29 novembro, 2006

||| Aniversário da Casa Fernando Pessoa.












Amanhã, dia 30 de Novembro, a Casa Fernando Pessoa assinala o seu 13º aniversário. Há festa desde as 14h30. Depois do jantar, a partir das 21h30, vão estar na Casa, para lerem textos seus, Manuel António Pina, Pedro Mexia, José Luís Peixoto, Luís Quintais, José Eduardo Agualusa e José Tolentino Mendonça. Depois, ainda, haverá uma ceia. Pelo meio, estarão abertas todas as salas da Casa Fernando Pessoa (poderá ver o original do retrato de Pessoa por Almada Negreiros, na Biblioteca, por exemplo, bem como visitar a biblioteca pessoal do poeta), além do jardim – tudo para visitar. Distribuídas pelos quatro pisos estarão as fotografias da Kameraphoto bem como objectos pessoais & manuscritos dos poetas convidados neste dia. Haverá música, a Rua Coelho da Rocha vai estar iluminada de maneira especial, e todos os visitantes terão direito a um presente de aniversário da Casa. Entrada livre, naturalmente.

||| Brasil. Ainda o Brasil visto de Lisboa.
Ou de como é a vida, a propósito desta nota do Paulo Gorjão e do meu comentário de ontem: o atentíssimo correspondente do Origem das Espécies em São Paulo, Gonçalo Soares, envia esta nota entretanto publicada na Veja:

«O embaixador do Brasil em Portugal, Paes de Andrade, soube que deixaria o posto em um telefonema dado por Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete de Lula. Carvalho o informou de que Lula não o deixará ao relento. Deverá ocupar uma diretoria de estatal. Antes de Carvalho, o chanceler Celso Amorim havia dito o mesmo a Andrade. Disse o que quis, ouviu o que não queria: Andrade lhe comunicou que respondia a Lula – e não a Amorim.»

28 novembro, 2006

||| Por detrás destas leis inocentes [ERC] há sempre um Darth Vader.
Fernando Sobral, no Pulo do Gato:

«Os Governos têm, muitas vezes, a tentação de ser pastores de almas. De domesticarem, com as suas leis, aquilo que consideram ser as ovelhas que pastoreiam. É isso que parece estar a acontecer com o executivo de Sócrates.»

||| Justamente.
O Paulo, ainda, chama a atenção para o facto de a imprensa não ter referido o nome de Cláudia Magalhães, directora da agência Parceiros da Comunicação, que também morreu no acidente de avioneta que vitimou três jornalistas portugueses. Um excesso de pudor que é francamente bizarro e hipócrita. Nada o justifica.

||| Brasil visto de Lisboa. O caso Paes de Andrade.
Paulo Gorjão conta alguns aspectos da novela do embaixador do Brasil em Lisboa, que se recusa a receber ordens de Celso Amorim, esperando pelas directivas de Lula. Brilhante. Mas o Itamaraty merece. Basta ver a carreira diplomática de Itamar Franco, não é, Paulo?

||| Camarate.
De como a teoria da conspiração continua a conspirar: José Esteves confessa ter fabricado engenho explosivo.

||| Brasil visto da televisão. Lulinha.
Lulinha, o filho do Apedeuta, depois de ter a sua empresa Gamecorp protegida pela Telemar e por verbas públicas, «compartilha com o Grupo Bandeirantes de Comunicação o faturamento líquido obtido com verbas do governo federal em anúncios veiculados pela Play TV (ex-Rede 21), inclusive os de interesse da Presidência da República».

||| Memória.











William Blake nasceu a 28 de Novembro de 1757, em Londres.

||| Reunião de alto nível.
Mohammad Amin al-Husayni, ou Al-Husseini, mufti de Jerusalém e presidente do Conselho Muçulmano, encontrou-se com Adolf Hitler, em 28 de Novembro de 1941, em Berlim (depois de uma reunião com Von Ribbentropp). O Reichsfuehrer-SS Heinrich Himmler fez de Al-Husseini um SS Gruppenfuehrer. A ideia era espalhar a «solução final».

||| Princípios. Nuno Júdice.

Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

||| Preocupações.
A reacção do presidente da Liga de Clubes depois do encontro com uma delegação do Benfica acerca do Apito Dourado, lembra a dos prelados da Igreja católica depois de conhecerem o segredo de Fátima nesses anos de incredulidade: «preocupado, apreensivo e incomodado». Se é assim, não se compreende que não haja desenvolvimentos. Ora, manter as coisas ao nível «do segredo de Fátima» é prejudicial para crentes (que supõem tratar-se de revelações fatais) e para não crentes (que admitem tratar-se de um embuste). Como não se trata de matéria religiosa mas criminal («Sei de um crime horrendo e nefando.»), o cenário é, no mínimo, absurdo. Prolongando-se, transforma-se em chantagem.

27 novembro, 2006

||| Tu não estás a ver.
A troca de galhardetes continua, Rita. Desta vez, a minha resposta segue com o rei da polca tex-mex, o príncipe dos broncos mexicanos, o vagabundo do acordeon de San Antonio, o rei: Flaco Jiménez. Ouçam e não riam. Ele tinha acabado de gravar com os Rolling Stones, Ry Cooder, Hank Williams, Linda Ronstadt e Emmylou Harris.

||| O Último Negreiro.
O livro de Miguel Real é um romance histórico; denso, escrito no fio da história, correndo contra a História, retomando a biografia fantástica de Francisco Félix de Sousa, o último negreiro. Nunca li antes uma descrição assim de Salvador e da Bahia dos séculos XVIII e XIX; nem uma abordagem tão dolorosa da escravatura (sem o kitsch do anacronismo); nem uma viagem assim entre o Brasil e África (Ajudá). Recomendo muito.

«Francisco Félix de Sousa cerrou a meia-pálpebra, fixando no céu do pensamento o clarão alvo da estrela que nessa noite de fim de ano de 1797 brilhara só para si, prometendo-lhe mais meia vida, só três dedos da mão direita lhe obedeciam e Francisco Félix de Sousa agarrou a estrela entre os dedos, prometendo ao Senhor dos Navegantes que seguiria a rota daquela estrela se sobrevivesse à macetada final, dá-me mais meia vida, Senhor dos Navegantes, articularam os lábios imóveis de Francisco Félix de Sousa, deixa-me experimentar a paz que nunca tive, Senhor dos Navegantes…»

||| Justiça pelas próprias mãos.
O altermundialista e organizador do Fórum Social de Porto Alegre, Emir Sader foi condenado por um tribunal por ofensas contra um dirigente do PFL. Seja ele quem for. O Apedeuta acha que não pode ser assim: «A sociedade brasileira não pode aceitar que um cidadão se dê ao luxo de querer castigar um companheiro que ousou defender sua raça.»

||| Quem recebe o dinheiro da indústria farmacêutica?
Sobre este assunto, ver o novo post de Paulo Gorjão.

||| Portugueses.
No sábado, creio erro, o ministro das Finanças resolveu fazer doutrina: a crítica às políticas do governo, às opções do governo, não são ataques ao governo -- são ataques aos portugueses. Reconhecem esta doutrina?

26 novembro, 2006

||| Mário Cesariny.
















1923-2006. Uma vida inteira.

||| CD.
Com sua já proverbial solidariedade e amor à arte que lhe foi vetada por seus pais e irmãos, P.Q.P. Bach anuncia suas novas atrações: os três Concertos para Orquestra (de Bartók, Lutoslavski e Bernstein, um melhor que o outro) e a série completa (8 CDs) das Cantatas Profanas de seu pai J.S. Bach. Tudo coisa fina. Preparem os downloads.
[Aviso do Milton.]

25 novembro, 2006

||| Impensável, ainda.
Continua a minha apreensão. Ainda não vi reacções sérias nem as habituais indignações depois da frase do Ministro da Saúde. Nada no site do sindicato dos jornalistas.
Convinha que o sr. Ministro da Saúde esclarecesse o assunto rapidamente para sabermos que jornais temos de deixar de ler porque estão mancomunados com a indústria farmacêutica e quem são os jornalistas que estão a ser pagos pela Bayer, pela Bial, pela Roche, etc. Recordo a frase:

«Os grupos privados [do sector da saúde] têm a sua política e pagam aos senhores jornalistas para porem notícias nos jornais e nas televisões.»

