A Origem das Espécies
We have no more beginnings. {George Steiner}
30 setembro, 2005
||| Walking on thin ice.
O Pedro Mexia regressou à actividade com o mesmo estado civil de sempre: «Walking on thin ice.»
Sim, andamos a ouvir Smog.
29 setembro, 2005
||| Soares & Cavaco.
O artigo desta semana no JN, Sangue, Suor e Lágrimas.
||| Repetições de hoje.
Ah, compreendi finalmente o imbróglio. A questão, portanto, não é saber se Soares é ou não beneficiado com a divisão da esquerda. É ter a certeza de que Soares passa à segunda volta no confronto com os outros candidatos de esquerda. Assim está melhor.
As sondagens do DN são o pormenor em que só acredita quem quer. Variações de números mínimos dão lugar a discussões temperamentais sobre o futuro da esquerda e sobre a matemática eleitoral. Basicamente: mesmo se Alegre fosse melhor do que Soares na segunda volta, a matemática falha redondamente: para ser melhor na segunda volta é preciso estar na segunda volta.
||| Aleluia.
O que aconteceria se, a partir das 19:00 horas de hoje (hora de Lisboa, 15:00 em Brasília) Lula fosse alvo de impeachment e tivesse de demitir-se? Nada menos do que isso: a presidência do Brasil iria parar, direitinha, às mãos da IURD, Igreja Universal do Reino de Deus. Conferir aqui. Deu de vez.
|||A noite, o que é?, 55.
As cidades têm hotéis. Varandas. Os quartos de hotel nem sempre são felizes. Têm televisões ligadas, frigoríficos, camas brancas. Lembram-me sempre esse hotel noutra cidade, diante do Índico. As obsessões pagam-se com a vida, mais tarde ou mais cedo, mas seguramente mais tarde, quando tudo desapareceu.
||| Repetições.
Verdadeiramente, oiço notáveis especialistas em sondagens e não entendo. O problema é meu, mas não percebo como é que quatro candidatos de esquerda que vêm para massacrar um provável candidato de direita ou centro-direita (e que se candidatam -- à excepção de Francisco Louçã, honra lhe seja feita, que disse ao que vinha -- para derrotar Cavaco), vão favorecer um deles na primeira volta das eleições. A menos que o cargo seja politicamente irrelevante, claro.
28 setembro, 2005
||| Corpo, traiçoeiro.
Os textos dos blogs médicos deviam ser mais lidos entre nós. Às vezes leio as experiências descritas pelo J., ou no Blogame Mucho, por exemplo, e volto atrás para ter muita misericórdia por ele, pelo corpo imenso dos que sofrem. O sofrimento é mais real do que parece, mais inútil, menos metafísico. E nasce um grande respeito por aqueles que, tocados por doenças terminais, resistem até onde podem; ou desistem, com ou sem dignidade. A dignidade é boa para observar nos outros. Mas morre-se bastante sem que a dignidade nos devolva a vida. Não tem nada a ver com tranquilidade, com esperança, com determinação. Morrer com dignidade, morrer em silêncio, deixar um rasto de coisas por fazer. Não há mais nada, em certas alturas.
||| Toma lá, dá cá.
O governo brasileiro disponibiliza 500 milhões de reais para emendas parlamentares, mais uns milhões para obras de prefeituras aliadas. Em troca, pede votos em Aldo Rebelo na eleição para presidente da Câmara de Deputados. É mais mensalão.
||| De caminho.
Final de um post sobre a doença, assinado pelo Besugo, no Blogame Mucho: «O homem já não a quer, deixou-a ainda antes da peruca loira. Os tesões são difíceis em altura de sofrimento e toda a gente sofre um bocadinho, todos os dias, dispensando ao drama explicações adicionais. É só a vida.» Ler todo. Andamos a esquecer coisas essenciais.
||| Revista de blogs: Racismo e sal grosso.
«Acho que tudo isso só aconteceu porque sou mulher e tenho cabelo ruim. se fosse o reynaldo gianecchini ou a malu mader, ninguém se importaria. ou só porque minha bunda é grande e tenho uma ancona lopez bem torneada. só porque tenho molejo e malemolência. só porque ouço pagode e acho graça. (...) só porque cultivo os intelectuais da escola do dj marlboro. só porque eu sei dançar. só porque eu tenho os sapatos mais bonitos e as saias mais rodadas. só porque meu blog é mais legal e mais preto do que o seu. só porque eu tinha os melhores visitantes do mundo, 100% cohab. agora veio essa horda de chupacabras acampar na minha quitanda e dizer que eu sou racista. se gente mal intencionada constitui uma raça, lamento dizer que desgosto desse grupo específico de pessoas. sal grosso pra vocês.»
