31 dezembro, 2005

||| Coincidências assim. 2006.










No post abaixo escrevi «Luxúria, apetite e beleza.» Não me parece que valha a pena procurar mais coisas para desejar aos que acreditam que vem aí um novo ano: luxúria, apetite e beleza parece-me uma divisa razoável para pessoas decentes e com direito a procurar a felicidade. Até ao fim do mundo.

O João, certeiro, cita Vila Matas, que cita Cioran: «Somos crucificados pelos aborrecidos.» Há gente aborrecida em excesso. Uns, não descobriram que se pode ser outra coisa. Os outros são mesmo assim. Fujamos deles. Neste e em qualquer outro ano.

||| Luxúria, apetite e beleza.










Depois de dois anos a escrever, todas as semanas, sobre cerveja, descubro que há uma edição em língua portuguesa do Bier-Katechismus. Der Bierpapst antwortet alle Fragen rund ums Bier, publicada no Brasil pelo Senac de São Paulo, com ilustrações de Jaguar. O Catecismo da Cerveja tem-me adormecido nestes dias, ao som de palavras como «baixa fermentação», «lúpulo», «polifenol», «mosto», «albumina», mas também «ale», «alt bier», «india pale ale» e, lindo, «Geistebier» («cerveja fantasma»). Curiosamente, ao ler o livro do papa da cerveja, Conrad Seidl, uma pessoa dá-se conta do óbvio: o preconceito é coisa de ignorantes. Basta ler o que ele escreve sobre a Bud americana, sobre a Miller e as cervejas sem álcool, as porse, as icebeer, a original shandy, e outras minhoquices: nada daquele ar escandalizado de quem acabou de descobrir uma lambic de cem anos. Não é por acaso que ele cita Goethe, a fechar: «Os nossos livros estão empoeirados,/ canecas de cerveja ensinam melhor,/ a cerveja dá-nos prazer,/ os livros só aborrecimento.»

||| JCP.










Antes do Natal, mesmo antes do Natal, A Corte na Aldeia recordou José Cardoso Pires em várias passagens. Lembram-se disto, de olhar ao espelho?

«Não, nisto de alguém se interrogar ao espelho, olhos nos olhos, é consoante. Tem muitos ângulos - e tu estás aí, que não me deixas mentir. Vários ângulos. Há quem procure, santa inocência, fazer um discurso de silêncio capaz de estilhaçar o vidro e há quem espere receber, por reflexo da própria imagem, algum calor animal que desconhece. Seja como for, o que dói, e assusta, e é triste e desastradamente cómico neste exercício, é o pleonasmo de si mesma em que a pessoa se transforma. Repete-se. Se bem que com feroz independência (todo o seu esforço é esse) repete-se em imagens controversas que a possam explicar.»

||| Livramento.













Uma nova editora, a Livramento. Raiz açoriana.




Estranha a arte

«Estranha a arte que quer do homem
só a parte de deus.
A poesia
que se desfaz da serotonina
quando fala do amor.

Traz para o poema
a tabela das ninharias.

Ninguém enche
o bolso da frente
com a angústia e o tormento.

Há também a moeda
e o talão de estacionamento.»
Nuno Costa Santos


||| Steiner.












Depois de reler A Ideia de Europa, de George Steiner, apetece recomeçar.

PS - Só não percebo a necessidade daquele prefácio à edição portuguesa.

30 dezembro, 2005

||| Os melhores livros de 2005. Escolha no Livro Aberto.






























































Já estão disponíveis as primeiras listas de finalistas escolhidos por mail. Nas categorias de ficção portuguesa, ficção estrangeira, ensaio e poesia. Votações finais decorrem a partir de dia 5.

A partir deste dia 30 de Dezembro, os votos que chegarem ao mail do Livro Aberto serão adicionados às tabelas publicadas abaixo. A 5 de Janeiro estarão disponíveis para votação apenas os finalistas, ou seja, os dez primeiros de cada secção.

A partir desta data, as votações encaminhadas para este endereço de correio electrónico serão contabilizadas por um secretariado do programa, ligado à própria RTP, e não pelo responsável do blog. [livroaberto@gmail.com]

29 dezembro, 2005

||| O pesadelo de Darwin.













O filme ideal para este blog, naturalmente.

||| Os melhores livros de 2005.
Continua a votação nos melhores livros de 2005, no Livro Aberto. Recordo que a lista definitiva com os finalistas será publicada no Mil Folhas, do Público.

A LISTA ACTUALIZADA COM OS TÍTULOS MAIS VOTADOS, POR SECÇÃO, SERÁ PUBLICADA ATÉ AO DIA 1 DE JANEIRO NO BLOG DO LIVRO ABERTO.

||| Moralistas, que pena.
Que pena. A Comissão Nacional de Eleições descobriu que não existe nenhuma «norma que sancione o comportamento» das apostas sobre eleições. Podemos continuar tranquilos como estávamos antes. Com tanta moral até a mim me apeteceu apostar.

||| Ingrid Betancourt.











Há dois anos que as FARC colombianas mantêm refém Ingrid Betancourt. Todas as organizações políticas (e governos) que mantêm relações com as FARC são cúmplices neste sequestro.

[Via A Natureza do Mal; uma das coisas de que gosto (entre várias) no Luís Januário é a ideia de que a liberdade não se põe em questão. Um dos meus posts de eleição, entre os últimos que o Luís publicou é este. Mas este é para que pensemos bastante.]

28 dezembro, 2005

||| Auto-estima.
Um blog para levantar a auto-estima dos portugueses.

||| Neve.










Turner, Snowstorm. 1842.

27 dezembro, 2005

||| Queixinhas.
As rádios e as televisões encheram-se de declarações de protesto por causa de uma entrevista de Cavaco Silva ao Jornal de Notícias. Não me admira, porque os cavalheiros não têm assunto para mais. Esta «frente comum» aproveitou meio parágrafo para ressuscitar «a ameaça do monstro» e para demonstrar como estão unidos e combativos. Não estão. Não combateram nada. Não avançaram uma ideia, um protesto, uma frase adversativa (Gomes Canotilho, que poderia falar sobre o assunto, limitou-se a generalizar sobre «estilos presidenciais»). Limitaram-se a uma «aparição especial», denunciando «indícios», oh coisa vergonhosa, para aparecerem no meio de uma campanha eleitoral fastidiosa e longa demais, na ressaca do Pai Natal. Mas, em vez de discutirem, de debaterem, de desaprovarem, de contrapor -- queixaram-se aos eleitores. São queixinhas. Não são para levar a sério.