1. Ver Ponto Media, Portugal dos Pequeninos, ContraFactos e Bloguítica, por exemplo. O ContraFactos dá conta de aspectos triviais da actividade do Ministério da Saúde para pôr notícias suas nos jornais.

2. O que nos impede, enquanto o senhor Ministro continuar sem esclarecer a sua frase, de dizer que o Ministério da Saúde tem acordos ilegais e perniciosos com a indústria farmacêutica, a indústria de instalações hospitalares, a Cosa Nostra e o Atlético de Madrid ou a Liga de Cegos João de Deus?

||| Festa da música.
Como escreveu Verissimo: putaqueparil!* Graças a uma recomendação do Milton, chego a este blog P.Q.P. Bach: downloads de Bach (e, já agora, também de Janáček, Rimsky-Korsakov e de Bartók) em que algumas das versões são nada negligenciáveis. E com este aviso:

«Como dizia Tolstoi, as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. A de Johann Sebastian Bach era feliz. Mas só até ao nascimento do malfadado vigésimo primeiro filho, Peter Qualvoll Publizieren Bach. Wilhelm Friedmann, Johann Christian and Carl Philipp Emanuel detestavam o irmão que foi renegado pelo pai e ao qual não foi ensinado nada de útil.»
* Expressão também usada, que eu saiba, por Rubens Figueiredo, leitores de Fernando Sabino e Mário Prata, doze milhões de brasileiros e catorze frequentadores de um certo boteco da Gávea.

24 novembro, 2006

||| Impensável.
Não vi ainda grandes reacções nos blogs, mas estas declarações do Sr. Ministro da Saúde à SIC não são apenas inaceitáveis; são, também, impensáveis.

«Os grupos privados [do sector da saúde] têm a sua política e pagam aos senhores jornalistas para porem notícias nos jornais e nas televisões.»
Por menos do que isto, por muito menos do que isto, quase cairam ministros.

[Via Público]

||| Miguel Real.









Amanhã, na Fnac Chiado, às 15h30, lançamento de O Último Negreiro, o novo romance de Miguel Real (edição Quid Novi).

||| Cultura, 3.
Outra das falácias é a do deserto de programação cultural. Que há poucas coisas a acontecer. Que Porto e Lisboa, etc, etc, etc, não têm actividades culturais bastantes. Esta gente não tem juízo. Leiam os jornais, os boletins municipais, os blogs, os sites, tudo isso. Não me lixem.

||| Cultura, 2.
A arte da queixa funciona na perfeição. Ontem, era atribuída ao Estado a culpa de não haver um programa de livros -- nem na televisão nem na rádio. À minha frente.

||| Cultura.
Ontem, no debate sobre Estado e Cultura, fui cilindrado por números. 260 milhões, fora os milhões reclamados por cada «agente cultural», fora aquilo que é dever do Estado fazer. Não sei onde páram todos os milhões de que ouço falar. Mas, para a preparação do aniversário da Casa Fernando Pessoa, esta manhã passámos um bom tempo a aproveitar autocolantes antigos para colar em sacolas de papel modernas para embrulhar presentes de aniversário da Casa a serem distribuídos no próximo dia 30. Os presentes de aniversário foram preparados pelo pessoal da Casa, e são bonitos, para distribuir pelas visitas. José Tolentino Mendonça, Manuel António Pina, Luís Quintais, Pedro Mexia, José Luís Peixoto e José Eduardo Agualusa virão ler poemas. Arranjem-me um bocadinho de um milhão. Não precisa de ser uma parte substancial.

23 novembro, 2006

||| Renovação.
Os renovadores do PCP não esperaram pela renovação decidida pela direcção do partido. Estas coisas têm um timing. Nada de novo na frente.

||| Estado.
Hoje, na Casa Fernando Pessoa, a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, para debater o papel do Estado na Cultura, com José Fonseca e Costa, Rui Horta, Zita Seabra e Urbano Tavares Rodrigues. Às 21h30, em Campo de Ourique. O moderador é Carlos Vaz Marques.

Pode vir mais cedo e ver a excelente exposição «Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?», dos fotógrafos da Kameraphoto, espalhada por todo o edifício -- bem como a mostra de bibliografia & objectos pessoais de Pedro Tamen (assinalando os seus 50 anos de vida literária), no rés-do-chão.

Já agora, no final do debate da noite pode provar os excelentes vinhos da Herdade de S. Miguel.

||| Ah, eles aprendem todos pela mesma cartilha.
No Brasil, depois de ataques (inclusive «musculados») contra a imprensa, o lulismo-leninismo avança e quer nova etapa. Volta, Gushiken, tu não eras suficiente, só querias expulsar os correspondentes estrangeiros. Agora, o PT quer expulsar os jornalistas que não ajoelharem diante do Apedeuta:

«O governo planeja uma mudança radical na área de comunicação, que no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve desempenho muito aquém do planejado. Pelo que está em estudo, a Secretaria de Comunicação (Secom) passa a ser denominada Secretaria de Democratização da Informação (SDI), saindo da esfera da Secretaria-Geral da Presidência para as mãos da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que deverá ter poder fortalecido na nova gestão. A principal missão da nova secretaria será implementar o capítulo da democratização da informação, incluído no programa petista para o segundo mandato. O governo decidiu retomar o assunto mesmo após o fracasso da tentativa de criar o Conselho Nacional de Jornalismo (CNJ) e a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), que, entre outros pontos, se propunha a disciplinar e a regulamentar o funcionamento dos meios de comunicação.»
E esta pérola, que vem no site d'O Partido.:
«O governo deve assumir o compromisso com um plano vigoroso e específico de democratização da comunicação social como uma de suas principais propostas para um segundo mandato e de fortalecimento da democracia.»
Entretanto, aguardam-se revelações sobre as ONG apoiadas pela Petrobras e que apoiaram a campanha eleitoral de Lula.

||| Ana Carolina & Seu Jorge. Nada de melancolia.



E Damien Rice, para ouvir o «original».

||| Resposta à altura.
Rita: superar o Raphael não era fácil. Mas o Rei, o único, consegue maravilhas. Está aqui a minha resposta.

||| Revelação.





Deus encontra-se nos detalhes. Pode acontecer. Mas ontem tive uma revelação quase divina: uma lasanha de espargos verdes numa cama de cogumelos (com rosbife rosadinho). A antecâmara da devassidão.

||| Cultura na estrada.
Ontem, depois de um pequeno problema de viação & trânsito a caminho de Coimbra, páro numa bomba de gasolina de auto-estrada e deparo com isto: uma bibliografia. Nas estantes, ao lado do self-service, estavam à venda vários títulos publicados pela Universidade de Alcalá, e coisas como o Descobrimento do Tibete pelo Padre Antonio de Andrade da Companhia de Jesus (edição facsimilada, com as cartas do religioso), uma reedição de Os Judeus em Portugal, de Mendes dos Remédios, Em Busca das Raízes do Ocidente, de Raul Miguel Rosado Fernandes (edição rara), um Hermenêutica Retórica e a Gramática do Grego, de M. Alexandre Júnior, a Corographia Portugueza em três tomos facsimilados, o Theatro Geographico-Historico de la Iglesia de España, um conjunto de dois volumes das Crónicas das Ordens dos Frades Menores, entre outras raridades. Trata-se de uma bibliografia de 98 octanas em plena A8.

||| O pulo do gato.
E não é que é mesmo ele? Fernando Sobral, ele-mesmo, num blog que já não está em convalescença.

||| O PERB.
Programa Especial de Recuperação do Dr. Barroso. Quod erat demonstrandum. Agora e na altura.

17 novembro, 2006

||| Protestos, 2.
Parece que uma escola mandou identificar os alunos que fecharam os portões a cadeado (logo em Avis...). Parece-me correcto. Não só nas escolas secundárias mas também nas universidades, evidentemente. Fechar os portões das escolas a cadeado tornou-se uma moda de prática demasiado fácil e de efeito garantido (a escola fica mesmo fechada); acho normal que se identifiquem os autores do acto. Os leitores do Público não acham, mas convinha ver os seus argumentos.
Em que parte dos códigos está o direito infinito e ilimitado à indignação?

||| Encerramento intemporal.












A partir deste fim-de-semana, estes arvoredos estarão temporariamente encerrados.

||| Friedman.








