||| Abel Barros Baptista propõe o Plano Nacional de Releitura.
Numa entrevista com Carlos Vaz Marques, Abel Barros Baptista propõe que se estimule a releitura, ou seja, que se trabalhe num Plano Nacional de Releitura.
Para ouvir o som da entrevista clicar aqui. O programa vai para o ar na TSF no próximo dia 5 de Junho, mas este extracto fica já online.
Mais: quem quiser pode descarregar a entrevista, depois dela ir para o ar, recorrendo ao podcast. Para subscrever (é gratuito) a possibilidade de descarregar as emissões do Pessoal e Transmissível o link a incluir no iTunes (ou programa similar) é este (http://tsf.sapo.pt/online
A Origem das Espécies
We have no more beginnings. {George Steiner}
29 maio, 2006
||| Impostos sobre SMS e e-mail.
Uma das vantagens desta proposta legislativa é que acabariam e-mails tontos com power-point acerca da felicidade, da paz e do segredo para fazer bem à humanidade.
||| Bom conselho (Chico Buarque, lembram-se?).
«Quem quiser preservar o seu lado de sombra, não deve dar-se com jornalistas», é o conselho de Franz-Olivier Giesbert, autor de La Tragédie du President - Scénes de la Vie Politique 1986-2006 (Flammarion), lido por Teresa de Sousa na edição do Público de hoje. Pensem bem.
||| Sul, Montemor.
Vale a pena acompanhar o Floresta do Sul, que é o blog do António Manuel Venda.
||| Perguntas.
«Pois bem, porque é que eu não posso fazer barulho e o Rock in Rio pode? As leis não são iguais para todos?» [No César & Dama.]
||| Eh, eh, eh.
O cantor que chegou a defender um projecto de controle e de censura para a televisão e o cinema (vide o Ancinav), defende, finalmente, a ética hacker.
||| Blogs e imprensa.
«En una decisión que podría marcar la pauta del periodismo en la era digital, una corte de apelaciones de California decidió el pasado viernes que los 'bloggers', al igual que los periodistas tradicionales, tienen derecho a mantener la confidencialidad de sus fuentes.» No El Mundo.
||| Pão de Mangualde. Um caso para estudo.
Através do Rui Branco cheguei a esta curiosa notícia. Os padeiros de Penamacor, pelos vistos, não gostam que os padeiros de Mangualde (cujo pão é melhor) lhes roubem a freguesia. Portanto, voltaram-se contra o livre comércio e um dia destes estarão nas manifestações contra a globalização. O prof. Boaventura consumirá pão de Penamacor ou de Mangualde?
||| Paizinhos na escola.
No artigo de hoje do JN comenta-se o pacote de ideias anunciadas por Jorge Pedreira, secretário de Estado da Educação, para «a avaliação de professores». O aspecto mais criticável desse pacote, à primeira vista, é a hipótese de os pais & encarregados de educação poderem ser chamados a avaliar os professores. Nem a brincar.
Também o Jansenista está contra.
||| Impostos.
O Parlamento Europeu estuda a hipótese de lançar um imposto sobre mensagens SMS e sobre e-mails. Segundo a notícia, a ideia é que o imposto ajude a financiar o Parlamento, tornando-o mais independente dos estados membros da União. Preparem-se.
P.S. - Os cidadãos desses estados podem, ou não, questionar o orçamento do Parlamento Europeu?
Adenda: Mais informações no Terra / Brasil («Parlamentares da União Européia estão avaliando a proposta da taxar e-mails e mensagens de texto enviadas por celulares (SMS) como uma maneira de bancar o bloco de 25 países no futuro.»), no O Globo.
28 maio, 2006
||| Colômbia.
Vitória de Alvaro Uribe.
||| Peru, 2. (& outros)
Hugo Chávez declara que «su gobierno no tendrá relaciones con Perú si el abanderado socialdemócrata gana los comicios peruanos». «No vamos a tener relaciones con Perú, lo vuelvo a repetir, si ese caballero es electo presidente del Perú porque es un irresponsable, un verdadero irresponsable.» [...] «Le pido a Dios que (García) no sea presidente, ojalá que Dios me oiga, el irresponsable, demagogo y el ladrón que es, porque es un verdadero ladrón, demagogo, irresponsable, embustero.»
Alejandro Toledo: «Lo que digo es que él no puede intervenir en los asuntos internos. Queda notificado, señor Chávez... no se meta con mi país.»
Hugo Chávez (cujo Alô Presidente é esta semana emitido da Bolívia) «El señor Toledo se sintió ofendido y arremetió contra mí (...) Dentro de poco será polvillo porque es un traidor de los indios [...] A los niños hay que borrarles a Superman y a otro personas creados por el imperialismo e inculcarle conocimientos sobre los héroes latinoamericanos. Mucha gente sabe que Superman nació en un planeta, pero muy poca gente sabe quien fue Tupac Amarú (...) hay que rescatar la historia, tenemos que construir el socialismo indoamericano, nuestro socialismo autóctono.»
Jorge Guiroga, ex-presidente da Bolívia: «Chávez cree que es Presidente de la República, actúa como si lo hubiéramos elegido a él (...) Es un caso de ultraje el que ellos deciden qué concejales pueden entrar o no a la testera, ellos deciden qué periodistas pueden entrar o no al Palacio, ellos subalternizan a nuestra Policía, a nuestras Fuerzas Armadas en un papel secundario, como si no pudiéramos garantizar seguridad. Y la injerencia en las políticas es preocupante, sistema de identificación, gas, política exterior y comercial, Constituyente.»
||| A temporada da cábula.
Mais um estudo interessante.
||| Peru.
«Hugo Chávez tem que aprender que a democracia se constrói exercendo o poder democraticamente, ele não pode mudar a vontade das pessoas com seus dólares.» [Alejandro Toledo]
27 maio, 2006
||| Portugaaaaalee.
Ou seja: jornalistas da bola, respeitem «o espírito de cooperação e saudável relacionamento» que existe com o Clube Portugaaaalee, ou terão problemas e serão recambiados. [Via Glória Fácil (JPH) e Contrafactos & Argumentos].
Claro que a FPF não expulsará ninguém. Claro que nenhum jornalista deixará de puxar pelo Clube Portugal. Mas convém notar que isso («Clube Portugal, como responsável pela emissão das acreditações para o estágio a realizar em Évora, reserva-se o direito de retirar a acreditação a qualquer membro da Comunicação Social que não respeite o espírito de cooperação e saudável relacionamento de trabalho») está escrito. E se está escrito é uma vergonha. Espírito de cooperação saudável? Retirar a acreditação? O que diz a ERC? Ou as leis da FPF não têm que respeitar a lei geral? E se não me apetecer cooperar -- e apenas dar notícias? Temos de ser todos da companhia? Abençoado «edifício desportivo» que tão saudáveis leis e tão bonito respeitinho promove.
26 maio, 2006
||| Vai ser um problema. Antes eram sabonetes e presidentes.
«Beijo gay nas mãos da administração: a administração da SIC vai decidir nos próximos dias se os portugueses poderão ver um beijo gay [...]»
||| O cantinho do hooligan. Já agora.
Rui Costa voltou ao Benfica. Isso é mau, porque era uma das minhas piadas preferidas: a de todos os anos, em Julho (segundo A Bola), o Benfica ser campeão e ter o Rui Costa. Durante cerca de oito anos, o Rui Costa regressava ao Benfica na primeira página; mas não vinha. Finalmente regressou. Não acho que ele regresse «para a reforma» -- Rui Costa ainda joga e ainda dá lições de futebol. Vai, provavelmente, ser um dos jogadores da temporada no Benfica. Vai jogar melhor e ser mais eficaz do que as meninas. Também é provável (menos) que vá ser trucidado. Mas não julguem que está «acabado».
||| Limpar comentários. Tons & comentários.
