31 maio, 2007

||| Livros em Desassossego.
Sessão memorável, debate, muitos livros novos sobre a mesa, sala cheia, conversa até tarde (ainda está a decorrer, eu é que vim fumar um nadinha para a varanda...). Não sei o que acontecerá daqui a uns tempos à Casa, mas os Livros em Desassossego é uma das coisas que espero que nunca se percam.
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||| Ainda a tempo.









Daqui a nada, às 21h30, na Casa Fernand0 Pessoa, mais uma edição dos Livros em Desassossego: vai discutir-se o papel dos livreiros e das livrarias no debate com as presenças de Antero Braga, da livraria Lello & Irmão, André Dourado, da cadeia de livrarias Bulhosa, e Jaime Bulhosa, que se prepara para abrir uma nova livraria em Lisboa, a Pó dos Livros. Antes disso, Maria do Rosário Pedreira, a editora da QuidNovi, escolhe três livros recentes que gostaria de ter sido ela a editar e José Eduardo Agualusa, recentemente distinguido com o prémio de ficção estrangeira do jornal britânico The Independent, apresenta o seu novo romance, As Mulheres do Meu Pai. Coordenação, como sempre, de Carlos Vaz Marques.
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||| Boaventura.
O artigo a que se refere este post foi publicado, também, na Folha de São Paulo, como adverte o Bruno Sena Martins. Está aqui.
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||| Regras da política.
O que é o centrão? Entre outras coisas é assistir à indignação de Marques Mendes, no parlamento, acerca da intromissão do Estado na vida das famílias, a propósito da «obrigação de declaração das doações realizadas entre pais e filhos e entre marido e mulher» – e descobrir que esta interessante norma tinha sido introduzida pelo governo do PSD.
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||| PRÉ-PUBLICAÇÃO: As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa.









(Os sonhos cheiram melhor do que a realidade.)


O meu pai é um homem de paixões. Durante alguns anos dedicou-se à fotografia e ao cinema. Comprou uma câmara de filmar, Super 8, que levava para toda a parte. Foi por causa dele e do seu entusiasmo, e por causa também daquela velha câmara, hoje minha, que me tornei documentarista. Lembro-me, eu era adolescente, em Lisboa, de Dário armar um pequeno écran na sala de visitas, e de projectar slides, ou filmes, sobre Lourenço Marques ou a Ilha de Moçambique. Num deles estou eu, com pouco mais de um ano, numa piscina, dentro de uma bóia com o formato de um pato, a bater na água com ambas as mãos. Ao fundo, o imenso mar anil. Noutro filme aparece a minha mãe com uma cana de pesca nas mãos. Dário via as imagens em silêncio, saboreando um Martíni. No fim, suspirava:
– Ah, Moçambique! Foram anos felizes. Às vezes sonho com aquele tempo. Depois acordo e ainda sinto nos lençóis o cheiro de África. Quem não sabe o que é o cheiro de África não sabe a que cheira a vida!...
Quando o avião aterrou em Luanda e abriram as portas, parei um instante no cimo das escadas e enchi os pulmões de ar. Queria sentir o cheiro de África. Mandume abanou a cabeça, infeliz:
– Merda de calor!
Enfureci-me:
– Ainda nem pisámos em terra e tu já protestas. Não sabes apreciar as coisas boas?
– Que coisas boas?
– Sei lá, o cheiro, por exemplo. O cheiro de África!
Mandume olhou-me, perplexo:
– O cheiro de África?! Cheira a xixi, caramba!...
Fiquei calada. Cheirava mesmo.