Nunca li Friedman, na verdade, mas há coisas que são mais saborosas do que outras.

||| Revisionismo.
Retirar o honoris causa a Francisco Franco na Universidade de Coimbra porque Franco foi um facínora. Retirar o retrato de Sidónio Pais da galeria de Belém. Retirar o nome de Salazar do registo civil de Santa Comba e apagar as primeiras páginas dos jornais da época. Retirar o nome de Estaline de certas bibliografias. Retirar o nome de Spínola da Junta de Salvação Nacional. D. Sebastião era um idiota inútil e não convém ter o seu retrato nos manuais de História pátria. Apagar o que não nos convém. Limpar os cantos à casa. Pôr a brilhar, luminoso, o nome da Universidade de Coimbra. Deitar abaixo as estátuas.

||| Santana.
Para Santana, andar por aí significa fazer política; tanto andará por aí que um dia regressará ao poder -- é esta a mensagem da sua entrevista. Trata-se de uma adaptação da teoria da «água mole em pedra dura». Mas também da estratégia da «vitória por exaustão»; cansados de Santana, exaustos com suas aparições, os portugueses já não o suportam e metem-no em São Bento. Depois tiram-no de lá. E por aí adiante. Um melodrama.

||| Philosophia, 2.
De qualquer modo, acabar com os exames nacionais de Filosofia (e com a pertinência da disciplina) num país em que o primeiro-ministro se chama Sócrates, é de um grande atrevimento.

||| Cavaco, 2.
Por outro lado, há uma questão infantil de timing: primeiro, Cavaco desarma os catastrofistas que, durante toda a campanha presidencial, lançaram repetidos avisos sobre o trágico que iria ser a eleição de um presidente destinado a minar e torpedear a acção de José Sócrates. Vai abaixo a argumentação de tão ilustres «defensores da estabilidade institucional» (que agora já não querem). Algumas destas vozes, inclusive, têm passado para a oposição a Sócrates.
Segundo, quer reinar sobre o país dos seus sonhos -- tranquilo, com os remadores de Ben-Hur afinadinhos e a miragem «do crescimento» no final do sprint. Aqui sim, pode estar o erro de perspectiva: a sociedade tem o direito de viver a política de forma conflituosa. Mas de uma coisa ninguém pode acusar Cavaco: de não dar a sua opinião. Ele é, também, aquilo.

||| Cavaco.
Cavaco é conformista; e já estávamos avisados. Isso representa uma garantia e um perigo. Mas há uma coisa que não compreendo a propósito da entrevista do PR ontem: serviu para quê, a entrevista?
Só vejo uma razão: garantir a «estabilidade institucional» e avisar sobre a «cooperação entre o PR e o governo», cousa que o Presidente não precisa de vir lembrar. Por um motivo: porque nenhuma das coisas (a estabilidade e a cooperação) estava, salvo erro, em causa. Não havia necessidade.

||| Revista de blogs. Ségolène.
«Ainda por cima é gira, apesar de viver com um panhonha.»
{João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos.}

16 novembro, 2006

||| Miguel, realmente.
Estou a ler O Último Negreiro, de Miguel Real (Quid Novi). Vejo a dançar, diante de mim, os personagens de A Voz da Terra, o romance anterior. Com a grande música da ficção.

||| Philosophia.
Acompanhei, na Antena Um, o debate matinal sobre o fim dos exames nacionais a Filosofia; não sei -- embora esteja ao lado de um interveniente, representando a Sociedade Portuguesa de Filosofia, que achava absurda a posição do Ministério. Autores como Locke, Platão, Aristóteles, Hume, Descartes, Kant ou Rawls não podem ser considerados estranhos (como parece que acentua o ministério). Uma senhora da Faculdade de Letras do Porto disse que há um ataque à Filosofia em Portugal, desde o Marquês de Pombal «e que se agravou durante o fascismo» (porque, dizia, «lhes convém que as pessoas não pensem», o que eu gosto de teorias da conspiração). Eu acho tudo isso estapafúrdio. A verdade é que não é possível estudar filosofia sem ler os autores (sim, os clássicos também, os gregos, os medievais, os contemporâneos). O resto é História das Ideias, uma matéria que devia ser obrigatória.

||| Campanha.
Li o livro de Filipe Santos Costa, A Última Campanha (edição Palavra), sobre a campanha presidencial de Mário Soares, com a impressão de estar a assistir a uma tragédia a desenrolar-se à frente de Soares e em que ele acaba por ser personagem principal. Sim, há esse lado de Soares que pode cativar almas generosas, mas ele é vítima de si próprio. Sou dos que nunca lhe chamou velho, dos que nunca achou que a idade seria um argumento contra o voto em Soares. E, lendo bem o livro, reparando bem nos depoimentos dos seus conselheiros mais próximos, acho que com razão: Mário Soares não tinha envelhecido; ele transportava consigo a mesma euforia, a mesma determinação e o mesmo entusiasmo -- merecia ser tratado como igual, com igual crueldade, com igual desaforo e com iguais modos. Isso, ele não aguentou. Não percebeu que já tínhamos saldado a dívida.

P.S. - Medeiros Ferreira, percebe-se nas páginas do livro, era o verdadeiro anjo de Soares. A reportagem de Filipe Santos Costa é justa para o único homem que sempre compreendera o verdadeiro sentido do discurso de Soares no seu 80º aniversário.

||| Protestos.
O protesto dos alunos contra as aulas de substituição parece-me simpático. Eu mandava-os chumbar nos exames como medida preventiva.

14 novembro, 2006

||| Lobo Antunes, mea culpa.
Quarta-feira, na TSF (fim da tarde, no Pessoal e Transmissível), Carlos Vaz Marques entrevista António Lobo Antunes. Lobo Antunes faz mea culpa e diz que foi «injusto para muita gente, e mesmo «parvo» (palavras do próprio); sobre Vasco Graça Moura, uma dos seus «arrependimentos», diz que é o maior poeta vivo da Língua Portuguesa.

Ouvir extracto aqui:

Lobo Antunes, mea ...

12 novembro, 2006

||| Academia, 5.
Comentário de Paulo Batista, por mail, ao post Academia:

