto? Não. Pois os Camargo até participaram nos comícios do PT. Nada de sectarismo. Mesmo se são cantores sertanejos. Além disso, há também uma entrevista com Pitty, a nova revelação musical local. Também é verdade que a Playboy publica um ensaio fotográfico com Mariana Kupfer, mas enfim, isso não é importante. Quem é a Mariana Kupfer?, pergunta o leitor, moralizador e inquieto. Que falta de cultura.
Bom, mas para quem gosta mais de teatro (Cissa Guimarães, aliás Beatriz Gentil Guimarães) do que de cinema (Zezé di Camargo e Luciano), a edição deste mês da revista Sexy é recomendável. Muito menos photoshop numa actriz a ultrapassar a década dos quarenta (48). Uma coisa como deve ser, portanto. E não, a Sexy este mês não tem crítica literária.
||| Comprar votos. Adenda a post.
O Rogério Barcelos Alves (é professor, vive em Porto Alegre e mantém o blog pessoal Conto as Favas*) comenta a compra de votos no Brasil:«Sobre a compra periódica de votos no Congresso Nacional, infelizmente, pode-se afirmar que é uma prática antiga e reiterada. Existe um histórico de cooptação ilegal do legislativo (e do judiciário) pelo executivo. Oficialmente, fazem-se acordos na divisão de esferas de poder, através de cargos e, extra-oficialmente, fazem-se com o repasse de recursos geridos por estes cargos aos destinatários. Toda a dinâmica é gerida pelos caciques dos partidos. No entanto, em momentos-chave, quebra-se a hierarquia e não se compra um partido todo, através de seu cacique, mas compra-se voto a varejo. No governo Fernando Henrique, a compra de votos, para aprovar a emenda constitucional que possibilitou sua reeleição, é um exemplo disso, mas não o único. O erro do PT não foi utilizar a compra de votos, foi abusar da compra de votos a varejo. Deixando de tratar com os caciques, que administravam internamente quem recebia quanto, e indo negociar individualmente houve a quebra de 'hierarquia partidária', no pior sentido do termo. Se, por um lado, essa desmedida de José Dirceu não pode passar impune, por outro, os mecanismos de cooptação não podem ser alterados. Por isso, Dirceu provavelmente será cassado. Por isso, não teremos reforma política (eleitoral). Mutatis mutandis, isso vale para discussão sobre caixa 2, que existe e continuará existindo, só não podendo ser utilizado para compras a varejo. Essa é a minha opinião sobre o tema.»
||| Afinal, havia alguma coisa. Brasil.
Nas últimas semanas, colunistas da situação, deputados e senadores, o Planalto e o Torto, tentaram evitar um relatório como este. Mas ficou escrito: «Houve distribuição de recursos ilegais a parlamentares.» Quer dizer: afinal, havia mensalão.
Na edição desta terça-feira, a Folha de São Paulo publicava um artigo de Roberto Mangabeira Unger intitulado «Pôr fim ao governo Lula» (disponível apenas para assinantes da Folha -- está online aqui). Está lá escrito porque se devem preservar os valores republicanos.
||| Babugem.
Fez ontem dois anos um dos blogs mais cativantes e com mais bom-gosto da blogosfera portuguesa.
||| Bernardo Pinto de Almeida.
Nada é perfeito como a tua noite
se um outro sol já nela se levanta
quota-parte de treva que anuncia
a traço grosso o rosto claro instante.
Olhos febris a boca estremecendo
à simples sugestão da queimadura
movimento subtil age os quadris
de um frémito possante os insinua.
Barco fundeado no horizonte
movimento do vento que se espanta
se acaso a luz feroz evidencia
prata líquida de fuel flagrante.
A noite inunda-te. Pueril respiração ao peito erguendo
o que espelha no mar sua moldura
zona de sombra onde tudo me diz
que antes mesmo da nudez já estavas nua.
Bernardo Pinto de Almeida, Segunda Pátria.
Edição & etc.
[Capa de Mário Cesariny]
||| Malaquias.