PS - Bastaria uma vista de olhos aos discursos de Soares enquanto foi presidente, a algumas aparições de Sampaio, ou às ameaças de Alegre sobre dissolução do Parlamento, para desvalorizar as queixinhas.

Adenda: completamente de acordo com João Gonçalves. Que ideia teria passado pela cabeça de Cavaco para vir meter-se em irrelevâncias?

||| Balanço, 8.
Eu gostava daquele ar. Na altura trabalhava num restaurante e, por isso, como tinha de ir preparar o dia bem cedo, chegava à faculdade antes da hora. Tinha uma Renault 4. Por volta das oito e meia da manhã sentava-me à espera dos frequentadores de Literatura Brasileira; éramos apenas seis ou sete, não sabíamos nada de Anchieta, do Boca do Inferno, de Gândavo, de Olavo Bilac, de Castro Alves, da abertura quase sinfónica de Os Sertões, com aquela descrição brutal da geografia brasileira. Nem de Aluísio de Azevedo ou dos mineiros obscuros, da galeria de gaúchos que falavam das neblinas do pampa e da convulsão farroupilha. Nem dos modernistas e antropófagos (Oswald de Andrade sim, que devorara Isadora Duncan -- o seu tio, trinta anos antes, tinha atirado ao chão de São Paulo a capa de estudante de Direito para que Sarah Bernhard passasse por cima, o que mereceu o escárnio de Eça). Tínhamos alguma aversão por Jorge Amado, certamente justificada mas injusta. O máximo que as meninas tinham lido era O Meu Pé de Laranja-Lima. Rubem Fonseca seria publicado em Portugal apenas dois anos depois (Feliz Ano Novo). Mário António, o poeta angolano que fora meteorologista, ensinava literatura brasileira com ironia: «Tenho uma má notícia», anunciou na primeira aula. «A literatura brasileira é muito melhor do que a portuguesa.» Houve algum escândalo nas cadeiras enquanto ele se voltava para o quadro, sorrindo e escrevendo quatro versos de Castro Alves. Mário António trabalhava também na Gulbenkian, a dois passos, e chegava antes. Um dia de Março, aquele sol a bater nas derradeiras buganvílias da faculdade (seriam arrancadas), emprestou-me o jornal e disse: «Parece de Bertioga, esta luz.» Só compreenderia isso dez anos depois, mais ou menos, quando cheguei a Bertioga ao princípio da manhã, vindo do outro lado, de Santos. E lembrei-me dos versos de Castro Alves, que, como acontece com quase todos os versos, não tinham nada a ver com isso.

||| Blake, eu imagino.
Miss Pearls balança e recorda o Pavilhão Velho da faculdade: «[...] Só muitos anos mais tarde percebi o motivo por que as colegas da sala ao lado nunca faltavam às aulas sobre o Blake e tinham aquilo tudo na ponta da língua. Desgraçadamente, do Blake só me recordo das ilustrações, mas em compensação, anos mais tarde tornei-me amiga do professor e elas não.»

26 dezembro, 2005

||| Balanço, 7.










Chomsky era profundamente odiado entre os futuros evangelistas. Eu gostava. Aquela tentação anti-historicista, o racionalismo total (as estruturas cognitivas inatas), a ideia de modelo em que tudo teria de se encaixar (o modelo de 1957, o modelo de 1965, etc., etc.), as sequências matemáticas, a ideia de maquina, e a irritação que causava a frase «The boy hit the ball» (os que passaram os tormentos da gramática generativa sabem ao que me refiro) -- tudo isso era agradável e lúdico. E chato, confesso. Os chomskyanos eram reaccionários. Quem lia The Logical Structure of Lingusitic Theory ou as Lectures on Government and Binding (acabadinho de sair, na altura, um chique), não podia confraternizar com Saussure, Piaget, Foucault, etc. O quadro, definido assim, é muito redutor. Mas não cabia na cabeça de ninguém que um racionalista tão radical como Chomsky, cujas investigações no MIT eram pagas pelos militares americanos, fosse outra coisa. Até que um dia alguém decidiu reunir os textos de Chomsky sobre o Vietname e as malvadezas da CIA. E acabou a nossa ignorância sobre o tema.

||| Constante.
Constança Cunha e Sá na blogosfera.

||| Balanço, 6.
Matéria de romance. Íamos os dois de comboio à quinta-feira para Madrid, de vez em quando. Mais tarde ele seria ministro (e bom), mas na altura bebíamos vodkas nos bares mais escuros de Espanha. Na sexta-feira, até ao crepúsculo, percorríamos as livrarias e jantávamos tarde, contabilizando bibliografias, rindo da universidade. Quando vinha a conta percebíamos que era necessário mudar de hotel, mudar de profissão ou mudar a tese. Mudámos. Já nessa altura éramos darwinianos.

||| Balanço, 5.
Quando pensei escrever a tese, esse momento lancinante e na altura dramático (jovens assistentes perdidas entre Xanax e cachecóis, embrulhadas em fichas, caminhando com solenidade entre aulas, ou mestrandos aplicados onde sempre havia os melhores -- os mais irónicos, os mais soezes, os mais verrinosos, os talentosos que sabiam que Camilo era melhor do que a discussão sobre a natureza do romance e que Machado era superior à lamechice sobre o realismo)*, escolhi uma coisa grandiloquente. Só podia ser assim. O meu orientador vivia em Madrid, respirava a noite de Madrid, conhecia as mais bonitas universitárias de Madrid, o seu carro desfazia-se aos pedaços subindo os passeios, tinha uma biblioteca espantosa sobre literaturas nórdicas -- e tinha escrito, entre outras, uma tese sobre o artigo definido em islandês antigo. Eu ia a Madrid, almoçávamos longamente, até tarde. Falávamos sobre política (ele era trotsquista, mas da facção gastronómica), futebol (ele era madridista) comíamos, eram lições comoventes sobre o Edda, o Havámal, os pequenos versos dos vikings, a geografia do Norte. Percebi que estava perdido.

* Sim, eu acho que os estudos de Abel Barros Baptista são do melhor que há sobre literatura.

||| Poesia & Lda.