«Tenho acompanhado, com o máximo interesse, a discussão sobre a interdisciplinaridade entre "ciências". Acrescento aqui pequenas reflexões, muito soltas, mas que acrescentam uma opinião de quem vive no centro do problema e se debate com ele, todos os dias. Na minha opinião, o problema da falta de interdisciplinaridade científica não é causado por uma certa animosidade entre ciência social e natural, mas por um problema enraizado na cultura dominante das nossas academias. Encontra-se enraizada uma certa ideia, rígida, de fronteiras intocáveis, que não permite desenvolver um pensamento interdisciplinar. Dando um exemplo concreto, alusivo à minha área de estudo, o planeamento (regional e urbano) em Portugal é uma "ciência" completamente fragmentada (muito balizada – sem "contacto" entre os diferentes profissionais), quando na verdade deveria ser uma das ciências mais interdisciplinares do panorama científico.
Mas, hoje, que vemos nós acontecer? Planeamento é sinónimo de duas "disciplinas": Engenharia Civil, no caso do projecto / desenvolvimento / construção de infraestruturas e Arquitectura, no seguimento do anterior conceito, mas introduzindo uma certa "marca artística" no desenho concreto do território. A sociologia, a biologia, a economia, a química e física são meros acessórios – a que se recorre em casos muito concretos (estudos de impacte ambiental, por exemplo, – e, mesmo neste caso, com um pequeno grau de interdisciplinaridade – reduzidos a questões técnicas, também elas muito limitadas a determinadas balizas cientificas).
Olhamos para o território através de um funil, o que não nos permite compreender a complexidade das estruturas físicas e sociais que assentam sobre ele, e sem a integração das quais é impossível realizar uma intervenção, cuidada e equilibrada, que permita o desenvolvimento futuro e a redução das tensões entre as diferentes forças. Ora aqui está, neste pequeno parágrafo anterior, um pequeno exemplo: como seria, se alguém juntasse conceitos físicos como a "tensão", a "força", o "campo gravítico" – provenientes da física, com conceitos de sociologia ou por exemplo (como se tenta desenvolver hoje, mas ainda em meios muito restritos e científicos) da economia? Aplicando esta junção de ciências naturais (a física) com problemas de âmbito económico e / ou sociológico?
Existem trabalhos desenvolvidos com alguma interdisciplinaridade, o problema está na falta de estímulo para que isto aconteça de forma natural; resultante de ideias redutoras instaladas (talvez fruto de necessidades de afirmação profissional – por parte de alguns grupos profissionais) que se traduzem em cursos de licenciatura demasiado pesados na exploração dos mesmos conceitos e que não incentivam a procura de respostas e a abertura intelectual e cultural (veja-se que o único curso de planeamento regional e urbano do país, no qual me encontro, foi encerrado! – devido à tal lei do mínimo de 10 alunos…mas porque será que este curso se encontra "ás moscas"? Quando é o mais interdisciplinar de todos? Não será isto sintomático?).
No entanto, nem só o problema é o ensino (e seus promotores). Os alunos apresentam uma apetência por cultura, lamentavelmente baixa. Não existem circuitos disseminados de debate interdisciplinar, de cruzamento de culturas, espaços informais de criação artística e / ou aprendizagem científica. Hoje, os interesses da maioria dos alunos, centra-se num conjunto de actividade sem qualquer tipo de enriquecimento intelectual, que funciona em espiral e que vai arrastando atrás de si a população universitária. Da praxe ás semanas académicas, das actividades nocturnas habituais ao associativismo juvenil, poucos projectos apresentam uma preocupação de fomentar o conhecimento aos seus intervenientes, chegando até, a repelir aqueles que o desejavam! Está enraizada uma ideia de facilitismo e de promoção de um ideal de podridão social. A vida universitária pode até tornar-se em algo demasiado frustrante para quem pretender ir mais além do que os limites e mentalidades vigentes. Ajudado por políticas que não fomentam a igualdade de oportunidades, muitos, bons e potenciais vanguardistas nesta abordagem (falando de alunos), são travados nos meios universitários. Porque, a universidade hoje (apesar da exponencial evolução) ainda é reservada a alguns. Apesar de muitos alunos, provenientes de estruturas familiares mais frágeis, terem inundado o ensino superior, não são suficientemente apoiados e estimulados (de forma a compensar o facto de não terem oportunidade de contactar com uma diversidade cultural que outros recursos poderiam proporcionar). Denota-se até, uma certa estigmatização entre colegas, do género: "os pobres e os ricos". Não muito visível, mas que empiricamente é possível discernir, em certa medida. E que seria até interessante estudar. Este facto é potenciado por um certo snobismo reinante, daqueles que se situam num nível maior de recursos (e consequentemente os criadores das "modas" do pensamento dominante) e que inconscientemente (tal como acontece na sociedade em geral), tratam de ocupar estruturas que permitam o controlo do sistema, perpetuando a situação actual (veja-se os dirigentes associativos actuais e as lutas, sem sentido que promovem!).
Os poucos alunos, interessados numa certa interdisciplinaridade e que não são rejeitados pelo "sistema" formam pequenas tribos. Muito fechadas entre si e de reduzida dimensão, não permitem a tão necessária discussão e debate de ideias de forma alargada e desligam-se até da intervenção no espaço público.
Concluindo o raciocínio, talvez o grau de interdisciplinaridade parta de um pressuposto cultural, subjacente ao conjunto da sociedade. Mais do que um problema entre ciências, (seja arrogância, seja fuga) encontramos um problema cultural, muito comum na sociedade actual: olhar apenas para o próprio umbigo e defende-lo a todo o custo, marginalizar todos os que são (e/ou pensam de formas) "diferentes", matando à nascença qualquer tentativa de inovação (que pode por em risco um "estatuto" qualquer). Este é um facto muito comum entre estudantes (algo de que posso falar, apenas, de forma muito intuitiva, mas com base na minha própria experiência e conhecimento do meio – no qual me insiro), mais até do que se possa pensar ou percepcionar "de fora".»

10 novembro, 2006

||| Festival Todos os Mares / Todos Los Mares.










Terminou hoje à tarde o I Festival Todos os Mares / Todos Los Mares, organizado pela Casa Fernando Pessoa e pelo Instituto Cervantes de Lisboa -- hoje com poetas de Portugal, Espanha e Colômbia.

||| Academia, 4.
Comentário de João Machado, por mail, ao post Academia:

«Sigo com atenção o que tem publicado no seu blogue sobre as falências da nossa Academia (ou a incapacidade de estabelecer ligações interdisciplinares). Primeiro gostava de perguntar-lhe se leu o Discurso Sobre As Ciências, de Boaventura de Sousa Santos; bem sei que hoje não é um autor muito bem visto, mas quando à divisão histórica entre ciências sociais e naturais que é epistemologicamente (e não só) conveniente a muita gente, está lá tudo. Por outro lado deixe-me partilhar alguma experiência pessoal: sendo que desenvolvo estudos na área de Comunicação, que considero ser um campo "de charneira", sinto falta de uma forte componente que é, não necessariamente científica, mas sim tecnológica. Se há algo que repudio nas humanidades é uma impreparação quanto ao factor tecnológico, que é completamente deixado -- basta ver a alocação dos recursos -- às ciências ditas naturais. Por outro lado tenho a dizer-lhe que os currículos universitários têm sido expandidos no sentido que mencionou, mais ainda com Bolonha, facto que me tem sido comprovado por colegas de outras áreas. De resto, percebo a intenção de base do Paulo Gorjão, mas tenho sérias dúvidas quanto ao dever da Universidade de propiciar cultura variada, ou cultura geral. Completamente de acordo quanto ao afastamento da Academia da Sociedade Civil.»

||| Academia, 3. [Jorge Calado e as duas culturas]










Comentário de Lourenço Cordeiro:

«Ao ler o seu post "Academia", ocorreu-me imediatamente o nome de Jorge Calado, homem que passou pacientemente os seus últimos anos como professor do Instituto Superior Técnico a semear a ideia das Duas Culturas ( http://info.med.yale.edu/therarad/summers/snow.htm) a proto-arquitectos. Lembro-me que o primeiro "paper" que nos pedia era uma página A4, apenas, onde diríamos se havia razão para se falar em duas culturas e porquê, ou seja, e já antecipando as respostas, para pormos por escrito as diferenças entre a cultura «científica» e a cultura das «humanidades» (o termo «literária» deixa de fora as restantes formas de arte). Argumentos os nossos que o «professor» (acho que foi raro a palavra aplicar-se tão bem a alguém durante o meu percurso académico) Jorge Calado desmontava com muita classe. O assunto é interessante do ponto de vista académico, mas vital do ponto de vista social, sobretudo no nosso país e, há que dizê-lo, na classe «artística». Jorge Calado, professor catedrático do departamento de Química do IST, entusiasta da fotografia, da ópera e da poesia, terá sido provavelmente a pessoa mais «culta» que conheci. Um bom exemplo.»

|||Academia, 2.
Comentário, por mail, de João Sousa André ao post sobre ciências & letras:

«O seu post entra precisamente em algo que discuti incessantemente com colegas nos meus anos de universidade. Especialmente com colegas de áreas que não das ciências (sou de ciências, como pode imaginar, especificamente engenheiro químico). Argumentei frequentemente o mesmo que o Francisco faz no seu post: que os "cientistas" podiam discutir humanidades sem problemas - salvaguardando a profundidade dos conhecimentos - enquanto que os "humanistas" não conseguiam trilhar o caminho inverso. Os autores que referiu, bem como muitos outros, mostram até que ponto os cientistas procuraram outras áreas para se enriquecerem pessoalmente.
Em todo o caso, penso que haverá razões para este distanciamento para lá da "arrogância das Letras" que refere. Uma boa perte disso passará por um sistema de ensino que permite aos alunos de humanidades a fuga às ciências. Embora não esteja a par do actual sistema de ensino no secundário, penso que não andará muito longe da lógica de manter as disciplinas de português, filosofia e língua estrangeira para os alunos de ciência, enquanto que as disciplinas mais básicas da ciência (matemática, física, química, biologia) são removidas dos currículos dos alunos de letras/humanidades. É a velha questão do "ir para letras para fugir à matemática".
A fuga à matemática torna-se importante porque explica, em grande parte, a incompreensão relativamente à ciência. É complicado explicar a física quântica ou a teoria das cordas sem se recorrer à matemática. O conceito de universo que se expande mas é infinito também é contra-intuitivo. Contudo todas estas teorias caem bem se vistas de um ponto de vista matemático. A matemática é, portanto, a "língua" da ciência (e falo mesmo sob o ponto de vista da comunicação), pelo que é necessário dominá-la para compreender os conceitos científicos. Já as humanidades podem ser compreensíveis por quem fale a língua da conversa, seja ela o português, o inglês ou o latim. Os conceitos podem depois ser apreendidos sem necessidade de formação mais avançada.
Também por aqui surge um outro ponto que me ocupou muitas discussões durante alguns anos: a questão da interdisciplinariedade das diversas áreas do saber. Porque razão não deverão os alunos de ciências ter uma ou duas disciplinas de línguas (na prática já têm uma formação informal em inglês, devido ao peso desta língua na literatura científica), filosofia (que forneceria ferramentas para uma saudável discussão científica ou mesmo para uma maior abertura a outras ideias), literatura (para melhorar a escrita dos "cientistas") ou mesmo artes (desenvolveria o espírito criativo tão necessário à ciência)? Da mesma forma, porque não dar uns rudimentos de matemática mais avançada, química analítica e orgânica, física mecânica e electromagnética (nem entro no campo das partículas) ou de simples noções de biologia, especialmente ao nível dos organismos? O contacto entre as duas áreas aumentaria e, quem sabe, poderia melhorar o trabalho em ambos os campos.»
Também por aqui surge um outro ponto que me ocupou muitas discussões durante alguns anos: a questão da interdisciplinariedade das diversas áreas do saber. Porque razão não deverão os alunos de ciências ter uma ou duas disciplinas de línguas (na prática já têm uma formação informal em inglês, devido ao peso desta língua na literatura científica), filosofia (que forneceria ferramentas para uma saudável discussão científica ou mesmo para uma maior abertura a outras ideias), literatura (para melhorar a escrita dos "cientistas") ou mesmo artes (desenvolveria o espírito criativo tão necessário à ciência)? Da mesma forma, porque não dar uns rudimentos de matemática mais avançada, química analítica e orgânica, física mecânica e electromagnética (nem entro no campo das partículas) ou de simples noções de biologia, especialmente ao nível dos organismos? O contacto entre as duas áreas aumentaria e, quem sabe, poderia melhorar o trabalho em ambos os campos.