O papel dos comentários num blog é, reconheço, o de admitir uma certa interactividade. Mantenho os comentários como uma outra opinião sobre o assunto e, quando escrevo lá, é para corrigir afirmações ou para recentrar a discussão -- nunca para voltar a reafirmar a minha opinião; essa já consta do post. No anterior blog, o Aviz, a certa altura houve uma catadupa de comentários abjectos, insultuosos e excessivos -- e acabei com eles. Não valia a pena abrir o blog para essa pequena multidão de pessoas que até a insultar dá erros ortográficos. Neste blog, pelo contrário, optei por abrir a caixa de comentários e por manter esse princípio de não interferir na discussão a não ser que aquilo que eu disse esteja a ser deturpado. As opiniões são baratas e livres, se bem que toda a gente possa abrir um blog.
Muitas vezes sou tentado a fazer posts de alguns desses comentários -- porque são muito bons e acrescentam dados à discussão, mesmo quando ou até quando ou sobretudo quando não estão de acordo com aquilo que escrevi.
2. Ontem, por exemplo (a propósito de Timor), um leitor (que manifestamente não tinha compreendido a questão) publicou um comentário: que eu era um asno, que nunca mais vinha cá, etc. Hoje, o comentário desapareceu; não fui eu a retirá-lo. Nunca retirei um comentário, mas acho que existe esse direito. Em certa medida, os blogs seleccionam os comentários -- não são salas de chat. É aquela regra básica: quem abre as portas, corre riscos. A menos que se perceba que para lá da porta há um certo tom que está acima da baderna.
3. Há sempre uma excepção: o futebol. [Minto, há duas; outra é o Médio Oriente e a questão israelo-árabe.] Mas é um risco que corro. Ontem, dois homens do Benfica (um deles foi treinador, outro foi dirigente) diziam-me que eu era um verdadeiro hooligan, um fundamentalista do FCP. Em resposta mencionei uma equipa de trincos (à medida do engenheiro) a servir o Rui Costa e o Laurent Robert. Acabámos a rir. Eu rio. Os comentários sobre futebol não riem. As pessoas levam-se a sério sobre esta matéria, o que é bom para os jornais desportivos (vejam os últimos dois editoriais de A Bola e do Record). Eles levam-se muito a sério. Ontem, Vítor Serpa ficava satisfeito por «arrasar» Pacheco Pereira, a quem acusava de «elistista», por não gostar de futebol -- como se fosse um pecado (a não ser para o seu negócio de manchetes a vermelho que nos últimos 5 anos inventou catorze treinadores e mais de trinta novos jogadores de primeiro plano para o Benfica). Alexandre Pais elogiava Scolari por ter escolhido «estes 23», depois de ter visto os sub-21. Gente séria. De tom sério. O país da «Bancada Central» é sério. Sério e circunspecto até ser chato. Quero lá saber.
25 maio, 2006
||| Alexandre.
Alexandre Soares Silva na Casa Fernando Pessoa, dia 22 de Junho. Anotem.
||| Ora aí está.
«Ora aí está» não significa nada de especial mas parece-me que a igreja católica merece uma palavra: 1) sobre o protocolo de Estado, limitou-se a dar a sua opinião -- ou seja, ao contrário «do que se esperava», não deu lugar a uma pequena guerra «contra o jacobinismo», mantendo-se sensata e deixando a questão protocolar no âmbito da demonstração de vaidades (também porque os tempos são outros e lhe falta base eleitoral); 2) sobre o Código Da Vinci, a opinião oficial é a de que a Igreja só fala de assuntos que lhe dizem respeito (matéria religiosa) e não tem de discutir a liberdade dos crentes ou dos não crentes. Parece-me bom-senso, e estimável. Tudo isto, claro, até ver.
||| Livros em Desassossego. Devem os clássicos portugueses ser estudados na escola?
Clara Ferreira Alves, Maria Filomena Mónica e Vasco Graça Moura discutem o tema hoje, na sessão de Livros em Desassossego, às 21.30h, na Casa Fernando Pessoa. Modera Carlos Vaz Marques. A entrada é livre. Durante a sessão será apresentado o novo livro de Gonçalo M. Tavares, Água, Cão, Cavalo, Cabeça.
||| Timor.
Para que esteve em Timor, o retrato é mais fácil de tirar. Mas a fotografia de conjunto, via satélite, deve obter-se no Bloguítica. Paulo Gorjão regressa aos excelentes tempos do Bloguítica Internacional.
||| Blogs.
Daniel Oliveira regressa à blogosfera sozinho -- foi o único bloquista com quem bebi uma Bush.
Quando houver falta de perguntas, há um banco de ideias disponíveis.
E, ena!, isto é o blog de Nuno Júdice!
24 maio, 2006
||| Mais do que isso.
Chego a este estudo do Rui Bebiano (também de A Terceira Noite) e de Elíseo Estanque com a falta de surpresa que toma conta de mim quando deparo com as praxes e a miséria estudantil. Escrevi bastante sobre o assunto e de um desses institutos, algures na província, mandaram dizer que iam processar-me por eu ter dito que se tratava de uma barbárie, de uma deficiência neuronal e de uma manifestação de barbárie. Então, eu repeti, e acrescentei: «É mais do que isso.» É permitir que bandos de selvagens andem à solta, «punindo» o «caloiro», o que é vergonhoso. Como é vergonhoso ver universidades e institutos superiores que se manifestam indisponíveis para proibir aquelas formas de violência dentro dos seus muros -- ou seja, são coniventes com o abuso. Depois, mandaram um advogado, a quem eu disse que repetiria tudo. Nunca mais me processaram, nem quiseram tirar satisfações «nos locais próprios». Entretanto, uma estudante queixou-se às autoridades; e outra, e outra. Mesmo assim, diante dessas evidências, alguns responsáveis dessas escolas continuaram coniventes, cúmplices e imbecis. Sim, eles teriam o direito de proibir manifestações de violência e de abuso sobre estudantes. O estudo de Rui Bebiano e de Elíseo Estanque, segundo o JN, diz que «32,3% dos alunos da Universidade de Coimbra (UC) concorda com a prática de actos de violência física ou simbólica». Não me admira. Esse mundo miserável que vibra com desfiles de carros alegóricos, bênção das pastas, missas em descampados (com meninas pintadas à pressa, vestidas de homem, de cabelo escorrido), queima das fitas, é mesmo assim. Ide, pois, sujar o Choupal de latas de cerveja. Ide recordar os duces que viveram rodeados de garrafões, ignorância e mau hálito. Ide desfilar no meio de capas & batinas vomitadas, de cançonetas do pequeno Saul e de semanas académicas acompanhadas de Quim Barreiros. Ide reproduzir a alarvidade de tudo o que é triste e medonho e vos antecedeu nessa miséria. 18,4% admite que não lê livros e 29,6% utilizam automóvel próprio nas deslocações diárias. Não é preciso ter lido Vaneigem ou Guy Debord para conhecer esse retrato do fascismo, das coisas rasteiras, da selvajaria, do apodrecimento, da ignorância. O JN diz que o estudo apurou que «28% dos alunos discordam da ideia de que a praxe deve ser facultativa e respeitar quem não quiser aderir». Que bom. E que «mais de 80% dizem-se favoráveis à discriminação sexual, recusando qualquer revisão do código da praxe que iguale os direitos de homens e mulheres». Ide, portanto. Podeis dar erros ortográficos, fechar os portões da universidade (e desta vez a sério), recusar-vos a ler, frequentar o shopping, reprovar à vontade. Eu triplicaria as propinas para essa gente, até conseguir expulsá-los da universidade.