Olha, Alberto: eu o Malaquias não conheço, mas tu podes fazer greve por quanto tempo quiseres. Espero que a administração e a comissão de trabalhadores do blog se desentendam definitivamente (como convém à ordem das coisas) porque nessa balbúrdia é que sabe bem escrever. Mas o que é importante é que a ameaça não pegou.
||| Paciência.
Já se sabe que cada um escolhe a campanha que quer. E que pode. A campanha de Mário Soares centra-se numa obsessão: Cavaco. Mas, mesmo respeitando a figura, o papel e a memória de Soares, lendo bem as suas declarações nos últimos oito dias, fico com a impressão de que está a tornar-se um chato.
17 novembro, 2005
||| Declaração de interesses.
O artigo desta semana no Jornal de Notícias.
||| Preconceitos de classe.
Três dos tabus dos últimos dias. Primeiro: que o facto de Manuela Ferreira Leite ter dito que o PSD votou mal ao votar contra o Orçanmento Geral do Estado, significa que há divisões sérias no PSD e que (ah, que saudades da teoria da conspiração!) isso é o primeiro sinal de que, com Cavaco na presidência, Marques Mendes tem os dias contados. Segundo: que a disposição de Mário Lino ao afirmar que quer chamar a si o Metro do Porto não significa que quer chamar a si e ao governo o Metro do Porto. Terceiro: que a entrevista de Cavaco Silva na TVI correu assim-assim a Cavaco e que foi eficaz «para quem interessa».
São preconceitos ridículos de classe política. Na verdade, as coisas passam-se de outra maneira. Primeiro: Manuela Ferreira Leite disse aquilo que o PSD devia dizer (ou seja, que o voto correcto do PSD era a abstenção) mas não disse sob pena de se achar que o PSD andava a dizer o que não devia dizer. Segundo: Mário Lino (como muito bem escreve David Pontes no JN de hoje) quer chamar a si o Metro do Porto e não é para evitar desregramentos orçamentais mas para tutelar politicamente a empresa. Terceiro: a entrevista de Cavaco Silva na TVI tanto me faz que tivesse sido eficaz «para quem interessa» -- a mim pareceu-me fraca.
||| Revista de blogs. Literatura.
«Eu nestas coisas gosto dos livros ingénuos. Quando o amor morre, vira estrela.»
{Francisco Trigo de Abreu, no Mau Tempo no Canil}
||| A minha lista.
Os meus prováveis cinco romances dos últimos trinta anos: Vergílio Ferreira, Para Sempre; Agustina Bessa-Luís, Os Meninos de Oiro; António Lobo Antunes, Manual dos Inquisidores; José Cardoso Pires, Alexandra Alpha; José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães. Sim, Sinais de Fogo, de Jorge de Sena, como póstumo. Podem não ser os melhores romances; mas explicam-me os últimos trinta anos.
||| Uma melancolia.
Ver este texto do A Natureza do Mal (assinado pelo Luís): «Falo de um tempo em que ainda não éramos tantos.»
||| Os cinco romances.
O Luís (A Natureza do Mal) lançou o desafio: quais os cinco melhores romances dos últimos trinta anos? Solvstäg já respondeu: Sinais de fogo, de Jorge de Sena; Um amor feliz, de David Mourão-Ferreira;Aparição, de Vergílio Ferreira; Auto dos danados, de António Lobo Antunes; Mau tempo no canal, de Vitorino Nemésio. E Eduardo Pitta: Sinais de Fogo, de Jorge de Sena; O Concerto dos Flamengos, de Agustina Bessa-Luís; Lucialima, de Maria Velho da Costa; Portuguex, de Armando Silva Carvalho; e Balada da Praia dos Cães, de José Cardoso Pires.
||| Autobiografia.
Na universidade discutia-se muito o «espaço autobiográfico»; no «jornalismo cultural» a discussão alastrava também. E na crítica literária, na «análise textual», na vida inteira. Ah, este personagem do livro és tu? «Viveu mesmo esta cena do seu livro?» «Há aqui uma marca autobiográfica, não?» Não. A vida nunca está em nada disso. E, se está, não é aquela. O que se escreve num blog não substitui nada. Não interpretem mal. Não interpretem nada.
||| Uma interrupção politicamente correcta e pedagogicamente assim. {Actualizado}
Literatura gay para crianças na Argentina. Aliás, trata-se do "1º Concurso de Contos Infantis sobre Diversidade Sexual".