||| ERC.
De quem são os jornais? O caso Rui Rio-Público.

||| Filantropia.
O Rui Branco apela a uma solução razoável (acerca de liberalismo e desigualdades sociais, motivado por um texto de Rui Pena Pires) e pergunta «se a filantropia entra no programa de um liberal à moda antiga». Dito assim, não sei. Mas entra, decerto, um capítulo sobre a responsabilidade social da riqueza. Os ricos da minha província, quando eu era adolescente, pagaram do seu bolso bibliotecas, estradas, arquivos biblográficos regionais, colecções de arte pública, etc. Um rico da cidade onde eu era estudante pagou, em regime vitalício, um prémio em dinheiro para os melhores alunos do liceu local (com a democracia, um «conselho directivo» recusou-se a continuar com o prémio e os seus benefícios, porque eram «elitistas» ou, como disse uma professora da época, constituía «um incentivo fascista»), o que me permitiu (a mim e a outros) abrir a primeira conta bancária antes dos 18 anos. O fundo camiliano da biblioteca de V.N. Famalicão é o que é graças a um rico da região que, depois das dificuldades da sua emigração brasileira, não esqueceu que tinha uma dívida social, ou seja lá o que for. Um rico do Minho, que eu conheci, pagou a recuperação de várias obras de arte das igrejas da região ao mesmo tempo que pagou, do seu bolso, dois centros de saúde do concelho. Os ricos dessa altura conservavam pudor, honorabilidade e um discreto sentido de justiça e de humanidade. Mas eu não percebo nada do assunto. Sou só um liberal à moda antiga.

||| Academia.
O Paulo Gorjão toca num ponto essencial do debate sobre «a nossa academia», ou seja, da nossa pequena vida universitária:

«Um aluno de medicina só se pode interessar por medicina. Um aluno de jornalismo só se pode interessar por jornalismo e assim sucessivamente. Errado. Errado. Errado. Não vejo nenhuma razão substantiva, muito pelo contrário, para que um aluno de ciência política ou do que quer que seja não possa -- e não deva -- assistir, na sua universidade, a conferências sobre os mais variados temas. Se, por mera hipótese, por exemplo, João Magueijo está disponível para dar uma conferência sobre física por que motivo é que alunos de relações internacionais ou de antropologia não devem assistir à sua palestra? Alguém me explica? Não é essa uma das funções da academia, i.e. aguçar a curiosidade científica?»
Genericamente, o Paulo tem razão. Há falta de contacto entre «as ciências» (se considerarmos que existem «ciências humanas e sociais») e os temas. Mas penso que a situação não se traduz por ignorância ou desconhecimento mútuos. Ou seja: a área das humanidades desconhece mais o mundo das ciências do que o inverso. É mais fácil encontrar investigadores, professores ou estudantes de ciências (matemática, física, biologia, etc.) interessados em matérias relacionadas com arte, literatura, política ou história, do que o seu contrário. As «humanidades» mostram em Portugal uma arrogância que lhes é fatal. O «predomínio» da «cultura literária» sobre a «cultura científica» traduz essa arrogância das Letras -- o que significa que alguém vindo da área das ciências pode discutir, de igual para igual com alguém das Letras, sobre política, ópera, relações internacionais ou o romantismo tardio, mas que a generalidade das pessoas de Letras tem grande dificuldade em apreender os conceitos fundamentais da ciência contemporânea; experimentemos perguntar a um aluno finalista de sociologia o que significam, em termos muito básicos, «mecânica quântica», «buracos negros», «teoria das cordas», ou se alguma vez leram Darwin, Stephen Jay Gould ou se são capazes de dizer que há uma teoria da relatividade restrita e uma teoria da relatividade geral (ou, até, neste caso, se se comoveram com o livro de Alan Lightman, Os Sonhos de Eisntein).
O exemplo que Paulo Gorjão aponta (uma conferência de João Magueijo) é exemplar e seria bom perceber até que ponto os alunos de Direito, de Psicologia ou de Relações Internacionais seriam capazes de relacionar o nome de João Magueijo com Einstein ou se se sentiram motivados, alguma vez, a comprar o seu livro Mais Rápido Que a Luz. Ou, para sermos ainda mais claros, se alguns se interessaram por ler os de Carlos Fiolhais ou os de Nuno Crato com Fernando Reis, Luís Tirapicos, etc.; se se aperceberam da actividade de Rómulo de Carvalho; se leram um dos livros de João Lobo Antunes; se ultrapassaram a contracapa dos livros de Damásio; se sabem quem é Maria de Sousa; se conhecem algum texto de Jorge Buescu, Alexandre Quintanilha, Rui Fausto, Rita Marnoto, João Varela, Teresa Lago, M. Moniz Pereira (só para citar aqueles que escreveram para «os grandes meios»); se já leram alguns livros de divulgação científica; se reconhecem os nomes de Feynman, Dawkins, Reeves ou Penrose; se acham que Sagan é astrólogo em vez de astrónomo; se se interessaram pelos livros de jogos matemáticos do João Pedro Neto e do Jorge Nuno Silva, etc. etc.
Estes são alguns dos maus hábitos da academia (a ignorância das Letras em relação às Ciências), sim -- e do país.

09 novembro, 2006

||| A lápis.
Aí está o blog de João Barrento: chama-se Escrito a Lápis.

||| Todos os Mares / Todos los Mares.












Continua hoje e amanhã o Festival de Poesia Todos os Mares / Todos los Mares, organizado pela Casa Fernando Pessoa e pelo Instituto Cervantes.
Hoje, no Instituto Cervantes, ao final da tarde (18h30): Maria do Rosário Pedreira, Manuel António Pina, Eugenio Montejo e Luis Muñoz.
Na Casa Fernando Pessoa, às 21h30: Nuno Júdice, Gastão Cruz, María Victoria Atencia, Pere Rovira.
Imagens da leitura inaugural de ontem (da autoria de João Daniel Ricardo), com os portugueses Ana Luísa Amaral e Luís Quintais, e com os espanhóis Luis Alberto de Cuenca e Andrés Sánchez Robayna.
Também hoje, às 18h30, na Casa Fernando Pessoa, o brasileiro (e carioca da UFRJ) Luís Maffei fala sobre Herberto Helder.

||| Ler, 7.
Leitores atentos, alguns, assinalaram correctamente o título do livro. Outros recorreram ao Google e chegaram lá. A Grande Arte, de Rubem Fonseca, sim.