1. O João Miranda diz que se trata de vergonha universitária; é mais do que isso, mais do que isso.
2. Ler também este texto do Rui Bebiano (em pdf).
||| Revista de blogs. O regresso de Karim Blair.
Uns grilos, uns pirilampos, umas lamparinas, umas luas soterradas de medo. [...] Os epicuristas, os parnasianos, os vagabundos da praça da República que me desejam sem saber o quê ou a quem desejam, e esse desejo esfacela-se no lago morno e manchado de carvão. E que eu não me esqueça da extensa correspondência que habitava caixas com flores vermelhas que me chamava de madrugada e me contavam coisas que não se conta, habitualmente, a ninguém. Eu consegui ler para além das marcas dos rascunhos no bloco de papel.»
{Kim, no O Caderno Lilás.}
||| Revista de blogs. A mulher múltipla.
«A mulher-matrioska tem dentro uma quantidade inumerável de outras mulheres, múltiplas pessoas que dela se despegam e esvoaçam, ora como borboletas fosforescentes, ora como obscuros morcegos. Usa máscaras talhadas no lume forte da fogueira dos deuses pagãos. Não sei o rosto que hoje traz.»
{Manuel Jorge Marmelo, no Tatarana.}
||| Não desligues.
Abrir o Destreza das Dúvidas. Ouvir a canção que está online. Não desligues, não desligues.
[A canção é de Helen Elis]
23 maio, 2006
||| Quizz.
Francisco e Filipe: comecem por responder a este quizz fácil sobre os Mundiais de futebol. Depois, convidamos o Maradona para responder a estes mais difíceis. Vão ver como ele derrapa.
||| Obrigado.
Os lápis Viarco comemoram os 70 anos de vida. Ainda gosto muito deles.
||| Imprensa.
Este texto de Pedro Magalhães. Nunca dar depoimentos por telefone, regra de ouro, caro Pedro.
22 maio, 2006
||| Paulo Francis.
Passei duas noites de insónia, para não fugir à norma, e li Trinta Anos Esta Noite, de Paulo Francis (edição W11-Francis). Nunca tinha lido. É uma leitura do golpe de 1964, no Brasil, e do regime que se lhe seguiu (mas não é só). É um livro admirável, fundamental. Tenho pena de não o ter lido antes.
||| José Agostinho Baptista.
Um dos meus poetas. Ganhou, hoje, o Prémio de Poesia APE com o livro Esta Voz é Quase o Vento (Assírio & Alvim). É uma das notícias que vale a pena. Nas minhas leituras e na minha vida -- o José Agostinho Baptista é um poeta notável, afastado dos círculos da glória, remetido ao silêncio, dedicado a escrever.
Comovem-me ainda os dias que se levantam
no deserto das nossas vidas.
Dos belos palácios da saudade
não resta a impressão dos dedos nas colunas
fendidas, e nada cresce nos pátios.
Muito além, depois das casas, o último
marinheiro continua sentado.
Os seus cabelos são brancos, pouco a pouco.
||| No meio do caos, a bandidagem.
Os valentões, como de costume, assinalam já que «a polícia efectuou 107 assassinatos» em São Paulo. Gente de virtudes sábias e raras, esta. Sim, a PF é a PF. Sei. Só quem não viveu ou não conhece mesmo o Brasil pode duvidar -- e se duvidar, tem aí os livros, os filmes, os jornais. Mas eu aprecio também a outra bandidagem, refugiada em universidades ou em bairros decentes, apontando o dedo em todas as direcções: 1) que o governo paulista fez pacto com o PCC; 2) que a polícia não controlou o PCC; 3) que o governo deu parte de fraco; 4) que nunca se deve entrar em acordo com o PCC (ah, este argumento deixa-me de rastos); 5) que «a polícia efectuou 107 assassinatos». Tudo isto pode ser verdade. Tudo. Até que a PM comete crimes, como sempre cometeu. Mas é curioso como o discurso muda consoante a circunstância: numa semana pedem acção rigorosa, nem um milímetro de recuo; uma semana depois chamam «nazista» a tudo quanto mexe. Eles têm a solução; toda a gente tem: legalização das drogas, reforma do sistema prisional, tirar os meninos da rua, assistência social efectiva, educação obrigatória (muito preferível ao sistema corrupto do «voto obrigatório»). Mas, como é possível defender isso e, ao mesmo tempo ver imagens de Ângela Guadagnin na televisão ou, digamos, escrever uma biografia laudatória de Zé Dirceu?
Essa bandidagem, por exemplo (que esquece geralmente as famílias dos polícias mortos), fala em explosão de miséria (ah, o argumento fatal), como se os pobres e miseráveis se rendessem ao crime e o praticassem, quando são os pobres e os miseráveis, justamente, as maiores vítimas do crime. O ministro da Justiça não quer «uma legislação do medo», como se o medo, que se vive nas ruas, não seja real. Os intelectuais da justiça pedem agora diálogo (dois dias antes queriam mão pesada) e, claro, recuo na autoridade -- mas não é a ausência de Estado onde ele devia estar que deixa os pobres na mão do tráfico e do crime?
Sobre os abusos da polícia, entretanto, ver aqui, aqui e aqui. Notícias a acompanhar.
||| Camões em caboverdeano (e W.H. Auden). Tradução de José Luís Tavares.
Ta muda tenpu, ta muda vontadi,
Ta muda ser, ta muda konfiansa;
Tudu mundu é fetu di mudansa,
Ta toma senpri nobus kolidadi.
Sen nunka pára nu ta odja nobidadi,
Diferenti na tudu di speransa;
Máguas di mal ta fika na lenbransa,
Y di ben, si izisti algun, ta fika sodadi.
Tenpu ta kubri txon di berdi manta,
Ki di nebi friu dja steve kubertu,
Y, na mi, ta bira txoru u-ki n kantaba
Ku dosura. Y, trandu es muda sen konta,
Otu mudansa ta kontise ku más spantu,
Ki dja ka ta mudadu sima kustumaba.
Para outra homenagem ao José Luís, ver esta tradução de W.H. Auden, do inglês para caboverdeano, «O Tell me the Truth About Love.» E, naturalmente, um poema do próprio autor, de Agreste Matéria Mundo.
||| Nem de propósito.
Meia-hora depois de publicar o poema de José Luís Tavares neste blog, caiu a notícia, vinda da Cidade da Praia, Cabo Verde: José Luís Tavares é distinguido com o Prémio Jorge Barbosa da Associação de Escritores Caboverdeanos, o mais importante prémio do país, pelo livro Agreste Matéria Mundo (publicado pela Campo das Letras). José Luís é também o autor de um outro grande livro, Paraíso Apagado por um Trovão.
||| In Memoriam.
Um poema inédito de José Luís Tavares em homenagem a Helder Gonçalves.
ÚLTIMO CABO
(IN MEMORIAM HELDER GONÇALVES)
Ficaste domiciliado no oito oito sete,
pequena pátria, estreitíssima casa,
o fim de maio estava cá uma brasa,
mas vir ao teu enterro não foi frete
nenhum, pá – vi a gente alegrete entre
um elogio e um lamento; havias de ver,
pá, lisboa, o tejo e tudo nesse entardecer
em que a malta veio dizer-te até sempre.
Se algures te saírem trevas ao caminho,
diz-lhes que levas o claro sol das ilhas por
companhia, luzeiros da senhora da agonia.