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A verdade é que não sei ainda se a amo ou se a odeio. Falo de Luanda. A vivenda do general N'Gola fica no centro de um pequeno jardim tropical, com palmeiras, bananeiras, um lago redondo com repuxo e peixes vermelhos. Havia diversas mesas de ferro dispostas ao redor de uma piscina muito bonita. As pessoas conversavam tranquilamente. Bebiam e comiam. À mesa em que nos sentaram estava um jovem empresário – "importo vinhos e bebidas espirituosas", disse-me, ao apresentar-se – acompanhado pela mulher, uma rapariga gordinha, com um rosto perfeito, recém-formada em economia no Rio de Janeiro. Estava ainda um rapaz alto, de ombros largos, que me cumprimentou com alegre irreverência:
– Tia Laurentina, acertei?, a avó contou-me. Houve quem tivesse feito apostas sobre quantos filhos do avô Faustino, filhos desconhecidos, claro, iriam aparecer no funeral. Apareceram dois, você e um militar, lá do Sul...
Devo ter corado. Ele percebeu o meu desconforto:
– O que é isso? Não se zangue. Você faz parte da família. Lamento que não tenha conhecido o velho em vida. Ele era uma pessoa extraordinária. Estamos todos felizes por você ter aparecido. Eu, em particular, que ganhei uma tia tão bonita. Ainda não me apresentei? Perdão, chamo-me Bartolomeu, Bartolomeu Falcato, e sou o filho mais velho da Cuca...
Mandume interrompeu-o:
– Quantos filhos teve o seu avô?
Bartolomeu riu-se. Riram-se com ele o empresário e a mulher.
– Segundo o avô dizia, 18. Sete mulheres e 18 filhos.
– Era um homem africano – o empresário piscou-me o olho cúmplice. – Aqui em África ainda sabemos fazer filhos, não é como vocês lá na Europa. Quem está a salvar a Europa da implosão demográfica são os imigrantes africanos. Os europeus deixaram de fazer filhos. Têm, presumo eu, outras coisas com que se ocupar...
– Quantos filhos tem você?
– Eu?! Só um, mas eu ainda sou muito novo...
– Muito novo? Tens 33, meu camba. Aqui na terra já és cota. – Bartolomeu dizia isto às gargalhadas. – Lembra-te que a esperança de vida em Angola é de 42 anos. Já uma criança que nasça em Portugal pode viver 77 anos. Um angolano de 33 anos equivale a um português de 68. A tia tem razão, enquanto africano tu és uma fraude!
– E você, quantos filhos tem?
– Nenhum, tia. Sou uma fraude completa. Para começar, tenho esta cor, que não me dá credibilidade nenhuma enquanto africano. O mês passado fui a Durban a um encontro de escritores. Havia escritores de vários países da chamada África Negra, além de um americano, um indiano e uma jovem indonésia, por sinal linda de morrer. Alguns escritores não esconderam o espanto quando me apresentei, "Bartolomeu Falcato, angolano". Dois quiseram saber se viajava com passaporte português. A terceira pessoa que me fez essa pergunta, a jovem indonésia, teve pouca sorte. Explodi. Disse-lhe que no meu país só os polícias de fronteira é que costumam pedir-me o passaporte. Ainda lhe perguntei se trabalhava para os serviços de emigração. Ganhei uma bela inimiga, claro. Quer ver o meu Bilhete de Identidade, tia? Leia aqui, onde diz raça, consegue ver? Está escrito branco. Já o meu irmão mais velho, ali naquela mesa, sim, esse, o escurinho, foi classificado como negro. Irmão do mesmo pai e da mesma mãe. Pelo menos da mesma mãe é de certeza...
– Como é então, Bartolomeu?! – Ralhou o jovem empresário. – Vamos lá a mostrar mais respeito pelos cotas!
Bartolomeu riu-se. Dir-se-ia que estávamos numa festa de aniversário, embora eu tenha surpreendido uma ou outra senhora a limpar com o lenço uma lágrima furtiva. Dona Anacleta, não. Presidia à maior das mesas, muito direita, muito digna, comandando as empregadas com a simples autoridade do olhar. Bartolomeu pousou a mão no meu braço:
– Soube que é documentarista...
– Sim, sobrinho, venho sendo.
– Então já temos mais alguma coisa em comum, além do parentesco. Eu trabalho para a Televisão. Aqui podemos dizer apenas a televisão. Só há uma. Tirei um curso de cinema em Cuba. Além disso, escrevo. Publiquei dois romances.
Mandume reparou na mão dele. Não disse nada. Bartolomeu continuou:
– Também soube que pretende realizar um documentário sobre esta viagem que faz.
– Como soube?
– Neste país tudo se sabe. Tenho uma proposta. Talvez lhe interesse...
– Só admito propostas honestas...
– Esta é honesta, tia. Gostaria de filmar contigo, vamos tratar-nos por tu, está bem? Gostaria de filmar contigo um documentário sobre a vida do velho Faustino. Um road movie. A minha ideia seria partir de Luanda, com um bom jipe, e parar em todas as cidades onde ele viveu: Benguela, Mossâmedes, Cape Town, Maputo, Quelimane e Ilha de Moçambique. Entrevistaríamos as pessoas que o conheceram, músicos que trabalharam com ele. O Hugh Masekela, por exemplo, sabias que o velho tocou com o grande Hugh Masekela?...
Eu não sabia. Escrevo estas notas no quarto onde estamos instalados, no hotel Panorama, um edifício elegante, erguido sobre as areias da ilha. Tem o mar à frente e o mar atrás. Através da janela vejo as luzes da cidade reflectidas no espelho preto da baía. À noite, vista daqui, Luanda parece uma metrópole imensa e desenvolvida. A escuridão oculta o lixo e o caos. Penso no meu pai. Quis saber o que achava Mandume acerca da proposta de Bartolomeu.
– Uma completa estupidez! – gritou-me. – A nossa ideia era apenas filmar o encontro com a tua família. Ficamos mais duas semanas, conforme o combinado, e depois regressamos a Portugal.
Tentei argumentar. Quanto mais penso no projecto do meu jovem sobrinho mais me entusiasmo. Disse-lhe que me parecia uma excelente ideia e que me faria bem. Ajudar-me-ia a descobrir o meu pai. E em Moçambique poderia procurar Alima, a minha mãe biológica.
Imagine-se – e se eu encontrar a minha mãe?
– Sim, se a encontrares, o que é que lhe dizes?! – Mandume irónico. – Olha mamã, sou a tua filha. A filha que tu pensaste que tinha morrido no parto...
Irritei-me. Gritei:
– Já estou farta de ti!
Mandume saiu do quarto furioso. Bateu com a porta.
Passa da 1h da manhã e ainda não regressou.

Capítulo 1, Parte I
||| Capítulo 1, Parte II


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||| Ler.








Em definitivo, Mafalda Lopes da Costa deixou a revista Ler.
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||| O cantinho do hooligan. Anderson.
Podiam despachar, dispensar, alugar, revender, trespassar, fuzilar, uma série de jogadores. Mas não. Foi o Anderson. No ano passado, Diego (e o Hugo). Agora o Anderson. Acho bem que os meus amigos sportinguistas festejem a saída de Nani. Mas a de Anderson eu não sou capaz de festejar. Nem me apetece lembrar o assunto. Só falta agora Quaresma sair para o Real.
P.S. - Sim, foram 30 milhões de euros. Olha que contente que eu fico.
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||| Chávez, o socialismo do século XXI.
Eu não li, mas a Sofia Galvão tomou nota do assunto. Boaventura de Sousa Santos festejou (na edição de 24 de Maio da revista Visão) o socialismo do século XXI do comandante Hugo Chávez: «(…) em 2005, o Presidente da Venezuela colocou na agenda política o objectivo de construir ‘o socialismo do século XXI’.» Os «socialismos do séc. XXI» , entre os quais o venezuelano, «terão em comum reconhecerem-se na definição de socialismo como democracia sem fim». Agradecemos penhoradamente ao Prof. Boaventura Sousa Santos essa profissão de fé tão devastadora. Ficámos definitivamente esclarecidos. Para nunca mais.
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30 maio, 2007

||| Erros ortográficos (A Corporação), 3.
Há uma razão para, no post anterior, eu ter enumerado os cidadãos, os eleitores, os encarregados de educação, os professores, «a comunidade educativa». Ontem, na lista de comentários a esta notícia do Público, havia leitores que se insurgiam contra os que estavam sempre do contra. Creio que, em breve, vamos ter a ortografia sujeita a plebiscito e os enunciados de exames a depender de uma comissão parlamentar. Chegámos a um ponto terrível de perversão do debate de matérias educativas: quem contesta um método de avaliação (mesmo que seja tão polémico como este) é julgado politicamente, rotulado de «oposição», executado como traidor. Assim vai o ressentimento dos medíocres.
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||| Erros ortográficos (A Corporação), 2.
No estado em que as coisas estão, eu aceito quase tudo. Sempre me fez confusão haver níveis destes, separados e bem delimitados: de um lado, a ortografia, do outro a sintaxe, do outro «a adequação» ou «a interpretação». A questão é saber se as pessoas (os cidadãos, os eleitores, os encarregados de educação, os professores, «a comunidade educativa») querem que os alunos saiam da escola a produzirem abundância de erros ortográficos, ou seja, se os erros ortográficos não têm importância nenhuma -- ou se têm. Não entendo como os alunos podem mostrar «que compreenderam» um texto, explicando-o através de uma amostra de erros ortográficos. Sempre pensei que escrever mal era pensar mal, interpretar mal, explicar mal. Portanto, abreviando e simplificando, um aluno pode dar erros ortográficos desde que tenha percebido o essencial do texto que comenta. Numa fase posterior, pede-se-lhe: «Então, criancinha, agora escreve aí um texto sem erros ortográficos.» E ela escreve, escreve.
Aqui, Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português, tem razão: se o que estava em causa era aferir a «competência interpretativa», então «mais valia optar pelo modelo da escolha múltipla», o chamado «teste americano». As crianças não davam erros ortográficos e não se discutia se deviam, ou não, ser penalizadas por isso. Obrigar um professor a deixar passar em branco os erros ortográficos é uma injustiça e um precedente grave.
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||| Erros ortográficos (A Corporação), 1.
Escreve o João Gonçalves: «Fui ensinado a não dar erros ortográficos e a ser convenientemente castigado por os dar. Aliás, qualquer um de nós está sujeito a cometê-los. A diferença em relação aos novos monstros é que nós fomos treinados para os evitar, sem o peso da "pedagogia", da "pedopsiquiatria" e das "novas metodologias" em cima da cabeça.»
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||| PRÉ-PUBLICAÇÃO: As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa.