Poesia ilimitada: João Luís Barreto Guimarães tem um blog sobre poesia. E arranca com uma surpresa para barrar preconceitos: Dan Brown (esse mesmo, o de O Código DaVinci) começou pela poesia; o seu primeiro livro levou o título Matter, e João Luís transcreve e traduz um dos poemas, «As Seen at the Uffizi» (Crosstown Books, 1995).

||| Balanço, 4.
Um dia apareceu sobre a mesa da biblioteca um livro de Charles du Bos. Um pré-histórico, para não dizer reaccionário. Antes o ensaio de Jean-Paul Sartre que levava o mesmo título. «O que é a literatura?» Ora, a pergunta não era essa, mas sim: «O que é um texto literário?» (a questão da literariedade era igualmente pré-histórica, valha a verdade, e ninguém se preocupava muito em estudar os textos originais, tanto mais que tínhamos descoberto, oh vaidade pós-adolescente!, que Jakobson se referia apenas à poesia modernista russa). As questões fundadoras eram mais importantes do que a literatura. Foram precisos anos de várias desilusões para perdermos o campeonato. Mesmo aí, a lição veio dos mestres. Em Portugal, Jacinto do Prado Coelho, por exemplo. Ele não era professor da minha faculdade, mas fui espreitá-lo. Aquela alegria era fatal para desmoralizar a nossa vontade de exaustão. Ser impressionista, esse pecado mortal, nem sequer se aprendeu nos livros -- mas na literatura ela-mesma. Ou seja, nos desencontros entre a nossa vida e as nossas leituras. Acho que foi por isso que nunca quis ser professor de literatura. Quando tive que ensinar (quis ensinar) dediquei-me a matérias pouco ou nada flutuantes. O claustro da universidade onde ensinei, em Évora, provou depois que essa intuição estava certa.

||| Balanço, 3.
Eu tomava o 18 ou o 42 para ir para a faculdade (na Av. de Berna, claro). À hora de ponta, encontro-o cheio de livros debaixo do braço, além da pasta; éramos de faculdades diferentes mas o «demónio» tomara conta de nós ao mesmo tempo, e às vezes trocávamos fotocópias. Naquela tarde de chuva ele entrou no autocarro, cheio, a transbordar, em plena Av. da República. Aceno-lhe (eu levava o Se7e na mão). Ele grita o meu nome e acrescenta, do fundo do corredor: «Estou a ler Greimas! Estou a ler Greimas!» Sorri, acho eu, corando. E murmurei para o Fernando, que ia comigo: «Pois, o jogo é domingo...»

||| Balanço, 2.










Um dos debates era sobre «a alma». Ora, «os estudos literários» não deviam ter nada a ver com «a alma»; a sua matéria eram os textos, as estruturas, as recorrências & repetições, as viagens alucinantes à «gramática profunda» do texto, as contribuições dos mestres (não, não Barthes, sobre quem havia desconfiança depois de S/Z)*. Interrogação pura, literatura transformada em «matéria fanérica». Lembro-me que, uma tarde, a meio de uma aula, Eduardo Prado Coelho mencionou «a alma». Fez-se um silêncio (nessa altura ele ainda não tinha começado o mestrado sobre «pós-estruturalismo»). Um de nós, que tinha devorado Les Mots et les Choses e um pacote que ia de Mukarovsky a Levin, de Lotman a Riffaterre, durante o primeiro semestre, deixou passar o momento de incómodo e perguntou: «Sim? E o que é a alma? Não tem nada a ver com a literatura.»

* - Sim: nessa altura Kristeva ainda não se tinha dedicado a profissões mais lucrativas e Todorov ainda era um mestre de régua & esquadro.

||| O balanço.
À medida que vou fazendo o balanço dos livros do ano e lendo os dos outros, aqui e ali, vou reparando como estavam certos os pessimistas das aulas de teoria da literatura durante os debates da faculdade. Alguns terminavam em insulto. Eu era contra «os impressionistas». Na verdade, o estruturalismo era a doença infantil dos estudos literários modernos: tudo a limpo, com aquela transição suave para a «desconstrução». Li muito Paul De Man. Quando encontrei o «pai do estruturalismo» pela frente, numa sala de aula, vi que ele já tinha feito outra transição, para a «hermenêutica», para os clássicos alemães; e que nós tínhamos sido ultrapassados «pela direita». Não me senti traído; senti-me um personagem das novelas de Tom Sharpe, quando Eva Wilt vai de fim-de-semana com um «casal moderno» e «sexualmente livre» para descobrir que era tudo fachada.

||| Apostas? Aposto que sim.
A polémica das apostas é ridícula. É ilegal? Parece que não. Que mal faz? Desconfio que me argumentarão com a honorabilidade das coisas presidenciais e com a altíssima carga política que a coisa transporta. Eu sei. Já fiz umas três apostas para estas presidenciais. Venham cá com ameaças da CNE.

23 dezembro, 2005

||| Festejos, lembranças.






Boas lembranças para todos, bons festejos.

Primeira vela de Hannukah no domingo. Boa sorte.

||| Balanço literário de 2005.









A emissão do Livro Aberto deste sábado é dedicada a fazer o balanço literário do ano. Convidados da emissão: Isabel Coutinho, Pedro Mexia, Eduardo Pitta e Fernando Pinto do Amaral. Destaque para muitos livros de poesia (essencial), ficção estrangeira (muita), ficção portuguesa (bastante) e ensaio (muito). E piadas, num quarteto bem-humorado, rodeado de livros. A não perder.

RTPN: sábado às 23:00, domingo à 01.00; quarta às 20:00.
RTP Internacional e RTP África: quinta às 05:00, hora de Lisboa-GMT.
2: quarta às 01:30 h.

Excepcionalmente, será repetida na próxima terça-feira (RTPN) a emissão do Livro Aberto com José Pacheco Pereira -- em cima da mesa, a biografia de Álvaro Cunhal.

||| Unir os portugueses.
O João Gonçalves chama a atenção para a publicação deste texto no A Minha Rica Casinha. Trata-se de um excerto de um artigo de José Amaro Dionísio, publicado na Grande Reportagem de Abril de 2002, então mensal, sobre a tese de Maria Estrela Serrano acerca das relações entre Soares e a imprensa. Ou seja, como Soares se serviu das presidências abertas para «unir os portugueses»: «"As presidências abertas foram construídas para dar visibilidade ao dr. Soares e para desgastar Cavaco Silva", diz Estrela Serrano em declarações à GR.»

||| Finalmente, percebo a cinefilia lusitana.