Havemos de conversar em tom baixinho,
quando lá em cima ou cá em baixo o calor
apertar, ouvindo o relato na velha telefonia.
||| Código Da Vinci. [Actualizado]
Fizeram uma grande festa porque Umberto Eco recusa encontrar-se com Dan Brown (foi o próprio Eco que contou que teve um convite para se encontrar com Brown em Vinci (na Toscana). «Nem morto. Irei a Vinci quando lá estiver um verdadeiro escritor», disse ele ao La Repubblica. Para Eco, Brown é «um intriguista que propaga informações falsas e enriquece com material de embuste». Olha a novidade. Não percebo é por que isso é apresentado com uma grande notícia. José Saramago recusa encontrar-se com Danielle Steel. Tom Wolfe recusa encontrar-se com Cristina Caras-Lindas. Coisas destas. Sim, é bom que se avisem as pessoas mais sensíveis (sobre «os perigos» do Código...), mas todos eles estão a ajudar muito Brown e o filme e os códigos todos. Um cardeal romano pediu, através da Rádio Vaticano, que as pessoas não lessem nem comprassem o livro. O presidente do Conselho Pontifício para a cultura disse (ah, a descoberta!) que o Código «misturava ficção e realidade». A associação americana para a Defesa da Família elaborou um conjunto de regras para «o manifestante correcto anti-Código». Até a igreja católica da China apareceu a pedir a proibição do filme (pedir a proibição de qualquer coisa na China -- não parece um paradoxo?). Claro que não tem sentido Eco encontrar-se com Brown; se isso acontecesse, estaria a associar O Pêndulo de Foucault ao Código. Mas tem algum sentido uma pessoa ir, digamos, a Toledo ou a Bragança encontrar-se com uma pessoa que não tem interesse em conhecer? Qual a novidade disso?
[Artigo no JN.]
||| Futebol e patriotismo.
Amanhã, terça-feira, ao fim da tarde (18h30), final do ciclo de debates sobre futebol na Casa Fernando Pessoa, dedicado à questão do patriotismo («Que selecção vamos apoiar? Todos somos portugueses no futebol?»). Com João Querido Manha, Jorge "maradona" Madeira, Miguel Guedes, Pedro Mexia e Rui Tavares.
21 maio, 2006
||| Futebol, pá.
De acordo com o Ferreira Fernandes: «Já chega de anúncios sobre futebol, de bandeiras, de suplementos sobre futebol. O País que se interesse por aquilo que é importante: o futebol.» Não estou nada interessado nas bandeirinhas, nem na pátria (vou, naturalmente, torcer pela selecção) nem nas emissões de televisão sobre futebol, nem na opinião dos sociólogos sobre o patriotismo ruidoso, nem no ar de enfado dos que ficam surpreendidos com a existência do Mundial (desculpem, já escrevi sobre isso aqui). Mais do que legítimo, não gostar de futebol. Acertadíssimo, até. Mas nada de moralizar.
||| Venezuela.
Entrevista, no Estado de São Paulo, com Cristina Marcano e Alberto Barrera Tyszka, jornalistas venezuelanos e autores de Hugo Chávez sem Uniforme: Uma História Pessoal (publicado agora pela Gryphus, no Brasil).
||| Fidelidade.
Um dos meus jornais preferidos muda hoje de grafismo.
||| Revista de blogs. Do protocolo.
«Ontem, num debate na RTP-N, um indivíduo defendia a exclusão dos representantes da Igreja Católica do protocolo de Estado "porque Portugal é um estado laico no qual existem 60 confissões religiosas não cabendo lá todas". Pelos mesmíssimos motivos, aguarda-se a extinção dos feriados religiosos católicos. Proponho desde já outros: Dia do Touro Manso, Dia do Telemóvel, Dia do Benfica, Dia das Minorias Étnicas, Dia da Dona de Casa Desesperada.»
{Filipe Nunes Vicente, no Mar Salgado.}
||| Pocinho.
O Francis C. Afonso ouve Jamie Cullum neste lugar. Onde aprendi a nadar. A ler. A beber. A caminhar pela serra. A andar de barco. A jogar futebol nos Choupos (o campo era ali, à direita da ponte, hoje desactivada, junto de uma fábrica). A esperar o Verão. A pescar. A despedir-me das pessoas que amei.
20 maio, 2006
||| Revista de blogs. Da satisfação.
«Se arranjo namorados de 30 anos gostaria que pensassem como aos 40, e queixo-me; se calha terem 40, daria tudo para que pensassem como aos 30, e queixo-me.» [...] «Quanto ao sexo, a coisa é simples. Primeiro, explico os tabus. Tudo o que sobrar é permitido. As actividades terão de decorrer sem pressa, mas fogosas. Se não acabarmos ao mesmo tempo, convém que seja eu a primeira.»
{Isabela no O Mundo Perfeito.}
||| Revista de blogs. Antes de Évora Monte.
||| Bucolismo.
Não deixe de ler este texto do Rui Ângelo Araújo: «Bucolismo e camisas-de-vénus».
||| Antes, muito antes, da «onda sangrenta das escrituras». Uma grande leitura.
O novo livro de Harold Bloom, em tradução via Brasil: Jesus e Javé. Os Nomes Divinos (edição Ojetiva):
«Deplorar a religião é tão inútil quanto celebrá-la. Onde encontrar a transcendência? Temos as artes: Shakespeare, Bach e Michelangelo ainda bastam para a elite, mas não bastam para o povo. Javé, seja lá como for chamado, inclusive de Alá, não é a divindidade universal de um planeta que se encontra conectado por meio da informação instantânea; contudo, Javé permanece, em quase toda a parte. Jesus está mais próximo da universalidade, mas seus mil disfarces são tão desconcertantes que chegam a desafiar a coerência. Freud, o derradeiro profeta vitoriano ou eduardiano, subestimava Javé, Jesus e Maomé. Considerava-os quiméricos, e não via para eles grande futuro. Parece irónico que o maior dos génios judaicos (ao menos, desde Jesus) não tenha sido capaz de vislumbrar a força permanente de textos que não podem desaparecer: a Tanakh, o Novo Testamento, o Alcorão. Se me fizessem a célebre "pergunta da ilha deserta", eu seria obrigado a escolher Shakespeare, mas o mundo continua a afogar-se na onda sangrenta das escrituras, lidas ou não por ele. [...] Mas acontece que actualmente costumo despertar sobressaltado, às vezes entre a meia-noite e as duas horas da madrugada, porque tenho pesadelos em que Javé aparece na forma de vários seres, desde um Dr. Sigmund Freud que fuma charutos de Havana e se veste em estilo eduardiano, até ao Ancião sisudo e enérgico que consta do Livro de Daniel. Arrasto-me escada abaixo, melancólico e calado, e tomo chá com pão escuro enquanto leio passagens da Tanakh, excertos da Mishnah e do Talmude, bem como os textos perturbadores que constituem o Novo Testamento e A Cidade de Deus, de Agostinho. Em dados momentos, ao escrever este livro, só posso defender-me murmurando a máxima de Oscar Wilde, de que a vida é demasiado importante para ser levada a sério. Javé, lamento acrescentar, é por demais importante para ser ironizado, mesmo que a ironia possa parecer-lhe tão natural como o é para o príncipe Hamlet. [...] Prefiro mil vezes a ideia de William Blake -- "Pois que tudo o que vive é santo." -- ao Javé do Deuteronómio, obcecado pela própria santidade, mas nem o fervor de Blake nem a minha melancolia são capazes de afectar o anseio humano por transcendência. Buscamos a transcendência secular na arte, mas Shakespeare, o artista supremo, esquiva-se do sagrado, sabiamente cônscio dos limites da reinvenção do humano por ele efectuada. [...] A necessidade (ou ânsia) de transcendência talvez seja uma grande ignorância, mas sem ela estaremos propensos a nos tornarmos meras máquinas de entropia. Javé, presente e ausente, tem mais a ver com o fim da confiança do que com o fim da fé.»
||| O Prémio Camões.