08 novembro, 2006

||| Chegou a hora da minha confissão.
É a frase de Saramago para dizer que também pertenceu à Mocidade Portuguesa. Ora bolas. Trata-se da entrevista no Estadão sobre a sua autobiografia. O Tomás pergunta-se: e a passagem pelo DN?

||| Madeira.
Declaração de interesses: não gosto de Alberto João Jardim. Um tribunal funchalense condenou-me a pagar a Jardim a mais alta indemnização (na época e creio que ainda hoje) por abuso de liberdade de imprensa. Recorri -- e do recurso resultou um puxão de orelhas ao tribunal, que foi obrigado a repetir o julgamento e com outro juiz. Guardo boas memórias desse julgamento e da sentença anedótica e estapafúrdia que me condenou transitoriamente. Espero que tenham saboreado a resposta porque, entretanto, Jardim deixou prescrever o processo -- enquanto eu tive de pagar despesas e deslocações para minha ilustração particular nos tribunais da ilha. Dito isto, o seguinte: também é fácil acometer contra o cavalheiro e contra os seus gastos, as suas paranóias e os espectáculos confrangedores que oferece todos os anos no Chão da Lagoa ou nas visitas às freguesias. Verdade seja dita que escrevi o suficiente sobre isso, sobretudo depois do processo, para que não ficasse a pairar a ideia de que me tinham calado. Sendo fácil reduzir o cavalheiro àquela docilidade, convém que se diga outra verdade, caro João: é que ninguém teve coragem, até agora, de dizer à Quinta Vigia que as leis orçamentais são leis orçamentais e que a vida é difícil para todos. No que concordamos é que a Madeira é outra coisa passados estes anos de jardinismo; e é melhor para todos, madeirenses (claro) e continentais (que não passam pela vergonha de manter uma ilha reduzida à condição de colónia miseravel, o que teria acontecido se Jardim não tivesse abusado do orçamento). O essencial é isto: Jardim merece passar pelos infortúnios actuais, mas não vale a pena empertigarem-se tanto só por ver o cavalheiro dobrado desta forma. Nisso tem razão, João.

||| Fernando.
Um amigo está nos cuidados intensivos do Hospital de S. José. Na antecâmara do coma, solta-se e regressa à vida. Telefonemas, perguntas, interrogações, estupefacção. Passa para os cuidados intermédios, que ele merece, ele merece tudo. Mas a preocupação é a mesma, e o receio. E, de súbito, aliviado pela recuperação, chega um sms de outro grande amigo preocupado: «Ele está melhor e quis saber coisas do Benfica. Não sei se é bom sinal mas enfim.»

||| Banca. [Actualizado]
João Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, e Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, acusam-se de peronistas e de arrogantes. Vamos e venhamos: são acusações fáceis. A banca e o governo sabem que é fácil acusar os bancos de ter uma atitude sabichona face ao fisco, às operações off shore e aos relatórios & contas; o governo e a banca sabem que uma perseguiçãozinha pública aos bancos cai bem no vasto mundo dos consumidores endividados à banca, cheios de crédito à habitação e de crédito pessoal mal parado. Depois das seguradoras, os bancos são outra bête noir do consumidor peronista ou populista. E há sempre essa «realidade» praticamente adquirida por todos: o público está endividado «mas os lucros da banca crescem» (versão Manuel Alegre e Francisco Louçã). Explicado assim às criancinhas, qualquer peronista tem o caminho aberto para perseguir a banca. Desta vez, porém, quer no «arredondamento dos juros», quer no «desconto dos cheques», quer nas despesas com operações financeiras, a associação dos bancos explicou-se bem: quem paga é o consumidor. Está certo. Ou seja, João Salgueiro «ameaçou que o sector poderá agravar o preço do dinheiro», o que -- lido assim -- é chantagem pura e simples. Contra quem? Daí a interrogação do liberal à moda antiga: e o indivíduo, o cidadão, vá lá? Quem vai pagar o que «não era para ser pago por nós» mas que sabíamos que era pago por nós?


Comentário de Mesquita Alves:

«A propósito desta polémica sobre os lucros da banca, há alguns aspectos, que na minha opinião merecem reflexão ponderada mas urgente:
Um cheque depositado na sua conta, se o mesmo tiver provisão, só terá o dinheiro disponível na sua conta 3,5 dias depois. Com a evolução que a informática da banca (excelente) tem tido (e o multibanco comprova-o) este lapso de tempo é inadmissível, e prejudica objectivamente empresas e particulares. É que, no dia seguinte de manhã, o dinheiro sai da conta de quem emitiu o cheque... Sou partidário da livre concorrência, mas esta não pode ter entraves desonestos. Assim, se eu achar caro o meu empréstimo à habitação e quiser passar para outro banco mais barato, sou confrontado com uma cláusula em letras pequeninas que me informa que a amortização antecipada é penalizada com uma taxa (difere entre bancos) que vai dos 3 aos 6% sobre o total do capital em dívida do empréstimo. O problema é que há uma concentração entre todos os bancos com esta cláusula, e eu não posso escolher um ou dois bancos que não a tenham. Feitas as contas, fica-me mais caro trocar de banco e obter a melhor taxa do banco mais barato. Lá se vai o mercado livre... enfim, a livre concorrência.
Outro aspecto que é extremamente nocivo e muito pouco ético, tem a ver com publicidade de spread de 0.75% (p ex) que vem na imprensa, e no dia que vai assinar o contrato (e com responsabilidades contratuais já assumidas perante terceiros, logo em situação de dependência), vê-se confrontado com um spread de 4 ou 5%, mas que baixa para 0,75% se cumprir uma serie de requesitos tipo ter ALD, seguros PPR, etc, etc, etc.
Ora se alguém, sem o querer, ficar desempregado (p.ex.), além da consequência financeira de tal situação, vê-se confrontado com a possibilidade de a sua prestação subir em flecha, porque devido a que a situação inesperada e desesperada, não o possibilitar a ter o tal ALD, PPR etc etc.»
A obrigatoriedade do seguro de vida é algo que num casal com 45 anos custa o equivalente a 8% do total das prestações pagas durante um ano. Tendo em conta que no empréstimo à habitação existe uma garantia real e inequívoca não será excessivo que toda a banca faça esta exigência? Não será desproporcionada?
Se eu, empresário, vender madeira, aço ou o que for, e no montante que for, recebo conforme o acordado a 30, 60 dias, etc., sem seguro de vida nem garantias reais. Por que carga de água a actividade bancária tem garantias francamente superiores ao resto das actividades? Obviamente que a hipoteca é imprescindível -- mas mais, porquê? É que, como se sabe, os seguros de vida são os mais rentáveis da actividade bancária e seguradora, e esta minha preocupação tem a ver com o facto de nos próximos 2/3 anos milhares de familias de vários escalões sociais irem sofrer muito devido ao aumento das taxas de juro, com o seguro de vida ainda a agravar a situação.
Se eu vender 20 toneladas de aço ao "Joaquim, Lda.", novo cliente que conquistei ontem, entrego-lhe a mercadoria e, se deus quiser, receberei no prazo acordado. Por que diabo é que nem eu nem milhares de empresários de qualquer outra actividade não cobramos despesas de dossier, os kms que fez o seu vendedor, avaliação do aço ou elaboração do dossiê para abertura de conta corrente? Por que motivo, para mim nunca explicado, a actividade bancária é a única que o faz, e está legalmente autorizada a fazê-lo? O grave problema é que todos os bancos o fazem, e portanto, não posso, ao abrigo da livre concorrência, escolher o melhor entre meia dúzia que não o façam. O problema dos ajustes ao 1/8 de ponto está hoje na ordem do dia, e ainda bem, mas penso que aqueles 5 problemas acima descritos são de urgente resolução.»

||| Ler, 6.
Mails de amigos e leitores perguntam de que livro se trata. Apostamos?

||| Ler, 5.
Ao longo do livro quero que M. se apaixone por B. (ou até por Lilibeth, como substituta), o que revela o carácter pueril do leitor. Isso acontecerá no final, sim -- mas como pode M. suportar a presença de B. Bronstein e de Ada, e das mulheres de Arquelau? É por isso que este livro é uma grande traição, uma traição permanente, uma armadilha constante.

|||Festival Todos os Mares / Todos los Mares.