{No Nibelunga de Cabelo Duro.}
||| Revista de blogs: Mensagens.
«Mensagens no meu celular me fizeram dançar descalça pela casa com as calças escorregando da cintura no melhor estilo funqueira. Quando menos se espera, a ostra cospe uma pérola.»
{No Mishappenings}
||| Em nome das audiências.
A Playboy brasileira de Outubro, que sairá na próxima semana, tem uma capa promissora: a da jornalista Camilla Amaral, ex-assessora da senadora Ideli Salvatti (do PT de Santa Catarina) e que ganha o título de Miss CPI do Mensalão. Outros dados importantes: além de conhecer bem os meandros do PT, Camilla é solteira, mora em Brasília, tem 1,68 de altura, pesa 53 quilos e é loira. Não sei o que mais se há-de dizer. Ah, claro, a idade. 25.
Já quanto à revista Sexy -- mas edição de Novembro -- parece tudo confirmado quanto à hipótese de a sua capa ser ocupada por Diana Buani, que em Brasília recebeu o título de A Musa do Mensalinho; Diana, de 31 anos, é a mulher de Sebastião Buani, o dono do restaurante que acusa Severino Cavalcantti, ex-presidente da Câmara de Deputados, de «receber propina».
E assim cumpre o Origem das Espécies um inestimável serviço público. Obrigado a todos.
27 setembro, 2005
||| Fazer sangue, 2.
Por isso, ou muito me engano, ou começou a fase de pedir muito respeitinho.
||| Fazer sangue.
O candidato Mário Soares acha que fazer-lhe perguntas a que não quer responder é fazer o jogo deles. Deles, dos jornalistas, que só gostam de sangue. E por que querem eles sangue? Por nada de especial. Porque fazem perguntas. Ora, o que devem fazer os jornalistas nestas circunstâncias, segundo Mário Soares? Não fazer sangue. Podem fazer sangue em muitas outras circunstâncias, «cumprindo o seu dever cívico», mas não podem -- por exemplo -- interrogar Soares sobre o paralelismo entre Zenha e Alegre. Isso, que me parece uma pergunta muito pertinente (dado que é bom conhecermos o carácter de um candidato a Belém), é fazer sangue.
||| A entrevista.
A entrevista de Fernando Gabeira à revista Primeira Leitura, a propósito da crise brasileira, é exemplar. Publicarei extractos.
23 setembro, 2005
||| Coisas inconcebíveis, 2.
A virgindade absoluta reivindicada pela generalidade dos editorialistas e comentadores em relação ao «caso Felgueiras» não é totalmente inconcebível, mas era esperada. Como se sabe, e pelo menos isso acontece nos países e sociedades em que as coisas (em si mesmas) não se resolvem, a palavra substitui sempre os actos. A indignação absoluta substitui quase tudo. É uma questão de adjectivos mesmo quando se indignam contra a «justiça da rua», praticando-a depois nas páginas dos jornais.
||| Coisas inconcebíveis, 1.
A ser verdade o que o Público escreveu ontem e reafirma hoje acerca do «caso Felgueiras», conviria saber quem sabe o quê e quem foi avisado e de quê. Isto pode não ter importância, mas trata-se da confusão deliberada entre partido, Estado e Justiça. Escrevo estas coisas com inicial maiúscula, mas nem sei bem porquê.
Ainda no Público, ver o «Dossier Eurominas».
||| Comparações (o regresso).
Passou-me despercebida aquela tentativa de comparar a «aversão de Salazar» pelos partidos políticos (o que são os eufemismos!) à opinião de Cavaco Silva sobre o sistema partidário, feita por Almeida Santos. É uma iniciativa brilhante e tentadora. Está aberto o caminho para a asneira de fino recorte literário. Tenham medo.
||| A noite, o que é?, 54.