Como alguns leitores (incluindo o J. Flávio, aí nos comentários) tiveram dificuldade em ler o texto da edição de O Globo de ontem (julgo que só está acessível a assinantes), publiquei-o aqui, onde também pode ser lido.
14 novembro, 2005
|||Caetano: O Mundo não é Chato. {mais actualizado}
Recolha de artigos, contracapas de discos, prefácios e polémicas, aí está O Mundo não É Chato, de Caetano Veloso (edição da Companhia das Letras, no Brasil). Surpreendeu-me. Mas eu não tinha gostado de Verdade Tropical.
P.S. - Descansa, Ivan. Eu arranjo-te um exemplar.
ADENDA: Informação importante do Ricardo Gross (desculpa, Ricardo, sou um analfabeto em matéria de pop...): «Esse livro saiu cá integrado na colecção do O Independente orientada por Vasco Rosa.» Outra coisa, o blog do Ricardo faz dois anos na quinta-feira. Bom, acontece que a edição que agora saiu na Companhia das Letras, no Brasil, tem mais textos do que a «edição de Lisboa» e inclui dois textos inéditos do próprio Caetano. Além de estar organizado de outra forma.
||| O cantinho do hooligan.
Sim, eu tenho pena pelo que está a acontecer com Jorge Costa. E, como portista, gostava que, caso o Jorge fosse para o Standard de Liège, fosse uma época tremenda, de fazer inveja, para vergonha da SAD do FC Porto e dos dirigentes do FC Porto, e é assim a vida.
||| Esclarecimento.
Para os leitores do Origem que acham, ainda hoje, que a crise do mensalão brasileiro se reduz à utilização do célebre caixa dois, enumero algumas das acusações e suspeitas: uso do caixa dois, uso indevido de dinheiros públicos para benefício do Partido dos Trabalhadores, desvio de dinheiros públicos para benefício de dirigentes políticos (do PT, PP, PL, PTB, PMDB, etc.), assassinato não esclarecido de dois prefeitos petistas que levantaram problemas à liderança do PT (como o caso de Celso Daniel, de Santo André), uso de dinheiros do Banco do Brasil para benefício do PT e de campanhas eleitorais, pagamento de campanhas eleitorais no país com fundos provenientes de outros países e de organizações criminosas (como as Farc colombianas), corrupção na máquina do Estado sob direcção de responsáveis políticos do PT, extorsão, associação criminosa, favorecimento estatal de empresas de membros do governo e de familiares de membros do governo (como o filho do próprio Lula, com cerca de 5 milhões de reais), pagamento de avenças mensais a deputados da oposição que votariam de acordo com o governo, pagamentos de campanhas eleitorais realizados em off-shores e com fundos não explicados. A lista segue.
||| Comentários.
Não tenho nada contra os comentários. Mas tenho contra os comentários anónimos. A partir de agora, o Origem das Espécies não permite comentários anónimos.
13 novembro, 2005
||| Amiguinhos do Internet Explorer...
Podem ir aqui e passar a usar outro browser. Kill Bill's browser.
||| Angola no mensalão brasileiro.
Depois das ligações às Farc, a Cuba, a Portugal -- o mensalão também em Angola mais uma vez.
||| A Veja mente e só a verdade é revolucionária.
Isto tinha de acontecer. Depois de duas semanas com o governo brasileiro e o PT (sem falar da habitual meia-dúzia de palermas tanto no Brasil como em Portugal, que acham que política é matéria de fé) mostrando a sua face escandalizada acerca da mais recente denúncia publicada na Veja, a edição desta semana apenas confirma a reportagem: sim, Lula recebeu dinheiro de Cuba (cerca de 3 milhões de dólares) para sua campanha eleitoral. Estão nesta edição gravações e imagens.