(Capítulo 1) [PARTE I]

(Capítulo 1) [PARTE II]

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||| PRÉ-PUBLICAÇÃO: As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa [Edição Dom Quixote].
(Capítulo 1)

Oncócua, Sul de Angola. [Leandro, a partir daqui começamos em página branca]
Domingo, 6 de novembro de 2005.


Acordei suspenso numa luz oblíqua. Sonhava com Laurentina. Ela conversava com o pai, o qual, vá-se lá saber porquê, tinha a cara do Nelson Mandela. Era o Nelson Mandela, e era o pai dela, e no meu sonho tudo isso parecia absolutamente natural. Estavam sentados ao redor duma mesa de madeira escura, numa cozinha idêntica em tudo à do meu apartamento na Lapa, em Lisboa. Sonhei também com uma frase. Acontece-me frequentemente. Eis a frase:
– De quantas verdades se faz uma mentira?
A luz, filtrada primeiro por uma rede muito fina, presa à janela, e uma outra vez pelo mosquiteiro, a envolver a cama, deslizava puríssima, numa torrente incrédula, contaminando a realidade com a sua própria descrença. Virei a cabeça e dei com o rosto de Karen. Dormia. A dormir Karen volta a ser jovem, como suponho que era antes da doença (da maldição).
Estamos em Oncócua, num pequeno posto médico gerido por uma organização não-governamental alemã. Oncócua, como tantas outras vilas de Angola, foi desenhada com largas avenidas, para ser no futuro uma grande cidade. O futuro, todavia, atrasou-se. Talvez nunca chegue. Levantei-me com cuidado e espreitei pela janela. Uma enorme montanha, com o formato de um cone perfeito, flutuava no horizonte. Duas mulheres mucubais avançavam sem ruído. A mulher mais alta não devia ter mais de 16 anos, cintura estreita, pulseiras coloridas nos finos pulsos dourados; lembrei-me, ao vê-la, de um verso de Ruy Duarte de Carvalho – os seios: frágeis acúleos na placa do peito. Ruy Duarte escreveu belos versos sobre os seios das meninas mucubais. Compreendo-o bem. Se eu fosse poeta não teria outro tema. A segunda mulher cobria o tronco com um pano verde e amarelo. Mancava um pouco.
– São bonitas, não são?...
Karen estava sentada na cama, o cabelo castanho em desalinho. Disse-lhe:
– Sonhei com a Laurentina...
– A sério? Isso é bom. As personagens começam a existir no momento em que nos aparecem em sonhos.
– No meu sonho ela era indiana. Uma rapariga de cabelo liso, olhos grandes, pele muito escura.
– Não pode ser. Talvez meio indiana, não te esqueças que o pai é português...
– O pai? Qual deles?...
– Boa pergunta. O Faustino Manso era luandense, mulato ou negro. O que a adoptou era português, e o biológico...
– Não pensámos nisso...
– Tens razão, não pensámos nisso. Quem diabo era o verdadeiro pai de Laurentina?...

(Mentiras primordiais.)

Fecho os olhos e no mesmo instante regresso à tarde em que a minha mãe morreu. O meu pai recebeu-me à porta do quarto:
– Ela está muito agitada – murmurou. Tenta acalmá-la.
Entrei. Vi-lhe os olhos acessos na penumbra:
– Filha.
Colocou-me na mão um envelope:
– Chamam-me. Tenho de ir. Isto é para ti, Laurentina. Perdoa-me...
Não voltou a falar. Mais tarde apareceu Mandume. Lembro-me de o ver ajoelhado aos pés da cama, segurando a mão da minha mãe. O meu pai, em pé, de costas para nós. O meu pai, ou melhor, o homem que até àquela tarde eu acreditava que fosse o meu pai. Está agora sentado diante de mim. Tem um rosto seco, anguloso, com as maçãs do rosto salientes. A cabeleira é farta, grisalha, penteada para trás. Deve ter ensaiado a pergunta noites a fio na solidão do seu quarto de viúvo:
– De quantas verdades se faz uma mentira?
Fica calado um momento, o olhar perdido em algum ponto atrás de mim, depois acrescenta com ênfase:
– Muitas, Laurentina, muitas! Uma mentira, para que funcione, há-de ser composta por muitas verdades.
Olhos brilhantes, húmidos. Sorri tristemente:
– Era uma boa mentira, a nossa, uma mentira composta por muitas verdades, e todas elas felizes. Por exemplo, o amor que Doroteia tinha por ti era realmente um amor de mãe. Tu sabes disso, não sabes?
Olho-o atordoada. Levanto-me e vou até à janela. Posso ver dali o pátio iluminado pelo sol. A figueira que salvei, há anos, tirando-a de uma pequena jarra quebrada, numa lixeira, e plantando-a num enorme vaso de barro, está a dar-se bem junto à enorme chaminé em tijolo que divide o pátio. Cresceu muito, e muito torta, como é próprio da natureza das figueiras. A buganvília, ao fundo, já perdeu todas as flores. Janeiro declina. Um mês mau para se morrer, mesmo em Lisboa, onde até no inverno surgem com frequência, desgarrados e sonolentos, como papoilas dispersas num campo de trigo, dois ou três esplêndidos dias de verão.
O meu pai teria gostado que eu fosse um rapaz. Até aos 12 anos, ignorando os protestos da minha mãe, comprava-me calções, e boinas, e jogava à bola comigo. Temos uma ligação muito forte. Tivemos sempre.
– A ilha, papá, como é o tempo em Moçambique, nesta época?
A pergunta não o surpreende. Julgo que se sente aliviado por poder mudar de assunto. Suspira. “Em Janeiro”, diz, “costuma fazer muito calor na ilha. O mar é de um verde luminoso, a água quente, filha, chega aos 35 graus, uma sopa de esmeraldas”. Tira uma moeda do bolso, “Lembras-te?”, eu lembro-me, claro. Seguro na moeda. Vinte reis. Está muito gasta, mas ainda assim consigo ler a data sem dificuldade: “1824”. O meu pai encontrou a moeda numa praia da ilha, no primeiro dia em que lá chegou, o mesmo em que conheceu a minha mãe. Doroteia fazia 15 anos; Dário, 49. Foi, portanto, a 18 de dezembro de 1973. Nasci dois anos depois. Penso nisto, no meu nascimento, e uma revolta súbita toma conta de mim. Tenho consciência de que a minha voz se torna mais aguda e de que estou a ponto de chorar. Não quero chorar[1]:
– Estou aqui a tentar compreender como é que vocês foram capazes de me esconder uma coisa dessas durante tantos anos! Podes explicar-me?...