O Prémio Camões para Luandino Vieira não é totalmente surpresa. A declaração de Eduardo Lourenço é, por isso mesmo, importante -- porque manifesta alguma surpresa. Mas no geral está de acordo com a tendência de rotatividade da distinção, que é uma espécie de prémio de carreira que continua a explorar o anti-fascismo e as efemérides. Os angolanos David Mestre (um dos grandes poetas angolanos entretanto desaparecido no meio do ódio que lhe votava a associação de escritores angolanos, que na hora da morte preferiu lembrar «a vida que ele levava» -- por isso a sua estada em Portugal era de exílio) e José Eduardo Agualusa lembraram já este e outros pormenores muito mais críticos em relação ao prémio. Neste caso (Luandino), a justificação encontrada pelo júri não tem nada a ver com a literatura, a arte ou seja o que for que lhe esteja relacionado. Trata-se de uma homenagem estratégica apenas. É o destino dos prémios como este. Discutir o quê?
P.S. - Eu até colocaria a hipótese de distinguir João Vário, um notável poeta caboverdiano (o investigador de biologia e imunologia João Varela).
«Você pensa na velhice, sente ela chegar? Ela vai chegando, vai se instalando aos poucos, tem umas coisinhas que você vai percebendo, uma mazelazinha ali que não tem jeito, é assim mesmo. Mas não estou me queixando, não. Você tem medo da morte? Medo não, mas quero distância [risos]. Acho que com saúde, fazendo as coisas direito, dá para viver um bocado mais. Gostaria de viver com saúde e imaginação, com vontade de criar coisas. Noventa e tantos anos e virando a noite por causa de uma música, um livro. Formidável. Posso morrer assim.»
||| Chico, mais.
«A crítica da imprensa já te incomodou no passado, ao ponto de afetar sua produção. Como você lida com isso hoje? Nos anos 80 foi barra-pesada. Você cansa, né? Tomando muita porrada, você vai perdendo a vontade de se expor a mais porrada. Eu tinha de ler o Jornal do Brasil com capacete, porque tinha porrada em tudo que era seção. Até a seção de gastronomia dava porrada. A Folha de S.Paulo, numa época, também era uma coisa barra-pesada. Isso, durante uns dez anos, foi muito chato. Principalmente uma certa imprensa paulista muito, muito agressiva. Depois melhorou um pouco. Hoje, não sei. Às vezes tenho a intuição de que algo está se armando [risos], que estão ali atrás, na esquina, espiando, “ele vai passar agora”, prontos para dar porrada.» [Trip]
||| Para a amiga da Vanessa.
Estas são as duas capas alternativas para a edição de Maio da Trip. Para mim, comprei a da direita; fiz um esforço e comprei a da esquerda para a amiga da Vanessa. Acabo de ceder a minha ao viajante catalão.
«Você já brochou? Claro que já. Todo mundo já brochou, menos o Ziraldo [risos]. Ele diz que nunca brochou. Isso faz tempo. As pessoas falam muitas coisas. Tem outro que falou que teve mil mulheres. Eu digo: “Bom, mas, então, não foi bom nunca, para comer mil”. O cara não é velho, tem vinte e poucos anos, e comeu mil. Mesmo que tenha comido uma por dia... Não acho uma vantagem comer mil mulheres.»
18 maio, 2006
||| Aniversários.
O do Almocreve das Petas, naturalmente -- uma referência na blogosfera; o Crítico Musical, do Henrique; e o Bichos Carpinteiros, com certeza.
||| Scolari, 2.
Eu não queria perder tempo com comentários imbecis ao meu post anterior sobre Scolari, sobretudo com aqueles que insistem sempre no mesmo -- que eu escrevi o que escrevi porque Felipão não convocou jogadores do FC Porto. Dizer o seguinte, e rapidamente: 1) ainda os meninos andavam a discutir se o treinador da selecção devia ser Toni ou Manuel José, e eu já conhecia o trabalho de Scolari, porque era treinador do Grêmio, para onde levou Jardel, arrancado ao banco do Vasco; 2) ao contrário de muitos jornalistas de secretária e mesa de almoço «com o pessoal», orgulho-me de ter escrito uma boa história sobre a «vida & obra» de Scolari, publicada na defunta Grande Reportagem no dia do infeliz jogo inaugural de Portugal com a Grécia -- para ela falei com jornalistas, técnicos, jogadores, comentadores de futebol do Brasil (de Salvador a Pelotas) e até com amigos de Felipão; portanto, sobre ele já disse o que tinha a dizer: é um tipo duro, pouco de gargalhadas mas leal e cómico, sovina, sério em questões de trabalho, pouco influenciável pelo pessoal da imprensa e dos grandes clubes -- um exemplar da colónia italiana de Passo Fundo e de Caxias do Sul (para os meus amigos brasileiros, isso explica muito; para os que não sabem o que isso é, leiam a biografia do Grêmio, escrita por Eduardo Bueno, o Peninha, para perceberem o que é «a técnica do joelhaço e cotovelaço» aplicada aos vários domínios da existência); 3) sim, Scolari é futebolisticamente burro; foi-o nesse infeliz jogo inaugural de Portugal com a Grécia, depois do qual foi obrigado a mudar toda a linha da equipa e a afastar as meninas da moda; foi-o ligeiramente no jogo com a Inglaterra, que ganhámos nos penalties e onde nasceu o mito Ricardo; foi-o, finalmente, no jogo de despedida com a Grécia, em que a Grécia jogou à Scolari e Scolari resolveu reabilitar as meninas outra vez; e está a sê-lo de novo, levado por ressentimentos vários e por alguma teimosia -- se a teimosia é um bom motivo, o ressentimento é o pior de todos; 4) um homem futebolisticamente burro não é um mau gestor de equipas de futebol e até pode ganhar campeonatos e bons títulos; no caso de Scolari, é também um teimoso com uma grande capacidade de lidar com questões de balneário e de afrontar os inimigos organizados (como fez em São Paulo durante o tempo do Palmeiras, ou durante a campanha do Japão/Coreia); 5) Scolari não gosta de futebol-arte (que é coisa de veado, como se sabe), e isso pode ser uma vantagem para quem acha que o fundamental é ganhar; na verdade, o futebol também é «vai buscar!», mas pode haver quem goste de ver jogar bem; 6) nunca foi guerra minha a convocação de Vitor Baía, nem a de Quaresma é; mas acho que temos direito a ver Quaresma a jogar na selecção principal em vez de algumas das meninas que andam por lá.
17 maio, 2006
||| A taxa de natalidade e a Segurança Social.
Obrigado ao Manuel António Pina.
[E este foi o meu texto desta semana no JN.] [Outros textos aqui.]
||| Scolari.
O Público, na edição online, pergunta: «O que pensa das opções de Scolari?» Eu digo: que elas apenas confirmam que, ganhando ou não, estando ou não destinado ao sucesso, chegando ou não à fase final, Scolari é futebolisticamente burro. Jumento e chato. Com a única vantagem de ser um jumento teimoso e gaúcho.
||| São Paulo, Brasil, 4.
No voo Salvador-São Paulo, domingo, ao princípio da noite (com atraso devido ao temporal), mal o avião pousa em Guarulhos, os telefones começam a funcionar. Todos perguntam, a quem está lá fora, se é seguro sair para a cidade.
||| São Paulo, Brasil, 3.