Hoje, os poetas são Luís Quintais, Ana Luísa Amaral, Luis Alberto de Cuenca e Andrés Sánchez Robayna. Organização da Casa Fernando Pessoa e do Instituto Cervantes -- no Cervantes, às 18h30.
Quinta, no Cervantes (18h30): Maria do Rosário Pedreira, Manuel António Pina, Eugenio Montejo e Luis Muñoz. Na Casa Fernando Pessoa, às 21h30: Nuno Júdice, Gastão Cruz, María Victoria Atencia, Pere Rovira.
Na sexta, às 18h30, no Cervantes: António Osório, Rosa Alice Branco, Eloy Sánchez Rosillo e Darío Jaramillo Agudelo.

Programa completo aqui.

||| VPV.
Vasco Pulido Valente hoje no Pessoal e Transmissível, de Carlos Vaz Marques, na TSF.

VPV e as memórias
VPV e as memórias....
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||| Por falar em comida.
Por falar em comida, exactamente, e se alguém quiser aprender a cozinhar camarões no forno à moda de Lourenço Marques, polenta, esparregado, risoto de espargos verdes e cogumelos, arroz de entrecosto com pimentos e açafrão ou simples bolinhos de bacalhau, é só clicar aqui, no A Cozinha da Joana.

||| Rhode Island.
Onésimo, meu caro: Lincoln Chafee perdeu a eleição. Tu já sabias. Contra um homem chamado Sheldon Whitehouse não havia hipótese.

||| Guerra a sério.
Está aí uma guerra a sério entre o Rui e o LR. Sobre cozinha brasileira. Eu, que não aprecio grandemente a cozinha baiana (ah, e se sei do que falo depois de dois anos alimentado a azeite de dendê, acarajés, paçocas, vatapás, abarás, e outros sublimes horrores -- a Bahia é, provavelmente, junto com quase todo o Nordeste, a região do mundo que mais maltrata a comida), recomendo ao Rui exemplos de boa cozinha gaúcha, catarinense e paulista. Especialmente a do sul, portanto. E São Paulo, na verdade, tem dos melhores restaurantes que o nosso bolso pode pagar. Florianópolis tem boa comida. Porto Alegre tem muito bons restaurantes. Até em Salvador (mas também em Itacaré, Trancoso, etc.) há, curiosamente, dois ou três bons restaurantes de peixe. E dou lista geral.

||| Mudar de vida?
Não só mudar de vida, caro Paulo. Falamos do PSD: mudar de sentido, mudar de pessoas e mudar, finalmente.

Na verdade, eles não aprendem nem têm vergonha: «A oposição formal, alegrada por congressos e por frases fatais, ain­da não percebeu o que a levou a tor­nar-se irrelevante para tudo o que seja o debate sobre o futuro do país, sobre o papel do Estado na socie­dade e na economia, sobre as no­vas realidades culturais, sobre o sentido que tem a política portuguesa na Europa de hoje. Mas ex­plica-se facilmente: preguiça e baronatos. Foi isso que matou a Di­reita antes, durante os seus gover­nos. É isso que ameaça liquidá-la agora, por alguns anos. Essa irrelevância vai custar caro ao país.»

Actualização:
Paulo Gorjão acrescenta mais dados.

07 novembro, 2006

|||... e começa o festival Todos os Mares / Todos los Mares.
Nesta quarta-feira, os poetas são Luís Quintais, Ana Luísa Amaral, Luis Alberto de Cuenca e Andrés Sánchez Robayna. Organização da Casa Fernando Pessoa e do Instituto Cervantes -- no Cervantes, às 18h30.
Quinta, no Cervantes (18h30): Maria do Rosário Pedreira, Manuel António Pina, Eugenio Montejo e Luis Muñoz. Na Casa Fernando Pessoa, às 21h30: Nuno Júdice, Gastão Cruz, María Victoria Atencia, Pere Rovira.
Na sexta, às 18h30, no Cervantes: António Osório, Rosa Alice Branco, Eloy Sánchez Rosillo e Darío Jaramillo Agudelo.
Programa completo aqui.

||| Fausto, Goethe, Pessoa.
Quarta-feira, dia ocupado na Casa Fernando Pessoa: das 11 às 23h00, a Segunda Jornada Luso-Alemã, subordinada ao tema Prometeu e Fausto em Goethe e Pessoa - Cartografias dialogantes.
Conferências, debates, performances -- com Nuno Felix da Costa, Anabela Mendes, Gilda Nunes Barata, Raquel Nobre-Guerra, Ana Fernandes, Paula Mendes Coelho, Luís Moura do Carmo e Nuno Lucas, Teresa André, Eugénia Vasques, Holger Brohm, António Bracinha Vieira, Pedro Vistas, Jorge Fazenda Lourenço, entre outros. Mais informações aqui.

||| Literatura, de facto.
No Brasil, para compreender melhor o escândalo do dossier forjado e usado pelo PT contra os tucanos, é necessário conhecer um novo personagem com que ninguém quer ser associado: chama-se Freud. Berzoini, que caiu do cadeirão de presidente do PT também por causa do dossier, diz que não trocou telefonemas com Freud. Ninguém quer falar com Freud.

||| Ler, 4.
Há um personagem chamado Licurgo. Mas antes de se encontrar com ele (o que acontece pelas páginas cinquenta) M. discute com W. sobre a sanidade de Lepinski e a sua interpretação dos sete dias de oração do rei David destinados a salvar o filho. É no mesmo dia que conhece Lilibeth. Quarenta páginas adiante -- suspeitava-se, e isso é uma falha -- M. está na cama com Lilibeth: «O meu olhar desceu pela sua perna até ao pé detendo-se na pulsação da artéria abaixo do tornozelo.» Ninguém se interessa pela «artéria abaixo do tornozelo» se não estiver disponível para seguir essa descrição minuciosa, a que vai dos olhos de Lilibeth (que abraça a própria perna, encolhida sobre um sofá) até ao esquecimento. «Ah, as mulheres», pensa M. Mas, mais tarde (páginas duzentos), ele dedica igual atenção a outra mulher (que morrerá a seguir): «O seu rosto parecia uma efígie numa moeda de ouro.» A luz do entardecer, «esse tipo de homem gosta de mulheres submissas». E M. repete: «Ah, as mulheres.» Ele dirá esta frase de outras vezes. E pensa nas mulheres de Arquelau, o personagem com quem se encontrará ao fim de uma viagem de comboio, e cujo pai era professor de grego.

||| Onésimo Teotónio de Almeida no Origem das Espécies [As eleições americanas] (republicado)











Dilemas no
país dos anões

Caio nas eleições americanas regressadinho de Portugal e ainda cheio das brilhantes críticas e soluções portuguesas ouvidas em longas conversas (mais monólogos que conversas), noites dentro. Entre as inúmeras qualidades dos meus patrícios está essa enorme capacidade de divisar soluções estonteantemente simples para complexos problemas que assolam os outros países. Têm um conhecimento vastíssimo das mais e menos candentes questões da política do mundo. Duma penada propõem remédios que os líderes dos limitados países muito agradeceriam conhecer, se lhes fosse dado terem a dita de saber português e de poderem receber instant messages de tão luminosos estrategos políticos.
Desembarco em Boston e mergulho nos jornais e imagens de TV que me invadem a paz, chego a casa e procuro recuperar o fio dos acontecimentos deixados uma semana antes, e lamento deveras não ter à mão os meus compatriotas que se me quedaram do outro lado do Atlântico. Dar-me-iam jeito. Levá-los-ia à TV como comentadores ou tentaria conseguir-lhes um emprego como assessores dos nabos políticos desta terra de imbecis.
Na verdade, na falta deles, as minhas próprias capacidades de análise estão diminuídas, sinto-me incapaz de pensar e agir. Vou dar um exemplo que me deixa atado, inibido, sem saber como desenvencilhar-me moral e politicamente:
Aqui em Rhode Island, o mais pequeno estado da União, confronto-me com um dilema. Decorre nestes dias uma das mais renhidas disputas de um lugar no Congresso: o senador Lincoln Chafee é republicano e tem a concorrer contra ele um democrata, Sheldon Whitehouse. Chafee é o mais liberal dos republicanos, o único deles a votar no Senado contra a invasão do Iraque, quando o não fizeram colegas seus, democratíssimos, como Hillary Clinton, John Kerry e John Edwards, pilares do Partido Democrata.
A escolha é complicada mas, como nas tragédias gregas, o dilema é simples de expor: se decidir premiar Chafee e votar por ele, contribuirei para a eventual continuação do controlo republicano do Congresso. Se votar pelo candidato democrata poderei ajudar a passar a liderança para o outro lado após tão desastrosos anos de domínio.
Para complicar o cenário, porem, uma antiga colega da universidade e ex-namorada de um amigo de Lincoln Chafee trabalha como voluntária na reeleição do senador. Ambas as facções dão tudo por tudo e ela pede-me agora contactos-chave na comunidade portuguesa, que tradicionalmente votou sempre democrata. Quer tentar penetrar nela a ver se saca uns votos, pois cada um vai mesmo valer. Dou-lhe os contactos? Se sim, e se ela conseguir entre a nossa diáspora um único voto que seja, já estará eliminado o meu, se eu votar democrata. Uma situação a fazer-me evocar um velho professor da adolescência que repetia a história de dois compadres que se encontraram na rua a caminho de uma eleição. Um pergunta ao outro: - Em quem vais votar? - Em X - responde ele. - Ora eu ia votar em Y e portanto, como os nossos votos se anulam mutuamente, o melhor é voltarmos para casa.
Já perceberam como me seria útil o conselho dos meus patrícios. E como é triste emigrar para um país quando, se tivesse ficado na pátria, compreenderia muito melhor as realidades americanas do que vivendo aqui.
Mas não se pode ter tudo, como avisa a sabedoria popular. Tenho que conformar-me e acarretar com as consequências das minhas opções, observar de perto estes despiques e sentir-me indeciso e inseguro sobre opções a tomar em bicudos casos como este.