Mais: o ministro Palocci andou a perguntar «sobre formas de trazer dinheiro de Cuba para o Brasil». Palocci, ministro da Fazenda, está de partida depois de entrar em rota de colisão com os patrulheiros do PT; para culminar, depois de ter sido acusado durante meses, de favorecimento e outras ilegalidades, Palocci é acusado esta semana de ter aceite uma doação de um milhão de reais de de empresários de bingo. Para quem esteve atento à política brasileira dos últimos dois anos, a palavra «bingo» é uma espinha encravada na garganta de Lula.
||| Modelo social.
Nos comentários, chamam a minha atenção acerca do problema francês: «em vez de se reivindicar mais estado social talvez se devesse pedir um estado mais social». Irra. Como é que eu pude ser tão brutal e, passivelmente, ignorante? Simples: porque não consigo compreender como o «estado social» francês pôde gerar, ampliar e tornar tão confortável o racismo e o provincianismo franceses, o mesmo racismo que atira emigrantes para os novos e velhos subúrbios e gasta dinheiro com eles, desde que eles não apareçam, impantes da sua ignorância e brutalidade. Porque não consigo perceber como o extraordinário «modelo social» serviu para criar barreiras cada vez maiores entre «os cidadãos» em vez de as diluir. A menos que esse «modelo social» tenha como função, oh flagrante pequenez europeia, criar e proteger cidadãos cada vez mais egoístas, preguiçosos, com vidas confortáveis e miseráveis, que preferem alimentar de subsídios as vacas francesas a encarar uma mínima mudança de vida, e que se vêem -- ah, coitadinhos -- forçados a votar Chirac para não cairem nas mãos de Le Pen. Chirac, o antiliberal; Chirac, o que jurou defender até ao fim (que nunca mais vem) o seu «modelo social»; Chirac, o que em plena campanha eleitoral não se cansou de mencionar os bairros de imigrantes -- antes de se ter vergado ao «modelo social» e às suas corporações. Mundo estranho, mundo estranho.
12 novembro, 2005
||| Mais novidades.
Veja as últimas actualizações do blog de Josias de Souza para perceber por que Antônio Palocci vai sair do governo Lula e como Lula se contradiz quando murmura que não trabalha para abafar o escândalo.
||| A Veja mente. Só a verdade é revolucionária.
A campanha «A Veja mente» é dirigida por jornalistas que frequentemente foram desacreditados nas suas colunas, ou por colunistas que se limitam a defender a fé superior no lulismo. Uma coisa é certa: em matéria de «mensalão», a Veja ainda não foi desmentida. Mais: têm vindo a confirmar-se todas as histórias publicadas pela Veja. Pelo contrário, por mais entrevistas que Lula conceda (como a do «Roda Viva»), o que fica é apenas o discurso, nem sequer um desmentido.
P.S. - O principal argumento é o da ligação entre a Veja e o grande capital. Nunca o de as suas notícias serem, ou não, desmentidas.
P.S. 2 - Para quem quer seguir, em ritmo de blog, a crise política brasileira, ver o Gândavo, do Gonçalo Soares.
||| Estado social.
É curioso como os defensores do «estado social francês» reivindicam mais «estado social» depois de o «estado social francês» ter falhado redondamente na criação do «estado social».
||| Mais histórias mínimas.
Chegaram muitas, entretanto. E foram publicadas outras.
Por exemplo, a versão B-Site:
«Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– É sempre a mesma história. Fim.»
«Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:A versão de perseguição do Mi-Nhou /Sexlibris:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Donde teclas? Fim.»
«Era uma vez um homem que perguntou a uma mulher:
– Queres casar comigo?
Ela não sorriu. Tinha um vestido muito curto. Ainda assim, ele foi atrás, claro.»
A versão clássica do Álvaro:
«Era uma vez um homem que perguntou a uma mulher:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Já resolveste o problema com a tua mulher?
– Não. Mas já convenci o teu marido a acabar com ela.»
A versão moderna da Sofia Bragança Buchholz:
«O mais curto conto de fodas do mundo.