Segui pouco os acontecimentos pela televisão. Mas há uma que não escapa: durante dez minutos, ao princípio da tarde, a Record manteve no ar uma imagem de um autocarro incendiado (nessa manhã, há algumas horas) com a indicação: «Vivo». A Folha desta manhã diz que as audiências de televisão de ontem (com a cidade ainda deserta) ultrapassaram as do 11 de Setembro.
||| São Paulo, Brasil, 2.
Depois de ler os jornais paulistas desta manhã: se querem saber o que é a normalização da ausência de segurança, leiam a imprensa de segunda-feira até hoje.
||| São Paulo, Brasil, 1.
Paulo José Miranda sobre uma segunda-feira negra em São Paulo:
«Às 7 da tarde as ruas estão desertas e, a essa mesma hora, o comandante da polícia militar de São Paulo, Sancler, dá uma conferência de imprensa onde acusa os órgãos de comunicação social de exagerar o que estava a acontecer; acusa também os comerciantes de se precipitarem a fechar os estabelecimentos mais cedo e acusa ainda os responsáveis pelas escolas e faculdades de terem tomado a decisão de enviar os alunos para casa e fecharem as portas. Às 9 da noite a cidade está mergulhada num escuro inimaginável. Um escuro que a cidade de São Paulo desconhecia que tinha dentro dela. Na zona norte da cidade, um condomínio onde vivem vários familiares de policiais começa a ser atacados. A troca de tiros continua, as mortes aumentam. [...] Em frente a uma padaria, na zona sul da cidade, um policial, com sua mulher ao lado, ajoelhou-se diante de dois comandos e foi executado. Os bandidos comunicam as suas instruções por telemóvel; a maioria vem de dentro dos presídios. Um telemóvel mata mais que um revólver ou que uma AK.»Texto completo aqui.
14 maio, 2006
O cantinho do hooligan.
Mesmo a milhares de quilómetros, no meio de um dilúvio tropical, um hooligan é um hooligan. E uma dobradinha é sempre para festejar. Está feita a limpeza.
||| Cuidado, paulistas.
Não só pelo que aconteceu ontem com as movimentações do PCC, mas porque, hoje, o Estadão publica uma entrevista com Aloízio Mercadante. Atenção, amigos paulistas: ele diz que (ah, como é bom citar Mercadante!) São Paulo já merece um governo caipira.
11 maio, 2006
||| Manuel. Orgulho pelo meu taxi-blogger.
Manuel Sequeira é um dos meus bloggers favoritos. Tem dois blogs; um chama-se Escrita em Dia, onde se dedica a comentar maus usos e encantamentos da Língua Portuguesa, desde Janeiro de 2004; o outro fala essencialmente da sua profissão, taxista, e chama-se O Fogareiro. Conheci-o pessoalmente há uns meses, em Lisboa. E agora, ao ler alguns textos seus (ou um poema que ele cita) lembro-me daquilo para que serve a blogosfera.
P.S. - Já aqui tinha citado outro taxi-blogger, o Mauro Castro, de Porto Alegre.
||| Revista de blogs. Coisas perfeitas.
«Excluindo o sol, a nudez e o parto, o silêncio, o cheiro das árvores, dos arbustos de jasmim e de arruda, e o das trepadeiras de rosas e de estrume fresco, quase tudo o que vi, ouvi e percebi foi mentira.»
{Isabela, no O Mundo Perfeito.}
||| Brasil. O bando instalado.
Registo de Ricardo Noblat sobre o caso Sílvio Pereira: «Então fica combinado assim: Sílvio "Land Rover" Pereira deu uma entrevista gravada de 8 horas à repórter Soraya Agege de O Globo. Seus ex-companheiros do PT disseram que ele era mentiroso, traidor e que estava desequilibrado emocionalmente. Sílvio confirma que estava desequilibrado emocionalmente. Deu resultado a pressão de amigos, parentes e advogados para que ele desse o dito pelo não dito. Disse, mas por desequilíbrio.»
Para quem disse isto, não está mal a desculpa. E os amigos do PT, generosos depois se terem livrado dele, até recomendam um spa mental (o que nem é mau, para quem pensava que ia ser morto), depois de um dos membros do bando ter sugerido que Sílvio estava «atormentado espiritualmente». A ida de Sílvio à CPI foi fantástica, rodeada de todas as mentiras que o bando é capaz de produzir. Mas a repórter de O Globo desmente Sílvio.
10 maio, 2006
||| Revista de blogs. O essencial é isto.
«Ando a pensar seriamente deixar o Yoga e inscrever-me no ginásio. É que, para dizer a verdade, preocupa-me mais o meu rabo que a evolução espiritual.»
{Luna, no Horas Perdidas.}
||| Xenofobia, portugas e Vila de Rei.
Completamente de acordo com o Filipe. Bom post.
||| Brasil. O outro lado, entretanto.
O ex-secretário-geral do PT presta depoimento na CPI do Senado: «Eu tenho medo de mim mesmo.»
Entretanto, «os petistas comemoraram o depoimento dado pelo ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira para a CPI dos Bingos nesta quarta-feira. Silvinho, como era chamado pelos petistas, disse que não se lembra da entrevista dada para o jornal O Globo, poupou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de eventual responsabilidade com o suposto valerioduto e sinalizou confusão mental». Só de ver a cara de Tião Viana, o inacreditável senador do Acre, comemorando a perda de memória de Silvinho, dá para avaliar do alívio sentido no Planalto. O bando continua à solta.
Tudo isto enquanto ex-funcionária do Ministério da Saúde acusa 170 deputados de corrupção.
||| Drummond e João Cabral.
Às vezes ficamos comovidos. Quando quase cem pessoas, ao fim da tarde, se juntam em redor destes cavalheiros.
Uma palavra sobre o trabalho de Abel Barros Baptista, que é o director da Colecção Curso Breve de Literatura Brasileira. O trabalho de Abel Barros Baptista como professor, ensaísta e também, nessa medida, divulgador da literatura brasileira, tem sido demasiado importante para que o ignoremos ou passemos em frente sem distingui-lo com mais paciência. Salvo erro, a maior parte, senão a quase totalidade dos estudos de literatura brasileira entre nós, até aos anos 90, reduzia-se a uma espécie de estudos comparados sobre Portugal & Brasil como realidades mais ou menos próximas. Os estudos de literatura brasileira, na maior parte da sua expressão e extensão, eram uma alínea nos chamados estudos da lusofonia em que a literatura brasileira, propriamente dita, nunca aparecia como um mundo autónomo, independente, e, penso eu, fascinante. Isso acontecia como a revelação de uma espécie de pudor diante de uma literatura que teve os seus momentos altos em Portugal e os seus autores mais divulgados – mas de que não conseguíamos acompanhar o andamento nos anos mais recentes. Abel Barros Baptista tratou a literatura brasileira como literatura brasileira, sem anexos que a fizessem reverter à chamada corrente da lusofonia. Se lhe devemos (“dever” é uma maneira de dizer) o facto de ser um dos críticos e ensaístas mais significativos dos últimos anos, também gostava de, pessoalmente, lhe ficar a dever um interesse notável pela literatura brasileira.
||| Poesia Brasileira, hoje, na Casa Fernando Pessoa.
Claro Enigma e A Educação Pela Pedra, de Carlos Drummond de Andrade e de João Cabral de Melo Neto, respectivamente, que integram o Curso Breve de Literatura Brasileira da Cotovia, vão ter direito a sessão de lançamento na Casa Fernando Pessoa. As intervenções estarão a cargo de Abel Barros Baptista e Carlos Mendes e Sousa. Serão lidos poemas (por Dora Ribeiro) de ambos os livros. Hoje, dia 10 de Maio, pelas 18:30, na Casa Fernando Pessoa - Rua Coelho da Rocha 16, Campo de Ourique. E os títulos da colecção serão vendidos com desconto de 20%.
||| Casa Marmelo.