[1] Choro muito. Choro no cinema, nos casamentos, choro a ler qualquer coisa, eu sei lá, O amor nos tempos da cólera. Comovem-me os desastres ou as alegrias de amor dos outros, mas não me lembro de ter chorado alguma vez em razão dos meus próprios desaires.


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29 maio, 2007

||| As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa.















A partir de amanhã, neste blog, pré-publicação de As Mulheres do Meu Pai, o novo romance de José Eduardo Agualusa. Aí ao lado está a capa da edição portuguesa (a da edição brasileira, da Língua Geral, já foi mostrada aqui), desenho de Henrique Cayatte, edição Dom Quixote. O lançamento é a 20 de Junho, mas depois de amanhã, na Casa Fernando Pessoa -- durante os Livros do Desassossego, de Carlos Vaz Marques --, Agualusa falará do livro e lerá uma passagem.
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||| Concurso.
A LPM abriu concurso para assessores de imprensa. O anúncio sai no próximo sábado no Expresso/Emprego, mas nada como ir adiantando trabalho. Em rigor, é mil vezes preferível que as coisas sejam assim, às claras e procurando o melhor do mercado. Mas não se esqueça o que o próprio Luís diz sobre a profissão.
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||| A corporação, 2.
O ministério da Educação esclareceu o assunto dos erros ortográficos. Segundo o director do Gabinete de Avaliação Educacional, «não faz sentido penalizar a incorrecção ortográfica na primeira parte, quando o que se pretende perceber é se o aluno compreendeu ou não o texto. Se uma dessas perguntas tiver zero porque tem um erro não conseguimos avaliar se o aluno percebeu o texto». Pessoalmente, compreendo o método, mas discordo dele; não por estar do contra, mas por pensar que não é a forma mais correcta de avaliar os problemas do ensino do Português. Sei que se trata de «uma técnica de avaliação»; mas não concordo com ela e tenho o direito de discuti-la. E acredito noutra coisa: que é preciso discutir estes assuntos, mesmo que os técnicos do ME nos achem ignorantes só por não concordarmos com o superior entendimento de S. Exas. Sem rancor. Mas o recado precisava de ser dado.
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||| Hurra!
Os apoiantes do fantástico Chávez lançaram foguetes para assinalar o encerramento da RCTV. O país livrou-se de uma «televisão fascista». O TVES, canal de «serviço público» criado pelo próprio governo vem «desfascizar» a Venezuela. The revolution will not be televised.
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||| A corporação.
Peço aos pacientes e benevolentes leitores que atentem nesta notícia extraordinária:

«Valeu tudo: tratar um sujeito como predicado, usar um "ç" em vez de dois "s", inventar palavras. O Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério da Educação deu ordens para que nas primeiras partes das provas de aferição de Língua Portuguesa do 4.º e 6.º anos, os erros de construção gráfica, grafia ou de uso de convenções gráficas não fossem considerados. E valeu tudo menos saber escrever em português. Isso não deu pontos.»
Se era preciso um argumento para repensar totalmente o ensino do Português, não sei se vale a pena procurar mais. Mas uma pessoa fica cansada de dar exemplos. A corporação está bem defendida nos corredores do Ministério. Mas leiam, leiam.
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||| Justiça.
O Supremo Tribunal de Justiça veio despachar que uma violação aos 13 anos é menos grave do que aos sete. Por isso, «critica também o tribunal de primeira instância por valorizar em demasia os crimes sexuais». Onde anda a Polícia de Intervenção quando precisamos dela?
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||| Sinais.














Há quem pense que estamos diante da ameaça de um novo tipo de censura; ou que há cada vez mais ataques à privacidade, à «reserva individual»; ou que o Estado anda, simplesmente, a meter-se onde não é chamado; ou que há controle a mais sobre a vida dos cidadãos. Há, naturalmente, quem pense que não estamos «diante da ameaça de um novo tipo de censura», uma vez que as «denúncias» até são feitas publicamente; quem pense que se trata apenas de agilizar procedimentos por parte do Estado, «o que permite acesso a uma série de dados» que, «naturalmente», não serão cruzados.
Este debate é oportuno e os sinais que ele fornece são positivos, mesmo que -- num caso ou noutro -- possam ser injustos para alguns sectores da administração. Há anos ele seria impossível porque as pessoas davam pouco valor à sua liberdade e à sua «reserva individual»; encantados com a «modernização», os portugueses desinteressavam por todo o tipo de quebras de privacidade, da videovigilância nas auto-estradas à monitorização da vida familiar. O argumento mais imbecil de todos: quem não deve, não teme -- e a «reserva individual» é um assunto menor diante da necessidade de «reforçar o colectivo» ou de «melhorar o Estado».
Num longínquo texto dos anos oitenta, António Barreto chamava a atenção para o ambiente de liberdade em que vivíamos -- liberdade de imprensa, de reunião, de associação, mobilidade, etc. Mas lamentava o facto de não existirem «liberais» (esqueçam a denominação, que a mim me parece justa), no sentido em que a liberdade não existe sem pessoas que se interessem por ela. Hoje, só a existência desse debate já é útil e mostra que as pessoas estão atentas, que começam a prezar a sua liberdade e que -- em relação ao Estado e aos seus poderes -- já sabem desconfiar. Questionam a utilização que se pode fazer do cartão único, do acesso ao correio electrónico por parte das empresas fornecedoras de acesso à net ou por parte do Esatdo, da facturação detalhada de telemóveis, da videovigilância da Brisa, do manuseamento do cartão de contribuinte por grandes empresas que ainda estão associadas ao Estado ou que podem agir em bloco com ele, do cruzamento de dados de saúde na banca privada ou nos serviços públicos, da monitorização da nossa vida pelas grandes corporações, etc. Isso é estar um degrau acima. Um upgrade, se quiserem. Desconfiar não é crime; pelo contrário, a história dos direitos individuais e a história da liberdade ensinam que desconfiar é, mesmo, um dever.
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28 maio, 2007