Era uma vez um Lobo Mau que encontrou um Capuchinho Vermelho num chat. Perguntou-lhe se a podia comer, ela aceitou. Depois cada um foi à sua vida e viveram felizes para sempre. Fim.»
E a versão choque tecnológico do Manuel, do A Grande Loja do Queijo Limiano:
«Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Não. Já tenho computador e ligação à internet. Fim.»
09 novembro, 2005
|||Carpe diem. [Nuno Júdice]
Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio --- nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.
||| Alguém para negociar?
Apesar de tudo, este atentado é mais grave do que os cometidos na Arábia Saudita.
||| Reprise: História 8 (a versão Contra-Indicado)
«O mais curto conto de fadas do mundo.
Era uma vez um rapaz que não perguntou nada a uma rapariga.
E viveram felizes para sempre. Fim.»
||| Reprise: História 7 (as versões Bombyx Mori)
«As mais velhas histórias (sem história) do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Sim.
– Estás sem sorte nenhuma. Já sou casado. Fim.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Sim.
Ele limitou-se a encolher os ombros. Fim.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Sim.
Ele pediu-lhe desculpa e foi à vida. Fim.»
||| Reprise: História 6 (a versão do Francisco Curate)
«A mais curta tragédia do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Sim.
E no dia do casamento ele surpreendeu-a, entre flores esconsas e mesas derrubadas, a pinar com o seu melhor amigo. Fim.»
||| Reprise: História 5 (a versão José Flávio)
O curto conto de fadas no mundo.
Era uma vez um homem que perguntou a uma mulher:
- Quero casar aquela?
Ela respondeu:
- Aquela? Não. É magra. Aquela outra é melhor.
Ele respondeu:
- Tá bem.
Ela disse:
- He!, anda casar meu marido.
Daí estes, e ainda mais outras, viveram. Ele de ela em ela enquanto
sim. Depois não. Fim.»
||| Reprise: História 4 (a versão do Rui M.C. B.)
«A mais curta tragédia do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela riu. Fim.»
||| Reprise: História 3 (a versão CobreCanela)
«O mais curto conto de fadas do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Não.
E ambos viveram felizes para sempre, cada um no seu espaço próprio e com direito à sua individualidade, sem necessidade de grandes concessões, encontrando-se de vez em quando para umas valentes quecas, umas boas conversas e tudo o mais que lhes apetecesse, sem quaisquer sentimentos de posse e por isso mesmo sempre tudo vivido intensa e apaixonadamente, como se cada vez fosse a última. Fim.»
||| ||| Reprise: História 2 (a versão Rititi)
«O mais curto conto de fadas do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Não.
E a rapariga viveu feliz para sempre, pegada ao vibrador, sem marcar a hora para a depilação, e sem ter de aturar a sogra, a bola, os ciúmes, os jantares com os colegas do gajo, os boxers espalhados pelo quarto, os pêlos na banheira. Fim.»
||| Reprise: História 1
«O mais curto conto de fadas do mundo.
Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Não.
E o rapaz viveu feliz para sempre, caçou, foi à pesca, teve sempre tempo para ver os jogos na Sport TV, bebeu a cerveja que aguentou, e voltou para casa sempre à hora que lhe apeteceu. Fim.»
||| Já a seguir, uma reprise e três novidades.
As histórias mínimas. Todas juntas. Esperem um pouquinho.
08 novembro, 2005
||| Extinção da Comissão de Descobrimentos.
O que me preocupa não são as contas bancárias, mas sim o espólio, que era mais valioso.
||| Muito mais imoral.
O João M. Fernandes emigrou das Terras do Nunca para o French Kissin'. É um upgrade.
07 novembro, 2005
||| Toda a vida que nos salva.
Em algumas circunstâncias, qualquer história comovente devia servir para ser contada.
||| Finalmente, uns tempos de férias.
My blog is worth $195,878.32.
How much is your blog worth?
Basta haver quem queira comprar uma parte.
||| A ausência de República, 3.