«Casa fundada em 9 de Maio de 2003. Três anos a servir as melhores famílias da blogosfera com simpatia e aos melhores preços.» Terceiro aniversário do Manuel Jorge Marmelo na blogosfera. Um dos nossos grandes autores na rede.
||| Clássicos na escola.
Preparem-se.
||| Brasil: Vampiros na Operação Sanguessuga.
Ex-funcionária do Ministério da Saúde desencadeia mais investigações no caso de corrupção atrás da Operação Sanguessuga. Pormenor relatado no Estadão: a «propina», ou seja, o dinheiro da corrupção, «era paga aos parlamentares de forma antecipada, antes da liberação dos recursos das emendas. O dinheiro chegava aos gabinetes, no prédio do Congresso, em Brasília, dentro de malas, metido na cueca e nas meias dos dois chefes do esquema». Como diria Lula: «Tem mais pobrema no Congrefo.» Tá uma festa isso aí.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal brasileiro obriga o ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, a depor na CPI dos Bingos. «Tem o regrefo do menfalão», diria Lula. Pereira tinha alegado stress pós-traumático para não depor no Congresso. Ver informação anterior aqui.
09 maio, 2006
||| Bola na trave é bola mal chutada.
Hoje, terça-feira, às 18h30, na Casa Fernando Pessoa, primeiro dos debates do ciclo Antes que Venha o Mundial. Com moderação de Joel Neto, estarão lá Álvaro Magalhães, Ferreira Fernandes, Ivan Nunes, Ricardo Araújo Pereira e Torcato Sepúlveda.
Na próxima semana será a vez de Afonso de Melo, António Tadeia, João Marcelino, Pedro Boucherie Mendes, Rui Zink; e dia 23 alinharão João Querido Manha, Jorge Madeira, Miguel Guedes, Pedro Mexia e Rui Tavares.
||| Iberê Jatobá. Evoé!
O Alexandre Soares Silva e a Nico acabaram o Amanhã, Ninguém Sabe, um blog ficcional criado por «um blogueiro ruim fictício chamado Iberê Jatobá, um blogger «com “um passado de esquerda” (aka “um passado de lutas”), que era professor, que vivia em São Paulo e que era casado com uma mulher chamada Janaína (aka “a Jana”, “Mestre Jana” etc).» Basicamente tratava-se de «escrever da pior forma possível, fazendo os piores comentários e assim por diante». Está ali reunida grande parte dos tiques e trejeitos da espécie (citando sempre como mestre um dos blogs mais chatos do Brasil).
||| Coisas para nunca fazer.
O regionalismo literário, a escrita engraçadinha, a piada étnica que só os indígenas entendem, a oralidade do bairro ou o sotaque da província passado a letra, a mania de truncar palavras, o vício de transformar sons, o humor de terceira.
08 maio, 2006
||| Rir de quê?
Os franceses riem-se, actualmente, apenas um minuto por dia, contra os 19 minutos medidos em 1939 (a informação vem no Público de hoje). É natural.
||| E, no entanto.
Evo Morales nacionalizou o petróleo e o gás bolivianos. Não vale a pena mostrar ar de escandalozinho, porque a medida já estava prometida no programa eleitoral; o processo era inevitável. Morales ganhou as eleições depois de anos e anos da incompetência e do desleixo que estiveram no poder. Não é figura muito recomendável, mas ganhou as eleições depois de ter ganho a rua e de a Bolívia se ter tornado intransitável. Ponto.
E, no entanto, há qualquer coisa assustadora que se repete: este gosto latino-americano pelas conspirações internacionais não promete nada de bom. Daqui a nada vai sair a lista dos conspiradores, depois os discursos, depois o chavismo completo. Está escrito no guião.
Também estava escrito no guião que se iria suceder a nacionalização das terras. O assunto não tem sido muito comentado, mas está lá.
||| Brasil. Notícias do bloqueio.
Silvio Pereira, ex-secretário geral do PT, deu uma entrevista ao O Globo; com ela reacendeu a crise política, ao revelar que Marcos Valério «planejava arrecadar R$ 1 bilhões com PT no governo». Depois, «temendo ser morto», tentou que a entrevista não fosse publicada. Agora, vai ser (mais uma vez) intimado a depor na CPI. O mensalão regressa. Ou, como diria Lula, «o menfalão regrefa».
Entretanto, no Rio, está a resultar, de forma bastante positiva, a greve de fome de Anthony Garotinho. Já perdeu 6,3 quilos.
A Ordem dos Advogados do Brasil não avança com o pedido de impeachment do presidente Lula. Foi a OAB que avançou com o impeachment de Collor; o argumento é o de que «não há um clamor na sociedade pelo afastamento do presidente», ou seja, de que a rua está tomada pelos apoiantes do presidente. No entanto, a Ordem avança com uma representação de ordem criminal contra Lula, «em face de seu inequívoco envolvimento nos eventos e delitos, relatados no processo».
||| Ah, portugueses!
Diz um dos responsáveis do Sindicato dos Profissionais da Polícia: «Não vejo onde está a xenofobia ou o racismo. Reafirmo tudo e não retiro nem uma vírgula.» Qualquer um retirava. Vejamos algumas das declarações:
«Não é uma questão de xenofobia, mas antes de haver imigrantes brasileiros não havia assaltos nos semáforos.»Os problemas e a maneira de os profissionais da PSP lidarem com eles podem ser complexos. Mas com declarações destas, não há explicação que valha.
«O aumento da criminalidade em Portugal deu-se com a abertura das fronteiras.»
«O Governo não devia deixar entrar tanta gente.»
«Quem matou os agentes na Amadora? Não foi um brasileiro? Quem matou o agente Ireneu na Cova da Moura? Não foram estrangeiros?»
«Porque é que os imigrantes do Leste não ficam em França e Espanha? Porque correm com eles... e acabam por ficar por aqui...»
||| Uma imposição fraudulenta.
O site da Cinemateca Portuguesa apenas aceita visitantes munidos de Internet Explorer, o browser fabricado pela Microsoft. Trata-se de uma imposição de carácter duvidoso, na medida em que o conteúdo do site pode ser fornecido para qualquer programa informático. Quem possui outros browsers, geralmente de melhor qualidade, vê-se assim impedido de entrar no site onde parece vigorar a ditadura Windows: «Your Browser doesn't meet the requirements of this site. We recommend Internet Explorer 5.5 or later.» A informação de que a Cinemateca pretende deixar aceder ao seu site outros browsers («but we don't forecast when it will be possible») não me parece muito tranquilizadora, de qualquer modo.
Informação via Blasfémias e A JornadaMozilla/Firefox (download para Windows aqui, para Mac aqui); Safari (para Mac); Opera (download aqui).
||| Carne para canhão, 2.
Depois de decidir penalizar os portugueses que não querem ter uma família numerosa e de imaginar um planeamento familiar dirigido pela Segurança Social, será que o Governo admite vir a punir mais uma categoria de cidadãos que coloca decisões de carácter individual à frente dos interesses da sociedade?
P.S.-Bom-senso por parte de uma opinião de esquerda, hoje no DN: «A inversão da tendência não se faz com campanhas, ou mesmo com pequenos incentivos no âmbito dos sistemas fiscal ou de Segurança Social.»
07 maio, 2006
||| O cantinho do hooligan.
Nada como terminar o campeonato e arrumar a casa. Já está.
||| Roth.