||| Saúde, de qualquer modo.
É claro que, depois do post anterior, li o despacho interno do nosso Director-Geral da Saúde sobre os coffee-breaks nos seus serviços.
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||| Por outros motivos.
Zapatero irrita-me, e isto é absurdo. Irrita-me ele querer mudar Espanha, tornar Espanha «mais civilizada», a deitar-se a horas e a levantar-se para fazer jogging, a viver em ambientes saudáveis e livres do cheiro de Ducados e de canarinos (lembro-me sempre dos textos de Montalbán sobre o Condal n.º1, charuto de eleição de Pepe Carvalho). Irrita-me a legislação contra a siesta, aquele perfeccionismo intrometido na vida individual, que terá de passar a ser elegante, limpinha, nada promíscua, cheia de produtividade e de asseio. Mudar a Espanha é atraiçoar a nossa memória de bocadillos e de tortilla de bacallao y de patatas, de pesols a la catalana, de flamenquines asturianos, de conill a la brasa amb all i oli, de boquerones en vinagre, coquinas al ajillo, albóndigas con tomate ou cocido galego. Tenho uma grande nostalgia dessa Espanha incivilizada cheia de adeptos do Atlético e do Real, do Elche e do Ossasuna. Há uns meses, enquanto servia uns calamares fritos, uns pratinhos de pulpo de feira e umas empanadas quentes, a dona do Mesón de la Chispa (na Galiza, uma coisa que vem da minha adolescência, juntamente com o vinho branco de Monterrey) queixava-se de que agora toda a gente quer comida de fusão e que já não se encontravam apreciadores de lacón con grelos. Às vezes, quando vejo Zapatero sorrir ou revejo a comunicação ao país de Ignacio Buqueras, Presidente da Comisión Nacional de Horarios (anunciando que ia mudar os horários espanhóis para que os cidadãos vivessem mais felizes e menos angustiados), até dos velhos comboios da Renfe tenho saudades, daqueles que atravessavam Navarra a 80 kms/h, para não falar dos textos culinários de Puga y Parga (o autor de 56 Maneras de Guisar el Bacalao) ou das dispepsias de D. Álvaro Cunqueiro. Ou das tardes de café, copa y puro. Nós temos direito a essa Espanha incivilizada, quero lá saber da Espanha zapatera.
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||| Espanha.
«Raramente se tiram ilações das frases bombásticas proferidas no calor das campanhas eleitorais.» A frase está bem situada e eu apenas substituiria «ilações» por «consequências» no post de Tomás Vasques sobre as eleições em Espanha. Passámos um bocado da noite na expectativa de «maré sobe, maré desce» para ver se a esquerda ganhava ou se a direita perdia. Sinceramente, «esquerda» e «direita», nestas coisas, são coisas para festejar com moderação. A frase de Aznar citada pelo Tomás é certamente idiota («Cada voto que no vaya al PP será un voto para que ETA esté en las instituciones»), mas Aznar não é um modelo fantástico. Se a frase fosse para levar à letra, os resultados deviam ser tidos em conta – e julgaríamos que, de facto, metade do eleitorado queria que «a ETA estivesse nas instituições». Não é esse o caso mas Aznar merece a resposta. Só que, de facto, «raramente se tiram ilações das frases bombásticas proferidas no calor das campanhas eleitorais». Ninguém perdeu realmente em Espanha; o afrontamento continua. Mas Zapatero perdeu um grau de confiança, o que me parece bem.
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||| Leituras.
Três notáveis posts do Mason no Almocreve das Petas: no primeiro, um elogio de Ovar e dos seus sítios (a propósito de uma justa vitória no basquetebol), como o café Progresso, a Livraria Carvalho e a luz tranquila e despojada do Furadouro, «a nossa perdição alumiada, uma bem-aventurança», com «tantas noutes de desmandos, tanta história caprichosa»; depois, referência aos catálogos perdidos e reencontrados em breve; finalmente, um «Mappa geral, cartas, planos e plantas das povoações, lugarejos, montes, casais e quintas do Reyno de Portugal e seus domínios, indispensável ao indígena da rosa e ao curioso escriba, arbitrado e revisto pelo Eng. Mário Lino, e que o Ill.mo e Ex.mo senhor Primeyro Minystro mandou fazer para effeitos da santa governação de cada dia». Quem escreve bem, escreve bem.
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27 maio, 2007

||| Lontano da Manaus.









No Liberazione, Marco Peretti: «A maggior ragione il rischio ideologico aumenta quando i personaggi continuano a “vivere” anche dopo che il lettore ha consumato le pagine. Il tempo di creare una nuova storia e loro ritornano. Sono commissari, ispettori, patologi che spesso, diventati ormai familiari, prendono forma anche sugli schermi televisivi o cinematografici. Il circolo si completa, è la conferma che piacere e masse vanno di pari passo e dall’altro lato rimane solitaria e altezzosa l’alta letteratura.»
No L'Unitá, Giancarlo de Cataldo: «Amore, passione e catástrofe di povere creature. Lontano da Manaus è l’altrove del noir, l’orizzonte possibile del genere (dei generi?), il racconto che dimostra quanto sia più importante ciò che manca di ciò che consta, ciò che non c’è (e forse mai ci sarà) di ciò che abbiamo a portata di mano. Tutto il resto. L’altrove, appunto. Un «altrove» sul piano del plot che fa da contraltare all’altrove geografico di una storia che sidipana fra la piovosa Porto, l’abbacinante Luanda dell’ultima guerra portoghese e Manaus, avamposto sperduto di un Brasile spaccato a metà fra le seduzioni dell’Occidente e l’indomabile anima amazzonica. Il talento visionário di Viegas, capace di pagine memorabili e performance poetiche che lasciano a bocca aperta, fa venire in mente un Wenders d’annata. E, alla fine, non t’importa più chiederti che razza di libro tu abbia letto. Èunbel libro, e con un sottofondo di fado o di morna e un buon sigaro cubano si apprezza ancora di più.»

Também aqui.
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||| De ouro.

Via Combustões.
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||| É só fumaça.
José Medeiros Ferreira, no Bicho Carpinteiro: «Alguém podia esclarecer a Ministra da Educação que o problema levantado pelo caso Charrua está longe de ser o da importância que a comunicação social lhe dedicou. Pelo contrário essa importância deve ser creditada aos bons reflexos na protecção do vigente clima nacional de liberdade de expressão. A opinião pública tem destas coisas. Liberdade de expressão, liberdade de imprensa, opinião pública. A Ministra deve atender ao que se está a desenrolar sob os seus olhos e ouvidos. E acalmar os ânimos.»

O Bicho Carpinteiro cumpriu dois anos de vida.
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||| Luanda.
Uma evocação do 27 de Maio, por Ferreira Fernandes, no DN.
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26 maio, 2007

||| Copacabana, como sempre.