O Crime do Padre Amaro já é o segundo filme português mais visto de sempre em salas de cinema. Na imagem, Soraia Chaves, a Amélia. Não tirem conclusões apressadas em relação à percentagem de admiradores da personagem feminina; é puro fascínio intelectual.

||| Betandwin.
É mesmo verdade. Apostas sobre as eleições presidenciais portuguesas. Mas já lá estão as suecas (de Setembro de 2006) e as americanas (de 2008).

||| Maradona detido no Rio.
A ideia de o maradona ser detido num aeroporto brasileiro pareceu-me uma espécie de pórtico para a glória. Fiquei com inveja. O maradona detido num aeroporto, e logo no Rio? Que chique. Mas logo veio a desilusão: afinal era o outro, o falso, o Maradona.

22 dezembro, 2005

||| Patriotismo, Lei da Rádio e defesa daquilo que é nosso. {Actualizado, com as discordâncias.}
Se há uma lei idiota da música portuguesa para impor às rádios uma quota mínima de letras vagamente escritas em português, isso quer dizer que o Estado e o Parlamento andam a privilegiar os músicos em detrimento das outras classes profissionais? Para quando uma lei da literatura portuguesa que obrigue os leitores a comprar um mínimo de 50% de livros de autores portugueses (sim!, para quê Philip Roth ou Cees Noteboom, se temos Saramago), dedutíveis e escrutináveis na sua declaração de IRS (ou através de escutas telefónicas)?

António Viriato discorda: «Permito-me discordar frontalmente. Na Rádio, faz todo o sentido impor uma quota mínima de música nacional. Em quase todo o lado isto é praticado, a começar aqui ao lado, em Espanha. A discussão da qualidade, alegadamente fraca, da música portuguesa, é um sofisma. A maior parte da música estrangeira que passam, anglo-saxónica, tem baixa qualidade e então das letras nem é bom falar. Quando se consegue entendê-las, comprova-se a sua inanidade, a sua pobreza de ideias e de sentimentos, repetitiva por demasia e de teor cultural elementaríssimo, quase para débeis mentais. Porquê condescender aqui na música estrangeira e exigir o contrário na nacional? A comparação com a literatura, feita por FJV, não tem aqui nenhum cabimento. São coisas completamente diferentes. Se não privilegiarmos a música nacional, na nossa Rádio, corremos o risco de desabituar o ouvinte português de a escutar, de a apreciar, criando até uam espécie de complexo, que pode até resultar em aversão, mesmo em relação à que tenha qualidade. Os jovens, principalmente, ficarão sem referências da música do seu país, da sua cultura, e tornar-se-ão presas fáceis de qualquer mixórdia bem comercializada que lhe apresentem. De resto, já nos aproximámos demasiado deste estado de coisas. Um povo que não preserva a sua cultura está destinado a desaparecer ou a ser colonizado por outras mais agressivas, menos complexadas, quer tenham ou não qualidade intrínseca. Isto não significa que nos fechemos aos contributos culturais, musicais, alheios. Nada disso, mas não devemos cair em ingenuidades suicidárias. Espero que este depoimento seja bem entendido. A moda de que o Mercado é que dita a qualidade é um embuste, neste caso, pelo menos. Se não se educar o gosto, se não se der oportunidade à expressão da música portuguesa, se não se oferecer quantidade, dificilmente surgirá qualidade. Quando não havia destes complexos anti-nacionais, a música portuguesa era geralmente ouvida com agrado e tinha melhor qualidade. Basta comparar as canções portuguesas que foram ao Festival da Eurovisão nos últimos 40 anos. Cada ano são de pior qualidade, desde os anos 60 para cá. Será que os autores e compositores portugueses perderam inspiração?»

Não resisto ao comentário da Joana C.D., por mail: «Não ponha mais ideias nas cabeças pensantes dessas luminárias que guardam o "Estado". Eu, portuguesa de gema, (com algum pó galego), correria sérios riscos de passar para a clandestinidade. Imagine-se as meninas (às vezes meninos) da caixa da FNAC a examinarem as nossas compras e preencherem o formulário das "quotas"! E se eles insistirem no mesmo para o calçado? Schhh! Schhh!»

Pergunta a Luísa G. M., por mail: «Acha mesmo que é possível uma quota desse género para a literatura? Está mesmo a falar a sério?»
Não. Não estou a falar a sério.

||| Liberdade.
Vale a pena ler o artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje: «Os direitos do Estado e os nossos».

21 dezembro, 2005

||| Sim, Nuno, sim.
Não entrei na guerra dos crucifixos, que é elementar -- definida na lei e tudo. Mas não me importava que limitassem as canções de Natal. Tirando essas, uma ou duas vezes por ano.

Isto a propósito da excelente amostra de música que nos dás.

||| Não é presente de Natal.
Mas os tarados, pornógrafos e afins, ficam a saber que o livro da Bruna Surfistinha vai sair em Portugal em Março próximo. Não é um Beckett.

||| McGuffin.
O Carlos está de regresso, mais melancólico, citando Beckett: «Pessoalmente, é claro, deploro tudo. Não há uma palavra, um acto, um pensamento, uma necessidade, uma pena, uma alegria, uma rapariga, um rapaz, um medo, uma dúvida, uma confiança, um sarcasmo, um desejo, uma esperança, um medo, um sorriso, uma lágrima, um nome, uma face, um tempo, um lugar, que eu não deplore, para lá de tudo. Lixo, de principio ao fim.»

||| O debate.
Cavaco ganhou o debate de ontem. Não pelo que disse. Mas por quase tudo o que Soares fez. Ao contrário do que o ex-presidente disse à saída dos estúdios, não se colocaram questões políticas, na verdade -- mas de carácter. Ontem esteve em julgamento o carácter de Cavaco. É claro que há um argumento em defesa do género: que as questões de carácter nos interessam. Se isso é verdade, Soares revelou um carácter que não me interessa, misturando ressentimento com arrogância, insinuações e com aquele feitio miudinho, chato, de proprietário cheio de certezas. E isto é tudo.

Ver, entretanto, o que escrevem João Gonçalves e MacGuffin.

20 dezembro, 2005

||| Paisagens.













Gelo nas estradas. Montalegre, Pitões das Júnias, Alturas. Tourém, matas de Carvalhelhos. Temperaturas e meteorologia dentro do habitual. Os miúdos escalam as paredes de um castelo e abrem o apetite permanente. Eu leio O Espião que Veio do Frio, de John Le Carré, as desventuras de Alec Leamas, mas só à noite. Não há livro mais indicado.

||| Os números.
Suponho que pouca gente seguiu atentamente o debate mensal no parlamento, com o primeiro-ministro. Eu costumo ouvuir quase sempre, e pela rádio. Mais um vez, isto: os números. Cada bancada usa números para trabalhar como malabarista. O governo compara números deste trimestre com os do trimestre homólogo. A oposição compara-os de trimestre a trimestre. A guerra dos números revela aquela pobreza geral que nós sabemos: a da cabeça.

||| O cantinho do hooligan.
Afinal, já se percebeu que os relatórios secretos de Scolari podem incriminar quem ele quiser. Neste caso, Vítor Baía, claramente. Mais valia o cavalheiro estar calado. Era bom para todos. Assim, espalha a suspeita sobre a Federação de Futebol, sobre os seus técnicos e, sobretudo, sobre ele próprio. O que há de tão assustador nesses relatórios que desaconselhavam a convocação de Baía?