Novo livro de Philip Roth.
||| Carne para canhão.
«O objectivo é incentivar os portugueses a terem mais filhos, para que, no futuro, haja mais portugueses em idade activa e, assim, mais contribuintes para a Segurança Social.» Se isto não fosse verdade, dava vontade de rir. Veja-se o resto da novidade: «A mexida nas taxas será meramente simbólica e sem impacto no Orçamento da Segurança Social.» Sempre ficamos mais descansados.
Não vale a pena pedir aos cidadãos para se reproduzirem com mais afinco, galhardia e empenho, aumentando o número dos futuros contribuintes, se nos lembrarem, ao mesmo tempo, que os nossos filhos vão pagar a conta do TGV, da Ota, das reformas de gestores que arruinaram empresas públicas sem terem sido punidos, ou de más opções em obras públicas e administração das contas do Estado. Pedir mais progenitores aplicados, acenando-lhes com a estabilidade da segurança social futura, é fazer pouco dos contribuintes e das famílias actuais. Ou seja, isto não passa de pirotecnia.
||| Ronda sul-americana. Leituras do dia.
Ex-secretário-geral do PT brasileiro implica Lula, Genoíno, Dirceu e Mercadante no plano de Valério «para arrecadar um bilhão de reais», e conta como se organizava a corrupção no governo. No O Globo. > De seguida, o ex-secretário-geral do PT tentou recuar na entrevista ao O Globo, dizendo temer ser morto pelas revelações que faz. Na Veja. > «Os ícones do novo nacionalismo». No Zero Hora. > «Raízes do novo populismo na América Latina». No O Globo. > O PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é favorável ao aumento do preço do gás boliviano. Na Folha de São Paulo. > Ordem dos Advogados Brasileiros vê razões para o impeachment de Lula. No Blog do Josias/Folha. >
||| O que é a eternidade para Bolívar?
Chávez propõe um referendo para decidir se se mantém no cargo por mais 25 anos, ou seja, até 2031: «Farei um referendo. Vou perguntar-vos, a todo o povo, se concordam com Chávez ser Presidente até 2031.» Vem no Público de hoje.
||| Quatro alminhas de génio duro.
Lugar comum.
||| Freud, a passagem secreta.
«Um forte egoísmo é uma protecção contra a enfermidade mas, no limite, precisamos de começar a amar a fim de evitar a doença, e podemos adoecer se, em consequência de uma frustração, não conseguimos amar.»
||| Doutor Freud. 150 anos.
«Freud, no início do terceiro milénio, continua a ser o último verdadeiro crítico da nossa cultura e, como tal, tem uma utilidade sublime. Pouco importa que desejasse ser Darwin e acabasse por se tornar Goethe.»
[...]
«Freud é tão metafórico quanto Goethe ou Montaigne, e, como eles, é antes de tudo um escritor. [...] Freud junta-se a Johnson, Boswell e Goethe, na qualidade de autobiógrafo original e vital, bem como de dramaturgo do eu. O que é mais importante, forma um trio, com Johnson e Goethe, de sábios autênticos, moralistas validados por dotes intelectuais extremamente raros. [...] A ciência era a defesa de Freud contra o anti-semitismo: a psicanálise não era para ter sido classificada como "a ciência judaica", conforme se tornou para o desequilibrado Jung. Actualmente, um grupo de ressentidos e frustrados estigmatizam Freud, mostrando-o como um charlatão, o que constitui um aviltamento, sendo ele uma personalidade tão majestosa. [...] Exilou-se em Londres, não em Jerusalém, por acreditar que a Palestina seria sempre o berço de novas superstições. Muito me agrada a obra O Futuro de uma Ilusão, ainda que talvez seja o livro mais fraco de Freud, somente porque gosto de imaginar T.S. Eliot, anti-semita respeitável, exasperando-se ao lê-lo. Freud também se alegraria com isso. Moisés e o Monoteísmo, romance escrito por Freud, deixa bastante explícita a identificação entre as histórias da religiao judaica e da vida do novo Moisés, Solomon Freud (esse seria o seu nome hebraico, que com ele muito mais combina do que o wagneriano Sigmund). O lema de Freud, tanto em relação a católicos como a judeus ortodoxos, bem poderia ter sido «Ultrajai-os, ultrajai-os sempre!» T.S. Eliot, com efeito, sentiu-se ultrajado, mas qualquer judeu, mesmo que fosse muito menos talentoso do que Freud, bastava para provocar o desdém de Eliot. O único génio judeu apreciado por Eliot era o personagem de Christopher Marlowe -- Barrabás, O Judeu de Malta --, que morre derretido em óleo a ferver, embora, para fazer justiça ao abominável Eliot, seja necessário registar a sua admiração por Groucho Marx.»
Harold Bloom, Genius.
||| Mar.
E, para facilitar as coisas, fica já assinalado o terceiro aniversário do Mar Salgado, um dos meus blogs de estimação, marcado para amanhã, 8 de Maio.
||| Abrupto.
Três anos de Abrupto. Uns versos de Sá de Miranda, de novo: «Com dor, da gente fugia,/ antes que esta assi crecesse;/ agora já fugiria/ de mim, se de mim pudesse./ Que meio espero ou que fim/ do vão trabalho que sigo,/ pois que trago a mim comigo,/ tamanho imigo de mim?»
06 maio, 2006
||| A noite, o que é?, 57.
Estrelas que ficam deitadas, erguidas no escuro. Muitas vezes, a tarefa do astrónomo amador resume-se a ver o mundo de um lado e do outro, a vigiar coincidências. Mas acaba por regressar sempre àquela posição ideal: sentado numa varanda, imaginando o que só cada um pode imaginar. A isto chama-se promessa, também; dormir quando não há mais nada a dizer, só nessa altura.
||| O tom incerto.
O Paulo Gorjão interroga-se, no seu blog, sobre qual é o tom certo na blogosfera (o Bloguítica vai entrar no seu terceiro ano). Já vão longe os tempos em que ter um blog, manter um blog, tinha alguma coisa de adolescência da maturidade; nesse tempo (lembra-me o Sam The Kid...), em 2003, os blogs mantinham-nos acordados até mais tarde e havia menos ressentimento. Os campos dividiram-se. Isso é bom e é mau. Já não há recados como antigamente, riso, pequenas faúlhas a arder no meio do céu, comentários tão desabridos logo desculpados, a libido desceu um degrau. Isso é bom e é mau. Também se profissionalizou a agenda dos blogs, que passaram a competir com alguma agenda dos jornais e a marcar a agenda dos vizinhos. Isso é bom e é mau. Envelhecemos muito em três anos, poucos dos resistentes trouxeram ou mantiveram a abertura desses tempos do Verão de 2003. Entretanto houve eleições, Iraque, acertos de contas. O tom mudou necessariamente. Isso é bom e é mau. O Paulo escreve que «o blogue é hoje menos espontâneo, pouco intimista e menos interactivo». Todos são menos espontâneos, mas também são mais visíveis. O que mudou desde o Verão de 2003 até hoje foi mais do que a blogosfera e os nossos blogs; e foi mais do que o tom. Todos os blogs estão hoje sujeitos a uma marcação e a uma vigilância que não existia há três anos. Somos menos simpáticos uns para os outros, menos atentos, mais deprimidos. Falo dos que estão cá desde essa altura. Alguns tiveram a coragem de desaparecer. Outros mantiveram-se agarrados ao vício e à vaidade. Outros nasceram entretanto. Isso é bom e é mau. Pessoalmente não tenho muito a favor do tom certo nos blogs; perderam, perdemos todos, muito humor -- desde 2003. Mas cá andamos.