«O fato é que não gostava de policiais, embora tivesse achado o detetive-filósofo interessante e atraente. Mas a promessa da tarde e a natureza da sessão já se insinuavam pelo modo de Maria chegar. Quando Camila abriu a porta para ela, Maria beijou-lhe a face exatamente no ponto em que face e lábios se encontram e, assim que a porta foi trancada, descalçou as sandálias e largou a bolsa no chão.» Luiz Alfredo Garcia-Roza, Espinosa sem Saída (Companhia das Letras).

Entrevista com L.A. Garcia-Roza | Espinosa de A a Z.

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||| Contra os liberais. O antiliberalismo clássico português.










«Foi só nos começos do século XIX, graças a uma série de calamidades propícias ao desenvolvimento da anarquia, que os nossos democratas e liberais entreviram a possibilidade de instaurar entre nós, por um golpe de força, as ideas fundamentais da Revolução Francesa. [...] O liberalismo e a democracia directa são sistemas filosófico-políticos fundamentados no naturalismo, materialistas e racionalistas, defendendo a liberdade individual absoluta e a completa igualdade dos homens. Uma e outra se opõem à concepção cristã da vida e apenas se distinguem, nessa tarefa, pelos métodos adoptados.» Costa Brochado, Para a História do Liberalismo e da Democracia Directa em Portugal (Parceria A. Maria Pereira, 1959).
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||| As bibliotecas de época.












«Não é um catálogo. É a indicação de um milhar de volumes que é vergonha desconhecer, e sem o qual se não pode entender a gíria da cultura que escrevemos e falamos. Prestará serviços a quem começa a formar o seu espírito, porque é uma viagem pelo mundo do espírito português. Encaminha, aos que precisam de ser encaminhados, a leitura.» Albino Forjaz de Sampaio, Como Devo Formar a Minha Biblioteca (edição Sá da Costa, 1938).
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||| Vinhos.












Contra o catecismo: «Existe um discurso demasiado sério sobre o vinho, é preciso que se restitua a liberdade a cada apreciador para poder julgar o vinho que bebe sem a espada de Dâmocles por cima da cabeça à espera de justiçá-lo se um aroma ou outro escapar ao paladar do desgraçado bebedor!» Alfredo Saramago, 125 Vinhos (Assírio & Alvim).

Para rir um pouco, Saramago enumera os sabores detectados por alguns críticos de vinhos: granito morno, suor de cavalo, móveis antigos, madeira exótica, animal, aroma a caixa de charutos, feno cortado, textura de cetim, aroma de pedras, pólvora, toque de pau, fósforo queimado, apetrolado, galho seco, notas de talos de couve, aroma telúrico, cheiro a sacristia, couro de boa finura, couro limpo, toque de marroquinaria, etc. etc. Vale a pena.
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||| The History of Cardenio.









Shakespeare (e Fletcher) em nome de Cervantes.
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25 maio, 2007

||| Posição oficial.
Hoje, no Contraditório, da Antena Um (sextas, 19h00-20h00), Ana Sá Lopes comentava e estranhava o facto de o PS ter cumprido um rigoroso silêncio acerca do «caso DREN». Ora, a verdade é que o PS tomou posição sobre o assunto. 1) no debate do parlamento, Alberto Martins esteve calado -- não vejo melhor posição; 2) Luiz Fagundes Duarte (que passa por ser coordenador dos deputados socialistas na comissão de Educação), para cúmulo do absurdo declarou que «é evidente» que «é preciso fazer qualquer coisa quando os políticos são achincalhados na rua» e que, «por definição não comentamos processos disciplinares»; 3) Renato Sampaio, líder do PS-Porto, achou o «procedimento disciplinar absolutamente normal».
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||| Povo e contribuintes.
Texto de Helena Matos, a ler.
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||| As coisas são o que são.
Parece que ontem, durante o jogo que podia ser decisivo para a época de basquetebol, um grupo de energúmenos ligados ao meu clube resolveu disparatar, como às vezes é costume. Independentemente da asneira da equipa de arbitragem, ela também decisiva e comprovada, esta gente é sempre igual.
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||| Agualusa em breve.












Esta é a capa da edição brasileira de As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa (edição Língua Geral). O romance é muito, muito bom. E o lançamento da edição portuguesa (Dom Quixote) vai ser a 20 de Junho.
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|||... e mais isto.
Na segunda-feira próxima, às 18h30h, lançamento da antologia de poemas de Maria Valupi, com António Osório e Ana Marques Gastão.
E na quarta, à noite (21h30), Bernardo Sassetti e José Pedro Gil.
Na quinta-feira, regressam os Livros em Desassossego, com coordenação de Carlos Vaz Marques; o tema deste mês é «O que é ser um bom livreiro?», com a presença de Antero Braga, da Lello, André Dourado, da Bulhosa, e Jaime Bulhosa, que se prepara para abrir uma nova livraria em Lisboa, a Pó dos Livros. Antes disso, Maria do Rosário Pedreira, da QuidNovi, escolhe três livros recentes que gostaria de ter sido ela a editar. José Eduardo Agualusa apresenta o seu novo romance, As Mulheres do Meu Pai.
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||| Fiama.









Hoje ao fim da tarde (18h30), na Casa Fernando Pessoa, Um Poema para Fiama, antologia em homenagem a Fiama Hasse Pais Brandão (poemas de Ana Hatherly, António Salvado, Casimiro de Brito, Daniel Gonçalves, Fernando J. B. Martinho, Fernando Guimarães, Gonçalo Salvado, Helena Buescu, Inês Lourenço, João Rui de Sousa, Jorge Listopad, Jorge Reis Sá, Luís Quintais, Maria Andresen, Maria João Reynaud, Maria João Fernandes, Maria Teresa Horta, Pedro Eiras, Valter Hugo Mãe, José Agostinho Baptista, José Tolentino Mendonça, Jaime Rocha e Rita Taborda Duarte). Coordenação de Teresa Dias Furtado e Maria do Sameiro Barroso.
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|||Ser como um livro aberto.
O blog de Rui Zink.
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||| Da tragédia à insensibilidade.
Não comentei, uma única vez, o caso da menina inglesa desaparecida no Algarve. Admito, sem dúvida, que a parafernália de televisões e de opiniões contribuiu para que o assunto se transformasse num não assunto, o que é pena. Há sempre um folclore que atravessa as tragédias e as transforma, aos nossos olhos, em mau espectáculo, com todos os elementos do kitsch. Mas a tragédia está lá. Aos poucos, a banalização da tragédia cansou as pessoas -- mas a menina inglesa continua desaparecida. Tal como milhares de crianças. Depois de devorada pelas televisões, a tragédia permanece e deixa um rasto de gente insensível e de opiniões insensíveis. O rosto dos pais, o rosto de todas as crianças desaparecidas -- isso continua lá.
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||| O sul.
Tirando a trapalhada de «ele não disse o que disse», mais as desculpas esfarrapadas, limitemo-nos ao essencial: o problema do discurso de Mário Lino nem foi o que resta dele, depois de bem espremido (vi a versão inteira disponibilizada pela SIC), nem o que se pode dizer a partir dele. Realmente, a desgraça vem com o tom geral em que tudo aquilo foi dito. Como diz o FNV, Lino «explicou, naquele seu estilo acelerado de motard verbal, as razões que o levam a optar pela Ota». Alguém devia explicar a Mário Lino o que são metáforas (com um pouco de esforço, metonímias). De resto, o sul é um pau de dois bicos.
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24 maio, 2007

||| Venezuela.
Como se inventa uma revolução. Ver o vídeo disponibilizado pelo André Azevedo Alves neste post.
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||| Crianças.

