Onésimo Teotónio de Almeida é Professor e Director do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University, Providence, Rhode Island, EUA. Lecciona na Brown desde 1975. Doutorado em Filosofia pela Brown University (1980), é Fellow do Wayland Collegium for Liberal Learning, um Instituto de Estudos Interdisciplinares na Brown University, onde lecciona uma cadeira sobre Valores e Mundividências.

||| Ler, 3.
É mentira: não me comovo sempre que o leio; às vezes irrito-me profundamente quando dou por mim a procurar falhas.

||| Ler, 2.
Na ilha, foi o único livro que trouxe. Lido pela décima vez, como disse; comovo-me sempre que o leio. Há uma passagem em que o personagem central, em dois parágrafos curtos, revisita a grande literatura. Cita Arquíloco («um raio a deflagrar no espírito»), filho de Telesicles, nascido em Paros. E eu fico a pensar em Arquíloco, naquele verso sobre a «ilha engrinaldada por agrestes bosques». O poeta-guerreiro nunca esteve na Vila da Praia da Vitória. O poema de Garrett escrito acerca deste areal é soturno e lacrimejante, não está à sua altura.

||| América, 1.
Grande parte dos meus amigos acha que, nos EUA, uma vitória dos democratas seria muito boa notícia. Sobretudo para eles, que votariam nos democratas se vivessem nos EUA. Ora, de alguma maneira, e tendo em conta o que pensam sobre «os americanos», uma vitória democrata é vista por eles como uma punição dos EUA.

[A minha declaração de voto há dois anos.]

||| Ler, 1.
Leio o livro pela décima vez, ou mais. Filho da puta, penso deles, livro e autor: uma frase tão perfeita, uma passagem tão perfeita. Uma palavra a mais seria um ruído tremendo; mas assim, como está, reconhece-se a mão do génio.

||| Revista de blogs. A vida verdadeira.
«Viver, enfim, uma vida paralela - dentro dos livros - sem chegar a tocar em nada.»
{Manuel Jorge Marmelo, no Tatarana.}

06 novembro, 2006

||| Passar à frente.
Apesar de tudo, ainda consegui ver um pouco da entrevista de Marques Mendes na SIC Notícias. A menos que aconteça um desastre de proporções razoáveis, a «queda de Sócrates» está para vir daqui a bastante tempo. Passemos em frente.

A entrevista de Pacheco Pereira à Antena Um (e JN) é, como de costume, um documento para reter. A certa altura, JPP diz que o PSD precisa de interlocutores credíveis para fazer oposição («não tem interlocutores com legitimidade face à sociedade para o dizer»). Não sei se estão a ver, mas JPP tem toda a razão.

||| Atlântico.
No meio do Atlântico, em viagem. Encontro um homem que vive nesta ilha há cerca de nove meses. Dorme numa tenda, voltado para o mar, mesmo a meio da colina. Quando veio para cá, trouxe apenas roupa e trinta e cinco caixotes de livros. «Sou o sem-abrigo mais lido que conheço», diz-me. Guardou os caixotes num armazém e continua a dormir na sua tenda, mesmo nestes dias em que chove bastante; de vez em quando abre um dos caixotes e lê o que calha. Esta semana, Paul Auster e David Mourão-Ferreira. Foi o que apareceu.

05 novembro, 2006

||| VPV.
Conforme estava prometido, aqui fica um primeiro extracto da entrevista de Vasco Pulido Valente ao Pessoal e Transmissível, de Carlos Vaz Marques. A entrevista vai para o ar na TSF, próxima quarta-feira mas, antes disso, ainda haverá outro extracto aqui.

VPV e o funil
VPV e o funil.mp3
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03 novembro, 2006

||| Vasco Pulido Valente.
Carlos Vaz Marques entrevista Vasco Pulido Valente na próxima quarta-feira, no Pessoal e Transmissível, da TSF -- depois do notíciário das 19h00. A entrevista já foi gravada e, garanto, do que ouvi, é imperdível. [Aliás, venham aqui na segunda-feira que vos mostro um extracto.]

||| Não acertam uma.
Ó João, essa ideia de «não acertam uma» (ou a outra, mais abaixo, de «não aprendem nada») dava para uma excelente série de posts.

||| FC.
Luís Naves, sempre bom leitor, escreve sobre ficção científica.

01 novembro, 2006

||| Revista de blogs. É o destino.
«Os portugueses não conseguem viver em Portugal.»
{No Combustões.}

||| Soltas.
Emir Sader condenado e defendido. Ameaças à Veja. Angélica Fernandes, do Diretório Nacional do PT, do Coletivo Nacional de Mulheres do PT e Secretária Estadual de Formação Política do PT-SP, emite uma nota em que condena a apresentadora Ana Maria Braga, da Globo, por vestir de preto na segunda-feira passada.
Repito o que escrevi na véspera da primeira eleição de Lula: oxalá me engane.

||| A TLEBS pode exterminar-se.
Tenho estado a tentar exercitar-me na TLEBS, ou terminologia linguística para os ensinos básico e secundário (disponível aqui). O trabalho não tem sido fácil, porque a TLEBS é absurda. Vasco Graça Moura tem sido uma das vozes, senão a principal, a insurgir-se contra esse desmando a perpretar contra o ensino do Português. Recentemente, Maria Alzira Seixo na Visão (o que permitiu um pequeno post scriptum a E. P. Coelho no Público) escreveu um artigo notável. Poucos se têm interessado sobre o assunto, e a TLEBS passará por ser esquecida; hão-de deixá-la passar na resma de reformas que os superiores génios instalados no Ministério da Educação periodicamente apresentam. Ora, a TLEBS, proposta por uma equipa de linguistas (seguir os links apresentados aqui), não é um avanço; constitui uma distracção letal, se a ministra, ocupada em tarefas políticas, não lhe puser um travão, como deve. Esta ideia de que o Português é propriedade de um grupo de génios que detestam o Português, pode exterminar-se. Parar a TLEBS é uma etapa.

Ver também Eduardo Pitta e João Gonçalves.

||| Revista de blogs. África e Cabora Bassa.
«Nunca soubemos lidar com esta coisa chamada Ultramar. Nem o dr. Salazar, nem a democracia. Numa altura em que o país se esfarela na ilusão "tecnológica", na obsessão "deficitária" e no consumismo desenfreado que alimenta o sistema bancário e a inconsciência "tuga", Sócrates foi a Moçambique "aliviar-se" do velho fardo do homem branco. E até pagamos - e de que maneira - para isso.»
{João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos.}

||| Revista de blogs. Companhias.
«Vejam o meu caso. Podia estar num blogue com a Penélope Cruz, o Super-Homem e o Fernando Pessoa.»
{Pedro Picoito, no Cachimbo de Magritte.}

||| O cantinho do hooligan. Hamburgo.













Já está. E uma suspeita: Bruno Moraes.

Notas argentinas no La Nación, de Buenos Aires.

||| Está bem.
«Paralisando esta canção capenga, nega/Para captar o visual/De um chute a gol/E a emoção/Da ideia quando ginga.» Chico Buarque para Anderson.