18 dezembro, 2005

||| O cantinho do hooligan.
Dançar o tango, e nem uma palavra mais.

17 dezembro, 2005

||| Assim, sim.
Nos últimos dias, eu e o Pedro temos sido bombardeados por perguntas do género, «então vocês andam zangados?». A questão central parece que foi um artigo que escrevi sobre Filomena Mónica, no JN, e outro do Pedro sobre Filomena Mónica, no DN, em que tínhamos opiniões diferentes sobre o livro. Vá lá, diferentes. Também temos opiniões diferentes sobre futebol (ele é do Benfica, eu sou do FC Porto), sobre presidenciais, sobre actrizes e até (como compreendi depois) sobre a consistência da tarte tatin quente do Cafeína. Andamos zangados há muito tempo, como se vê. Assim sim, gosto quando a intriga volta aos seus melhores dias.

Já agora, preparem-se para o novo livro do Pedro, reunião das suas crónicas na Grande Reportagem, que está prestes a sair.













||| Sim, eu gosto de Ana Carolina. E daí?
Ana Carolina, na edição da Veja desta semana: «Acho engraçado quando alguém chega a meu camarim e diz: 'Que coragem a sua de cantar Eu gosto de homens e de mulheres!'. Poxa, 'coragem' é uma expressão muito antiquada nessa área.» [...] «Sou bissexual. Acho natural gostar de homens e mulheres.» [...] «Sou contra essa postura de levantar bandeiras para defender o homossexualismo, pois fica parecendo que ser gay é uma doença.»

||| Discos para fim-de-semana.










Entre o vinil e cd.
«Oh, baby, sweet baby/ What am I gonna do, yeah, yeah/ Baby, sweet baby, my babe/ What am I gonna do with you, yeah.»

16 dezembro, 2005

||| Entrevista com Dawkins.
Via Alex Castro, aqui está uma entrevista com Richard Dawkins «about intelligent design, dishonest Christians, and why God is no better than an imaginary friend».

||| El momentazo.
Ter um prémio porque «le da la gana» é muito melhor do que ter um prémio por milhares de razões, mesmo que elas sejam boas. Eu gosto desses prémios. Obrigado.

||| Momentos zen.
Algumas cenas fatais na história do cinema.

||| Varig, 2. {Actualizado}
Sobre o «caso Varig», ler o post de Gonçalo Soares no Gândavo.

E ter em atenção o afastamento da Fundação Ruben Berta do controlo da companhia, decidido pelo tribunal, depois da inflexão estratégica de anteontem.

ADENDA AO FOLHETIM: tribunal recoloca a Fundação Ruben Berta na administração da Varig.

||| Português, sim. E Filosofia não, porquê?
Questão de puro bom-senso. O Ministério da Educação decidiu manter a obrigatoriedade do exame nacional de Português em todos os cursos gerais do 12.º ano, substituindo a Filosofia pela terceira disciplina nuclear que até agora não estava sujeita a exame.

Mas fica essa pergunta: Filosofia não, porquê?

ADENDA: Os professores de português (aliás, a sua Associação) ficaram perplexos com a decisão do Ministério. Não me parece mal, dadas as coisas que nos deixaram perplexos antes, ditas pela Associação.

||| A tragédia.
O discurso de Mário Soares aproxima-se, finalmente, da dramatização. A sua guerra pessoal contra Cavaco transformou-se, aos poucos, numa coisa doentia, recorrente, repetitiva, monótona e desagradável. Mais do que isso, com aquela marca de ressentimento que vem sempre colada ao anúncio das tragédias (e que esteve prestes a anunciar no debate com Manuel Alegre). Na entrevista de ontem na Antena Um, Soares repetiu a expressão «seria uma tragédia», quer em relação a assuntos europeus, quer, no fundo, em relação à eleição de Cavaco. Essa ideia de «seria uma tragédia» («seria uma tragédia» não ser eleito), de qualquer modo, vai tendo teve inflexões e desmentidos (Cavaco, afinal, já não é um papão apesar de lhe poder vir a tirar o sono) porque não é possível mantê-la em regime permanente. O que a candidatura de Cavaco (para temor de soaristas e de cavaquistas) vem fazer, no fundo, independentemente de si mesmo, é interromper um ciclo conservador onde o republicanismo se sobrepõe aos valores republicanos.
Por outro lado, a ideia de tragédia na política é sempre populista; a sua dramatização assenta em coisas vagas, num discurso sem referente. Na verdade, Cavaco, o gajo, é uma peça menor neste tabuleiro -- o que assusta, agora, é o fim do ciclo político em que não se podia questionar o seu lugar sacerdotal (daí o seu despeito em relação a Alegre, a quem acusa de estar impreparado -- como se a única preparação para exercer o cargo viesse do facto de o ter já exercido, o que resultaria numa espécie de casta republicana que só viveria na sua órbita). Até em coisas banais Soares deixa esse sinal, repetindo nos debates e entrevistas a expressão «não é disso que eu quero falar» ou «eu quero falar é de».
Esta campanha veio trazer um Soares que não merecia ser visto desta maneira, dada a sua importância para o quadro geral da República: obrigado a desmentir-se a si mesmo (em relação a Sócrates, que odiava; em relação à qualidade dos políticos; em relação a África; em relação a Guterres, sobre quem diz coisas ditirâmbicas, a propósito da «estratégia de Lisboa»; em relação ao PS), a falar do que não quer e do que o enfastia, defendido por Jorge Coelho com a ideia absurda da desistência dos outros candidatos de esquerda. Mas a procissão de coisas absurdas vai continuar.

Adenda: Jorge Coelho retirou o apelo à desistência das outras candidaturas. «Mas o aviso ficou registado.» Estas declarações são o reinício da dramatização.

||| Vitorino contra Soares?
«Portugal não precisa de dom Sebastiões ou de homens providenciais, mas de um Presidente da República que saiba unir os portugueses.» António Vitorino, criticado subtilmente por Mário Soares uns dias antes, estaria a referir-se ao antigo presidente da República?

||| O traidor do rock'n roll.
Aqui e aqui, o Nuno Lima começou a elaborar uma lista de canções «para a dor de corno».