Em 1965.
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||| O PT e a censura. Eles continuam a tentar.
O novo projecto de censura do lulismo está aqui: é a portaria n.º 264 e entrega à Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, a vigilância e punição dos «abusos cometidos».
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||| Vingança fria.
Há dois anos, ou três, enquanto neste blog e no Aviz dava conta daquilo em que se tornara o lulismo, no Brasil, suportei todo o género de acusações e de reacções indignadas. Não contra Lula, curiosamente, mas contra a Veja, contra os editoriais da Folha e contra Diogo Mainardi, por exemplo, três entidades insuportáveis para os lulistas de trazer por casa, ou seja, lulistas lusitanos, exemplos do servilismo intelectual. Ou seja: a Veja, esse inacrediável porta-voz das oligarquias anti-PT; a Folha que, de vez em quando, sob a batuta de Otávio Frias, zurzia na bandalheira do lulismo e do PT; e Diogo Mainardi, claro, o abjecto, o obtuso, o sabujo. Bom. O PT, como se sabe, processou a Veja, levou o caso para os tribunais -- mesmo depois de juízes do Supremo terem zurzido no Partido dos Trabalhadores, essa colmeia de talentos irrecomendáveis, responsável por uma das maiores séries de casos de corrupção e lavagem de dinheiro no país, e de acusarem publicamente Lula de ser conivente com essas trapalhadas, desde o caso mal resolvido do assassinato de Celso Daniel, até aos dinheiros da guerrilha colombiana para o PT ou ao mensalão. Os tribunais de São Paulo acabam de «julgar improcedente a queixa do Partido dos Trabalhadores»; e de considerar que «todas as capas e as matérias centrais que a elas se referem retratam tristes episódios de corrupção, tráfico de influência e quebra de normas éticas e morais em que o Partido dos Trabalhadores teria se envolvido, as quais são de inegável interesse público». Podem continuar a rosnar.
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||| Respeitinho, 6. [Actualizado]
Repito: «É um procedimento absolutamente normal», defende o líder do PS/Porto, Renato Sampaio.

Reparo, também agora, que Luiz Fagundes Duarte (
coordenador dos deputados socialistas na comissão de Educação) , acha que «é evidente» que «é preciso fazer qualquer coisa quando os políticos são achincalhados na rua» e que, «por definição não comentamos processos disciplinares» (deve ser só de agora). Luiz Fagundes Duarte, que foi professor e que até tinha algum sentido de humor, desapareceu; é agora representado por um clone achincalhado de si mesmo. Se alguém souber onde pára o original, entregue-o para verificação.
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||| Respeitinho, 5.
Tinha-me esquecido de anotar, a propósito do caso do «processo disciplinar e suspensão» que corre na DREN, que, segundo o líder do PS-Porto, se trata «de um procedimento absolutamente normal». Caso não tenham anotado, eu repito a citação: «É um procedimento absolutamente normal.»
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||| Tendências.
O Paulo Gorjão coloca algumas questões sobre a palavra tendencialmente, a propósito do Serviço Nacional de Saúde e da política de Correia de Campos. Trata-se da ideia de o SNS ser tendencialmente gratuito. Tendencialmente gratuito, para quem fala Português, é uma expressão que se deveria usar quando se tomam medidas destinadas a tornar o SNS tendencialmente gratuito, o que se sabe que não vai acontecer; mas mantém-se a expressão (mesmo que a ideia tenha falhado), porque é de esquerda. A ideia de o ministro «ponderar se as crianças até aos 12 anos deverão continuar isentas de pagamento de taxas moderadoras» é uma das últimas etapas deste pensamento tendencial.
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||| Feira.
Sim, hoje começa a Feira do Livro. E as lamentações.
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||| Ota.
Três letrinhas apenas. Simples e claras: Ota. Aeroporto. O que era uma questão técnica, estratégica (relativa ao ordenamento do território, às opções para Lisboa, à facilidade de acesso dos passageiros, aos custos futuros, aos imperativos ecológicos, à ligação à rede de transportes, etc.), transformou-se numa outra fonte de ressentimento, com declarações disparatadas e de suspeito arrabatamento, em que não se discutem verdadeiramente nem os prós nem os contras. A partir de agora, qualquer decisão estará para sempre inquinada pela natureza do debate e das suspeitas. Uma das argumentações mais imbecis tem a ver com a descoberta de que há interesses por detrás da Ota. Claro que há interesses: os cidadãos estão interessados. Agora, mais do que nunca, interessados e desconfiados.
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||| Assim se legisla mais um pouco, 2.
O problema não é legislar, no fundo. Legislar é fácil e relativamente económico; o problema é que, nesta onda de controleirismo da vida alheia, cada legislador quer ser um moralista, proteger-nos, pregar moral, evangelizar, fazer o proselistismo da própria lei, elaborar preâmbulos, suscitar humilhações -- em primeiro lugar porque desconfia dos cidadãos, desconfia que os cidadãos não entendem o que está em causa e desconfia que os cidadãos têm como objectivo primeiro a desobediência às leis. Não lhes basta legislar, como devem (ou como deviam, ponderadamente); além da lei, que já seria suficiente, ainda temos de aturar os imperativos da moral e da superior presciência do legislador, em parágrafos sempre discutíveis. Assim, as leis transformam-se em arrazoados e são fonte de ressentimentos.
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||| Bons tempos. Harmonia familiar.
















Bons tempos em que «as donas de casa» tinham listas de compras sensatas e compreensivas. Isto sim, era harmonia familiar. (Maria Cabral, em 1969, no anúncio ao brandy Macieira: «Até o brandy é ela quem escolhe... e bom!»)
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||| Casamento e família.































Imagens dedicadas ao João Távora e ao João Villalobos, a propósito do tema em epígrafe.
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||| O progresso da nossa terra.
Depois da árvore de Natal mais alta da Europa, outra vez o maior shopping da Península Ibérica, na Brandoa.
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||| O romance. Questões gerais de teoria literária.