Sobre as questões levantadas nos posts anteriores, escrevi há tempos dois textos no Jornal de Notícias -- um na altura da discussão sobre a lei de estrangeiros (de 2004) e outro durante o célebre arrastão de Carcavelos (já de 2005, portanto):
Desaprovando largamente a vinda de pretos e de emigrantes de Leste, sem falar dos brasileiros, os «portugueses» viveram os anos oitenta e noventa à sombra de muito do que os estrangeiros fizeram por eles – das auto-estradas à Expo98. Os «portugueses» não se incomodaram com o facto de milhares de trabalhadores africanos viverem em condições degradantes nos estaleiros do Alqueva, no lamaçal da Expo e nas encostas da Venda Nova. Apreciavam, até, o ponto de vista «étnico», com os bares caboverdianos e as discotecas angolanas, ou o serviço doméstico barato – mas nunca prestaram atenção (salvo quando eram atingidos) à espiral de violência que tomava conta dos subúrbios e lhes destruía os comboios de Sintra. Daí, passaram a olhar de viés os brasileiros: entre eles, os dentistas (que vieram tornar mais acessível o mercado) e os empregados de lojas e restaurantes (que atendiam melhor). Depois, vieram os emigrantes de Leste, que – mesmo sujeitos às mafias criminosas que andavam à solta pelo País – pela sua competência conquistaram lugares na construção civil, no serviço doméstico e na pequena indústria (muitos deles com qualificação superior). Texto completo aqui>>>>>>>>>>.
O presidente Sampaio foi à Cova da Moura. Devia ir mais vezes porque vivem lá portugueses e não pretos. E o presidente da Câmara da Amadora também. Se aquelas pessoas são portuguesas, são portuguesas – devem obedecer às nossas leis, ser tratados como cidadãos, presos se cometem crimes, hospitalizados se estão doentes, perseguidos se praticam excisão feminina, e os seus filhos educados nas escolas públicas. Essa é a lei que eu defendo. Se não são portugueses, devem comportar-se como estrangeiros e respeitar o país onde vivem até que decidam, de acordo com uma lei justa e generosa, optar pela nossa nacionalidade. E aos estrangeiros devemos também um pouco de atenção. Nós fomos estrangeiros em qualquer outro lugar da nossa vida. Isto não evita os arrastões, mas ajudará bastante. O pior racismo é o da iniquidade com que se permite a miséria. A pretos ou a brancos. Texto completo aqui>>>>>>>>>>.
||| Aspects of the Theory of Syntax.
Chomsky. The greatest intellectual?
||| Leituras soltas. J.M. Coetzee.
«Nesta terra deserta é difícil guardar segredos. Vivemos nus, expostos ao olhar de lince de cada um, e suportamos mal essa nudez. O ressentimento que sentimos uns pelos outros, embora enterrado bem cá no fundo, vem por vezes à superfície e abafa-nos e, então, damos grandes passeios de unhas enterradas na palma das mãos. Só enterrando os grandes segredos dentro de nós é que os podemos guardar. Somos calados porque temos muita coisa dentro de nós que pode extravasar em qualquer altura. Procuramos objectos para podermos odiar e, quando os encontramos, a nossa fúria não conhece limites.»
J.M. Coetzee, No Coração desta Terra (D. Quixote)
||| A ausência de República, 2.
O presidente Jorge Sampaio esteve hoje em Belmonte, no museu judaico. E disse que temos de «defender aquilo que é a capacidade de integração, de conviver com o outro, de termos as minorias que se possam exprimir da forma que queiram. Isso faz parte do nosso país, da nossa cultura». Sampaio falava sob duas correntes de emoção: a da visita ao Museu Judaico, testemunha das perseguições aos judeus; e a dos acontecimentos em França. Há certamente um lapso do presidente: as minorias, ou as maiorias, não podem exprimir-se «da forma que queiram». É o dilema da República, na mesma: se uma comunidade decidir instituir a excisão genital feminina, o sacrifício ritual de animais, a violência doméstica, a escravatura, o ataque indiscriminado contra o Estado e o país de acolhimento, o desrespeito pela lei geral que deve reger todos os cidadãos -- independentemente da sua religião ou origem --, como deve o Estado reagir?
||| Revista de Blogs. Saramago no Brasil.