15 dezembro, 2005

||| A guerra das audiências vai ser feroz.














Uma pessoa, de vez em quando, esforça-se. Fala de temas morais e de livros com índice remissivo, cita os mestres e até comenta os despautérios da política. Muito bem. Mas quando se fala de Luana Piovani, não há dúvida, a audiência sobe. A partir de agora haverá uma série de «Posts Luana Piovani da semana» e mesmo «Posts Meg Ryan da semana» (é uma questão pessoal). A guerra das audiências vai sempre dar ao mesmo. Sexo, sexo, sexo. Só pensam nisso. Depois queixam-se.

Sim, podem pedir a publicação da foto de Luana Piovani na Academia Brasileira de Letras, podem.



||| José Pacheco Pereira no Livro Aberto desta semana.
Cinquenta minutos para falar de Álvaro Cunhal. Uma Biografia Política (Temas & Debates), o terceiro volume da biografia, dedicado ao período entre 1949 e 1960, ou seja, aos anos da prisão. Temas em cima da mesa: o julgamento de Cunhal, a passagem pela Penitenciária de Lisboa, as marcas da prisão na vida de Cunhal, o afastamento entre Cunhal e o PCP durante os anos de Júlio Fogaça, e, naturalmente, o tema polémico das execuções de membros do PCP durante os anos cinquenta.

O Livro Aberto é emitido na RTPN aos sábados, às 23:00; aos domingos às 13:00; às segundas e quartas às 20:00. Na 2: nas noites de quartas para quinta à 1:30. Na RTP Internacional e RTP África aos domingos, às 05:00 de Lisboa-GMT (menos duas horas em São Paulo).

||| What Your End-of-the-Year List Says About You?
Via Rui Manuel Amaral (Dias Felizes), leia-se o texto de Jessa Crispin: «What Your End-of-the-Year List Says About You?», no The Book Standard.

E continuemos a votação nos melhores livros de 2005, no Livro Aberto. Recordo que a lista definitiva com os finalistas será publicada no Mil Folhas, do Público.

Daqui a duas semanas, o programa terá como convidados Isabel Coutinho, Eduardo Pitta, Pedro Mexia e Fernando Pinto do Amaral e o tema será, naturalmente, o balanço do ano editorial.

Actualizações no Livro Aberto, com as listas de best-sellers.

||| Democracia.
«A cada duas palavras que ele fala, uma é a palavra democracia. Pois é: o mal das democracias é que elas acabam sempre na mão dos democratas.» Millôr Fernandes.

||| Luana, não te queremos intelectual.











O Sérgio Ripardo, da Folha, acha-se chocado com o facto de Luana Piovani ter demorado seis meses a ler Cem Anos de Solidão. Por esse ritmo, diz Sérgio, Luana levaria quatro anos para ler os volumes do Harry Potter. Bom. O seguinte: Luana, nós não te queremos intelectual. Nem eu, nem o Jorge, nem o Luis F. Verissimo. As coisas são como são e para o que são. Esses críticos não entendem nada.

||| Por falar nisso.
Lembra-me a H., por mail, porque eu devia estar distraído na altura: Jerónimo de Sousa falou do «investimento beduíno»? Se fosse Cavaco, teríamos o SOS Racismo a falar?

||| O Kalevala.
Li o Kalevala (o poema nacional finlandês) em francês e acompanhei as aventuras de Väinämöinen, o herói. Naquela altura, por volta de 1986, conhecia a Lapónia, a arquitectura de Alvaar Alto, os romances de Mikka Waltari, os bosques de Kuusamo e a fronteira da Carélia, as estradas de Rovaniemi e as livrarias da Manherheim. Ainda não havia o blog do Homem das Neves. Isto tudo a propósito da versão portuguesa do Kalevala que vai estando disponível na net, através de Orlando Moreira.

||| Os debates.
Artigo de hoje no Jornal de Notícias.

||| Destruir um livro.
Por exemplo, o que leva um editor a publicar um pequeno ensaio de George Steiner (A Ideia de Europa, Gradiva), repito, de George Steiner, e a imprimir, na capa «Prefácio de José Manuel Durão Barroso»? Vejam se percebem o absurdo.

||| Filomena Mónica.
Texto da semana passada, publicado no JN, sobre o livro de Filomena Mónica.

||| Varig.
Enquanto o Gonçalo acompanha, em São Paulo, o negócio da Varig, aqui comenta-se muito sobre o «abandono da Tap». Na verdade, a hipótese Nelson Tanure acaba de ser suspensa. A história da Varig é mais do que uma soma de incongruências, de má administração e de esbanjamento; é, também, nas mãos da Fundação Rubem Berta, uma amostra do triste nacionalismo económico brasileiro. Um dia, por este caminho, a Varig somar-se-á à Transbrasil e à Vasp.

||| Leituras brasileiras.
O Paulo Gorjão assinala a Primeira Leitura, uma revista brasileira, que leio desde o primeiro número. Herdeira da República, outra revista marcante, e parceira da Bravo! (agora no grupo Abril) a Primeira Leitura foi primeiro um site muito interventivo e culto. O Paulo chama a atenção para os textos de Rui Nogueira; eu acrescento os notáveis artigos de Reinaldo Azevedo.

Um dos textos de Reinaldo Azevedo que citei ultimamente: sobre Seu Jorge. O texto da sua coluna na última edição da Primeira Leitura começa assim:

“Sou o próprio homem inatual. Adoraria ver a esquerda combatendo em nome dos seus antigos princípios. Mas os esquerdistas se tornaram, como dizer?, culturalistas. Não dão mais a menor pelota para a economia. Abandonaram miseravelmente o marxismo – talvez por dificuldade de leitura e interpretação; Marx pode ser terrivelmente chato e obscuro. Fizeram-se “militantes” de hábitos e costumes que consideram heterodoxos e progressistas.”

||| Enfim.










Depois de, em Outubro, anunciar que Israel devia ser «riscado do mapa», Mahmoud Ahmadinejad, presidente iraniano, diz que o Holocausto foi uma «invenção europeia»: «Eles fabricaram uma lenda sob o nome de "massacre dos judeus" e colocam-na acima até de Deus, da religião e dos profetas.»