Como diz o Jorge Marmelo: sim, quando «escrutinamos as secretas partes dessas moças, não é a simples impudícia aquilo que nos move. Não. Sempre, lá bem no fundo, nos ocorre o romance, o enlevo, o carinho.»
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||| Assim se legisla mais um pouco.







Os deputados da Nação, empenhados, acham que a lei do Tabaco deve ser aplicada de «modo faseado», pelo que «as regras entrarão imediatamente em vigor em espaços como hospitais, estabelecimentos de ensino, transportes públicos ou serviços e organismos da Administração Pública» (ficam para depois as «instalações» onde é necessário fazer obras) . Ah, como nós gostamos de leis! Na verdade, a interdição de fumar em «hospitais, estabelecimentos de ensino, transportes públicos» e recintos fechados já estava consagrada em lei anterior, sensata e adoptada sem necessidade de ressentimentos ou de discursos sobre ética e moral. Mas, quando se trata de proibir, insisto, gostamos de fazer upgrade.

PS - Mas há uma proposta sobre os direitos individuais.
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||| O cantinho do hooligan. Euforia.
notícias que desmentem outras «notícias». Sempre em frente.
Adenda: mas tudo ajuda.
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23 maio, 2007

|||Um golo na ópera.
O excelente Torquato da Luz tem uma recordação como esta, também sportinguista:

«Só que, como na altura deixei dito numa crónica no Diário de Lisboa, de que então era redactor, a ópera era La Favorita, de Donizetti, e o golo aconteceu em pleno terceiro acto, quando Viorica Cortez, no papel de Leonora di Guzman, cantava a belíssima ária do seu amor por Fernando: “Oh, mio Fernando! Della terra il trono a possederti avria donato il cor.” O meu “correligionário” sportinguista não resistiu ao grito de “Golo!”, quando ouviu, pelo “aparelho auditivo” (!), que Manaca, com um tiro certeiro, violara as redes do Magdeburgo.»
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||| Respeitinho, 4.
A directora regional de Educação do Norte diz que «o insulto em causa não tem absolutamente nada a ver com anedotas ou a licenciatura do primeiro-ministro». Reafirma que se trata de «um professor que proferiu um insulto ao PM nas instalações da DREN»; reafirma que comunicou a ocorrência ao Ministério Público; insiste que «é inadmissível que um professor se expresse nos termos em que aquele o fez, seja sobre o PM ou sobre qualquer outra pessoa». Comunicado na íntegra aqui.
Todos esperamos que o inquérito seja tornado público, tanto mais que existe alguma discrepância em relação as informações da notícia original do Público, na edição de sábado.
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||| Imagens de outras décadas, 1.














Ópera no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Assisti a várias. Durante uma representação de A Força do Destino, alguém se ergue -- a meio de uma ária --, de cachecol em punho, auricular no ouvido, gritando «Avante, leões!» a um golo de Yazalde. Vi e ouvi Kraus, a Cotrubas, Caballé, Renata Scotto... Íamos de jeans, de mochila, acompanhávamos os coros.
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||| Esquerda.
Conta o Público que o ministro Correia de Campos admite rever o regime das taxas moderadoras, «alargando a sua aplicação às crianças com menos de 12 anos». É um eufemismo. Ora, diz ainda Correia de Campos, «é preciso abrir um debate sobre a possibilidade de as taxas moderadoras passarem também a ser pagas pelos utentes mais novos, até agora isentos». É outro eufemismo. Na verdade, isso quer dizer que «os menores de 12 anos vão passar a pagar as taxas moderadoras». José Sócrates, por exemplo, dizia (a 21 de Abril) não se lembrar «de nenhum outro Governo que em dois anos tenha deixado tantas marcas de esquerda» e (a 14 de Abril) que «as leis do aborto, da procriação médica assistida e da paridade» eram os seus exemplos de políticas de esquerda (para se defender da acusação «de estar a dirigir um governo de direita»). É um eufemismo. Assim também eu.
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||| Tríptico.
Mason conseguiu a proeza de juntar Annette Peacock, Scarlett Johansson e a frase «aquilo que se diz da beleza é uma armadilha», de Herberto Helder, num só post.
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||| Foi preciso.
Foi preciso o Mar Salgado cumprir quatro anos de existência para que o Nuno Mota Pinto, de Washington, desse um sinal de vida.
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||| Distracções.
Meu caro Tomás: acreditas tu que provavelmente está tudo explicado em relação a Sarkozy por ele ser influenciado pelo Grande Oriente de França, porque o Grande Oriente de França previu que Sarkozy é capaz de «trazer um choque de verdade de que o país precisa», porque as nomeações (as de Kouchner, Valérie Pécresse ou Rachida Dati, por exemplo) para o governo têm o aval do Grande Oriente de França, ou porque -- diante da caquéctica esquerda francesa -- Sarkozy está a ser, simplesmente, uma surpresa?
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22 maio, 2007

||| Travelling Journal.



























































Quando posso, venho aqui e lembro-me das viagens, dos cadernos, das viagens que se planeiam, das estradas que passam pelo meio das nuvens.
Imagens de Raquel Costa (1, 2 e 10), Cristina Nunes da Cunha (3), Cátia Mourão (4 e 5), Andrea Martins (6), Alice (7 e 8), João Luc (9), Odyseo (11), Stefano (12).
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||| Proibir.
Já dei a minha opinião sobre a legislação anti-tabaco. Mas é sempre reconfortante saber que, em matéria de proibicionismo, somos os mais aplicados da Europa. Nada como uma boa proibição para levantar a moral da Pátria.
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||| Reinventar a esquerda.









Jacques Julliard no Nouvel Observateur: «No grande combate entre o capitalismo e o socialismo, concluído em 1989 com a queda do segundo, o único verdadeiro vencedor foi o mercado, quer dizer, a regulação da economia pela lei da oferta e da procura. É por nunca ter querido levar a cabo uma crítica rigorosa do estalinismo e da economia socialista que a esquerda se encontra hoje num impasse. Ela flutua entre dois sistemas, um de que já não ousa reclamar-se, outro que não tem coragem de adoptar. (...) O socialismo de amanhã será um socialismo de mercado. Ele deverá, portanto, preocupar-se com a produção da riqueza tanto como com a sua distribuição. (...) Uma economia social de mercado - eis, para a esquerda, o único caminho com futuro.»
[MAV]

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||| Duas boas notícias.








1. Está confirmado: arrancam lá para Outubro as Edições Nelson de Matos. Espera-se, claro está, o melhor - e saúda-se uma nova editora independente nestes tempos de perigosa concentração editorial.
2. Francisco José Viegas soma e segue: Longe de Manaus vai agora ser traduzido na República Checa e publicado pela editora Garamond, de Praga.
[MAV]

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