«O Saramago é a Naomi Campbell portuguesa, volta e meia aparece no Brasil, fazendo beicinho e é mal humorado. Só não é bonito como ela.»
{Maura Paoletti, no Diário de Lisboa / The Lisbon Giraffe}
||| A ausência de República.
Nas declarações mais recentes de Sarkozy sobre o descalabro francês, há uma palavra que entra agora: República. Chirac já a tinha usado. O Estado francês tem-na guardada para estas eventualidades. O que o Estado diz é isto: a República vai estender-se a todo o território. Por outras palavras ainda: «Partout sur le sol de la République, et pas seulement dans les beaux quartiers, les Français ont le droit de vivre en sécurité.»
A Europa actual, das classes médias e dos políticos esclarecidos, transformou a emigração numa questão moral, mas não está disposta a pagá-la com o seu dinheiro. Só assim se explica que o discurso em relação à emigração seja humaníssimo e moral -- mas que as leis e a sociedade estejam de costas voltadas para as vagas de emigrantes que chegam todos os dias, atravessando o Mediterrâneo. Isso explica a contradição básica entre o estado social e moral europeu, e os bairros onde o Estado não existe e onde crescem as ruínas. A primeira exclusão é a da lei.
||| Recortes.
De entre as coisas da imprensa que recortei do fim de semana há o editorial do Manuel Carvalho, no Público de domingo. Manuel Carvalho queixa do silêncio dos políticos e do dever de os fazer falar (cometido ao procurador-geral, Souto Moura) -- a propósito do caso Eurominas. Estão em causa, lembro, 12 milhões de euros («uma pipa de massa», como diz João Cravinho) negociados entre o governo (o Estado) e a Eurominas. Ao apreciar os nomes dos personagens envolvidos, precisamos de notar que uns & outros mudam de campo conforme as circunstâncias. Mas os nomes vagueiam no processo.
O Brasil pôde investigar o mensalão -- e a sua imprensa e as comissões parlamentares de inquérito funcionaram. Em redor do «caso Eurominas» e das suas ramificações, investigadas por José António Cerejo, jornalista do Público, há um silêncio de podridão. Mas que não augura nada de bom para os políticos profissionais. Esse silêncio é inconcebível numa democracia.
||| Revista de Blogs. Lisboa, 1973.
«Lisboa, domingo, duas horas na rua. Igualzinho ao que era em 1973, por esta altura do ano: um friozinho pindérico, famílias compostas, matriarcas de voz grave, herdeiros muito louros e irreverentes (hoje só no trazerem o cós das calças a meio dos pêlos púbicos), o BMW em contravenção, a pesporrência altissonante do dinheiro. Tal como em 1973, nada produzimos.»
{Eduardo Pitta, no Da Literatura}
||| Texto mínimo / A mais curta tragédia do mundo
O Francisco Curate continuou a saga do texto mínimo:
«Era uma vez um rapaz que perguntou a uma rapariga:
– Queres casar comigo?
Ela respondeu:
– Sim.
E no dia do casamento ele surpreendeu-a, entre flores esconsas e mesas derrubadas, a pinar com o seu melhor amigo. FIM.»
||| Livros.
Actualizações no Livro Aberto.
||| Boas ideias.
Entrevista de Mariano Gago (RR, ontem; na 2: hoje; no Público hoje). Sobre as praxes académicas, o ministro diz o essencial: que as universidades não devem ser lugares onde a lei não se aplica. Aliás: o ministro fala de um novo caso de uma estudante de Bragança -- e não entra em mais detalhes. Mas devia denunciar. As praxes académicas são a pequena babaridade das universidades do fascismo.
Outro ponto a favor de Mariano Gago: o seu ministério vai «solicitar à OCDE a avaliação do ensino superior português». E depois: «O país tem de saber quais são as melhores e piores instituições.» Mas esse parágrafo termina enigmaticamente: «O objectivo final é que o estudante saiba que o seu ensino superior é reconhecido internacionalmente.» E se o relatório da OCDE for, imaginemos, muito negativo? Esconde-se o relatório, como se faz de vez em quando?