Na foto, o sequestrador Mahmoud Ahmadinejad escolta um dos reféns da embaixada americana em 1979.

13 dezembro, 2005

||| Se.
Se Cavaco tivesse mencionado, na sua intervenção sobre a «aquisição de nacionalidade» e o acolhimento de emigrantes a expressão usada por Jerónimo de Sousa («pensar em Portugal, pensar nos portugueses...»), teríamos direito a foguetório por parte dos analistas de texto.

||| Portugal e Saddam. Actualizado.
«Colin Powell afirmou que Saddam tinha a intenção de usar armas de destruição em massa em Portugal.» Vem na Folha de São Paulo, que titula: «Saddam planejava atacar Portugal, diz Powell.» Uma notícia como esta merecia que se consultasse a fonte, a agência espanhola, Efe. Fui lá. Diz o despacho: «PORTUGAL-EEUU Sadam Husein pretendía usar armas destrucción masiva, dice Powell. Lisboa, 13 dic (EFE).- El ex secretario de Estado de EEUU Colin Powell insistió hoy en que el depuesto presidente de Irak Sadam Husein tenía la intención de usar armas de destrucción masiva, por lo que justificó la intervención estadounidense en el país árabe.» Ou seja, o lead da Folha deveria ter sido «Colin Powell afirmou em Portugal que Saddam tinha a intenção de usar armas de destruição em massa.» Mas entretanto vejo que o Diário Digital também titula como a Folha. Além de o texto ser muito parecido com o do jornal brasileiro e não se saber se a fonte é reportagem própria, a Folha ou a Efe. Conclusão: não acredites nas manchetes; não acredites outra vez na teoria das armas; ou, simplesmente, não te levantes cedo demais.

ADENDA: Passadas duas horas e meia, a Folha de São Paulo corrigiu o texto. O Diário Digital mantinha o erro. Informa o Gonçalo.

||| Dilma, the incredible.
Segundo o Rogério Barcelos Alves, isto pode ser o sinal de que Dilma Roussef está na corrida para o Planalto. Epa.

||| As coisas que se confessam.
Ainda futebol: o comentador/narrador da SportTV armadilhou-se a si próprio quando Ahmad, o avançado do Belenenses, rompeu pela área do Setúbal diante de Moretto, o guarda-redes. Este saltou-lhe ao caminho sem lhe tocar, Ahmada perdeu a bola e continuou a correr sem ela. Comentário televisivo: «Ahmada podia ter conseguido um penalti para o Belenenses, podia ter tirado partido da proximidade de Moretto e ter simulado uma queda... Foi, pode dizer-se, um anjinho.»

||| Condições objectivas.
Lembram-se daquele atleta que se queixava que a Federação de Atletismo não lhe pagava as sapatilhas? Lembrei-me dele ontem, depois de ouvir Nandinho, o capitão do Vitória de Setúbal, a assumir «a corrida ao título». Evidentemente que é um excesso. Mas compreende-se, numa equipa que está em terceiro lugar (facto), a dois pontos do FC Porto (facto), depois de vencer mais um jogo (facto) e de ter salários de três meses em atraso (facto). Um jornalista perguntou-lhe então: «E sente que têm condições para correr para o título?» Nandinho quase nem sorriu: «Não. Condições não temos.» A isto chamo eu contornar o destino num país em que «as condições» nunca estão reunidas. Condições não temos, mas que se lixe. Ah, portugueses.

12 dezembro, 2005

||| Os melhores livros de 2005.
Aqui está uma segunda lista geral de livros mais votados para o Livro Aberto.
Votações aqui.

||| Como se chama a isto?











Só na cabeça de quem considerou José Dirceu a figura do ano 2004 na política (já queimado pelo escândalo Waldomiro Diniz e pelas denúncias de corrupção) e Marta Suplicy (em vésperas de ser derrotada nas eleições de São Paulo) no soçaite, cabe esta ideia de considerar Dilma Roussef a personalidade do ano. Dilma Roussef era a ministra da Energia e actual ministra da Casa Civil, encarregada de substituir Dirceu (entretanto cassado) e de promover a todo o custo a reeleição de Lula. Leiam a Isto É, leiam, e saibam o que é informação paga. E queixem-se da Veja.

Entretanto, continua o desfile de histórias em redor do companheiro que não sabia de nada.

11 dezembro, 2005

||| Exames de Português e Filosofia. O começo do debate.

Escreve Lucinda Fialho, por mail:

«Respondo ao seu post citando Joaquim Manuel Magalhães: "Querem ter um povo educado? Um país desenvolvido? Uma colectividade capaz da múltipla imaginação do seu próprio futuro? É claro que não. Estes fulanos que nos governam querem é o vazio. E que depois o vazio vote neles." [Joaquim Manuel Magalhães, "No Ensino Secundário", in Independente-Vida3]
Se há no nosso país um grave deficit económico, há sem dúvida um ainda mais grave deficit de refexão e de capacidade de expressão, com o daí decorrente , deficit de acção. E é precisamente isto que convém aos oportunistas que nos têm vindo a governar e que nos governam. É exactamente isso que eles pretendem: "Estes fulanos que nos governam querem é o vazio. E que depois o vazio vote neles."
Direi ainda com J.P.Pereira : "Pobre país o nosso..."»

Ver também: notícia no JN e na TVI, posição das «associações de pais».

09 dezembro, 2005

||| Manuais escolares: há um problema de liberdade?
Segundo o Público, tanto a APEL como a União de Editores se opõem «à criação de comissões para avaliar e certificar os manuais escolares antes destes serem lançados». É matéria para debate. Haver certificação dos manuais parece-me bem, por princípio. O Ministério quer criar comissões para avaliar os manuais; os editores propõem que sejam os professores de cada escola a escolher, com inteira liberdade -- e que, caso haja avaliação prévia, ela deve ser feita pelas universidades e «escolas superiores de Educação», ou seja, de onde vem quase todo o eduquês. Mas -- um gigantesco mas -- há uma afirmação interessante de Vasco Teixeira, o homem da APEL e da Porto Editora, que acusa «uma ala mais à esquerda do PS» de querer «tomar o controle ideológico na área da edição». Uma coisa, no entanto, é certa: é necessária uma avaliação dos manuais escolares e algum processo de certificação. Não sei até que ponto. Quando os editores dizem que o Ministério da Educação pode mandar retirar os manuais que contenham erros e babaridades, convém saber se o processo é assim tão fácil.
Matéria quente, matéria quente. Não se distraiam nem se iludam.

||| A ver.
Em processo de investigação (aceitam-se informações e esclarecimentos): o facto de o Ministério da Educação pretender acabar com os exames nacionais de Português do 12.º ano.

||| Revista de blogs. Pais.
«Perguntas que ficam para o fim: como é que se vai chamar o pai da criança?»
{Nuno Costa Santos, no Melancómico}

||| Revista de blogs. Don't look back.
«A RTP-Memória está neste preciso momento a passar uma entrevista a Mário Soares ( o amigo de Carlucci) e a uma jovem promessa do PCP, Jerónimo de Sousa. No RALIS está tudo calmo, na LISNAVE também, a unidade sindical é que está um bocadito tremida.»
{Filipe Nunes Vicente, no Mar Salgado}

||| Revista de blogs. Dezembro, o mês mais cruel.
«A comida, a bebida e o amor fazem frente ao mais duro dos Invernos. Tudo o resto está a ser registado na back-up memory, que é como quem diz, nas entranhas e no coração.»
{Polly, no Diotima}

||| Revista de blogs. Homens.
«Homens são homens e é ótimo que continuem assim. Odeiam xópim. Não falam sobre seus sentimentos. Gostam de futebol. Usam a mesa de centro para apoio dos pés. Adoram pornografia. Não sabem se vestir direito.»
{Ticcia, no Megeras Magérrimas}

||| Revista de blogs. A outra vida.
«Dizem que a vida é injusta, e talvez só o Bill Gates discorde disso. É possível que a vida (ou a morte) após a morte também seja.»
{Fabio Danesi Rossi, no FDR}

||| Leituras em dia.













E portanto. De alguma maneira, e por uma boa circunstância, senti-me sempre ligado à edição da biografia de Cunhal, escrita e investigada por José Pacheco Pereira (edição Temas e Debates). Este volume, mais uma vez, é uma das grandes leituras do ano.

Entretanto, JPP inaugurou um blog sobre a sua biografia de Cunhal.

08 dezembro, 2005

||| Jardineiro fiel.
Não vi o filme mas é um livro que está nas minhas estantes preferidas (não como Um Espião Perfeito, superior). Há duas coisas que nunca esqueci: a forma como Sandy amava Tessa; a forma como Justin não amou Tessa. É um absurdo. Está explicado o meu pequeno conservadorismo político.

||| Claro.
Mas, claro que dou os parabéns aos benfiquistas. Mas um hooligan é um hooligan. Ou temos de abdicar dos nossos princípios?

||| Feriado.










No feriado, Quinta da Regaleira, Sintra.
Sorte os portugueses estarem nos xópingues.

||| Na verdade.
Na verdade, Berenice Procura, de Garcia-Roza, não é tão bom como Uma Janela para Copacabana, Vento Sudoeste ou O Silêncio da Chuva. Não é.
Na verdade, o ritmo do livro de Ruy Castro sobre Carmen Miranda é bom. Mas começa por dizer que a terra de Carmen é no Marco de Canavezes, distrito do Porto, província da Beira Alta.

07 dezembro, 2005

||| Pergunta inocente.
Onde está o Manchester United quando precisamos dele?

03 dezembro, 2005

||| Queriam?, 3.













A biografia de Carmen Miranda, por Ruy Castro (o autor de Estrela Solitária, a biografia de Garrincha, e de O Anjo Pornográfico, a de Nelson Rodrigues), aí está. A mim soa-me a grande trabalho (apesar da desconfiança do Ivan); além do mais, estive com o Ruy no dia em que ele regressou de Marco de Canavezes, a terra de Carmen Miranda (Várzea de Ovelha) e vi aquele brilho no olhar.

Ruy Castro, Carmen. (Companhia das Letras)

||| Queriam?, 2.













«Eu acho que o sexo tem que ser entre pessoas que se amam, ou se gostam, ou se respeitam, ou então não se conhecem mas não têm nada mais para fazer entre as seis e as oito. Senão fica uma coisa mecânica, entende?»

«Eu acho que na cama vale tudo, menos legumes. Já perdi a namorada porque disse que o meu limite era o pepino. E nos dávamos bem, ela também é do coral da igreja.»

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«Um dia Moacyr ("com ipsilone", como se dizia) chegou em casa e encontrou sua mulher na cama com um fuzileiro naval. Comentou que há muito tempo não via fuzileiros navais, com seus uniformes característicos na rua, e até se indignava se a corporação ainda existia.
-- Existimos -- respondeu o fuzileiro Tobias --, mas só para serviços especiais.
E Dalinda, ao seu lado, sorriu e baixou os olhos, imaginando que Tobias se referia a ela.»

Luis Fernando Verissimo, Orgias. (Objetiva)

||| Queriam?, 1.












Acabou de sair. Ainda a começar a ler. Defeito óbvio: não tem o delegado Espinoza como personagem.

«Às oito e meia da noite teve a certeza de que não haveria encontro. A galeria estava seca e razoavelmente limpa e, coisa rara, não havia ninguém lá dentro. De onde estava, podia ver uma extensão de praia corresponente a cerca de duas quadras da avenida Atlântica; se pusesse a cabeça para fora, poderia ver toda a extensão da praia. Perto das nove da noite optou por uma retirada segura por baixo da terra em direcção às ruas internas de Copacabana.»
Luiz Alfredo Garcia-Roza, Berenice Procura. (Companhia das Letras)

Sobre Luiz Alfredo Garcia-Roza no Gávea. Entrevista com Garcia-Roza na Ler. Garcia-Roza de A a Z.

02 dezembro, 2005

||| Brasil, notícias do bloqueio.
A cassação de direitos políticos de José Dirceu (ver aqui a explicação do processo) terminou com a frase do costume: não fiz nada que o presidente Lula não soubesse.

Sobre a cassação de direitos políticos de Dirceu: nada que ele não tivesse defendido noutras circunstâncias e em casos bem mais simples. Era inevitável que acontecesse.


Leia aqui o mais cómico do processo: Dirceu agredido à bengalada por escritor sexagenário.

01 dezembro, 2005

||| Vergonha.








Ainda não sei bem quem é Co Adriaanse. Mas sei quem é Jorge Costa e é muito pouco digno o que se passou em relação à saída do capitão. O Bruce Willis de Ermesinde. Percebe-se que o treinador tenha chegado e perguntado: «Quem é aí o líder?» E tenha decidido sacrificá-lo. Mas é uma vergonha que o clube não lhe tenha explicado quem é Jorge Costa, o capitão. Ficámos ao nível desses clubes de gabirus, sem memória nem dignidade.