Havia um pátio, gente em redor, um colorido, tudo o que se perdeu ficou lá. Mesmo a felicidade, como um doença de que nunca me livrei. Mesmo aquele cheiro de que até hoje não me libertei. Aquele cheiro indefinido em volta de tudo. As pessoas liam e perguntavam. Procuravam sinais. O maior erro é o de procurar sinais no que se escreve. A infelicidade, às vezes, provoca grandes momentos de alegria. A alegria é uma fenda, uma noite no meio da folhagem. Escreve-se: «Folhagem, aroma, mão, braço, rosto, janela, noite.» E as pessoas não suspeitam que o sofrimento deixou de ser apenas uma espécie de metáfora mas que nunca se esquece essa imagem, as folhas das árvores vistas da janela. O grande mal que a literatura faz. Escrever é ser o contrário. Escreve-se contra a recordação, contra os sinais, contra as marcas; é a única honestidade, a única saída.
||| A idade & André Gide.
Caro José: obrigado pela citação de Gide. É muito boa. Eu gosto de velhos. Tenho medo da sua imensa sabedoria — porque é imensa, provocadora — e aprecio-a. Acho que é um bem indiscutível. As sociedades ocidentais esquecem os seus velhos, endeusam «a juventude», que é um estado ligeiramente flutuante e representa um mercado fabuloso, fácil e vulnerável. Mas a verdade é que este Ocidente despreza os velhos, abandona-os. Mesmo quando querem elogiar um velho salientam, antes de mais, a sua «juventude». Nelson Rodrigues dizia que a juventude não era propriamente uma idade — mas, antes, uma questão de «falta de idade». Em primeiro lugar, a juventude tem apenas uma vantagem: a idade. O que é, também, a sua grande desvantagem, e por isso deve ser «posta no lugar». A falta de idade permite, aos jovens, dar pulos, erros ortográficos e passar noites em branco. Mas impede-os de apreciar outras coisas. (A categoria mais próxima da «juventude» é a dos velhos gaiteiros: esses, não farão nem uma coisa nem outra. Morrerão de stress.)
Dito isto, deixe-me repetir que (como insisti desde o início) colocar adversativas à candidatura de Mário Soares a partir do dogma da idade é um argumento fraco e, certamente, injusto. Lembro-me sempre de uma entrevista de Álvaro Cunhal na RTP, por volta de 1982 ou 1983; alguém lhe faz uma pergunta sobre «as recentes críticas de António José Saraiva» ao Partido Comunista e Cunhal, com aquela crueldade fria mascarada de aura romântica, diz apenas: «Esse está é velho.» Não acredito que o José M. F. concorde com tudo o que Mário Soares pensa ou afirma, repetidamente, pensar (nem isso é importante) -- mas ambos sabemos que, em nenhuma circunstância diríamos essa frase. Mário Soares é uma referência indiscutível da democracia, evidentemente, e falar da sua idade é condená-lo a bonzo desta República. Precisamente porque, tal como o argumento da «juventude» é escasso, também o da «maturidade» (com a carga excessiva de nulidades que arrasta: «magistério de influência», «experiência», «animal político», «figura incontornável», etc.) parece de pouca utilidade. Eu quero que discutam com Mário Soares ou que apoiem Mário Soares sem veneração pela sua idade ou sem lhe desaprovarem a audácia e o atrevimento da idade. Porque, naturalmente, quem vai à guerra, dá e leva. Não há cerimónia; nem venham, depois, pedir respeitinho.
O que exactamente estava em causa na nossa discussão (e na qual entravam também o Paulo Gorjão e o João Gonçalves) era Soares como venerável figura, ligeiramente acima de todas as críticas. O que o José escreveu foi o seguinte: o centro (no caso, o João e o Paulo, por exemplo) não deve criticar Soares porque a figura de Soares é de tal forma avassaladora que não é Soares que perde o centro mas, sim, o centro a perder Mário Soares. Ou seja: se o centro criticar Soares vai ficar sozinho, coitado, enquanto Soares faz a sua inevitável marcha triunfal (o seu passeio pela avenida). Foi a isso que eu chamei optimismo político e, portanto, fé em excesso. Mas, enfim, é uma ideia.
22 setembro, 2005
||| Revista de blogs: Conselhos.
«Dá-te com gente séria. Gente da tua faculdade. Gente que fode por dinheiro, e que casa para arranjar emprego.»
{No Sem Wonderbra.}
Crise passional.
Sem sentimentalismos (meus), sem muita pena ou comiseração pelo «velho PT» brasileiro, há pontos muito razoáveis nesta crónica de Villas-Boas Correia, «Crônica de uma crise passional».
||| Sim, foi uma pena.
O Prémio Jabuti atribuído, no Brasil, a Nelida Piñon -- por Vozes do Deserto (na Record). Chato, hein?
Bom, mas atribuir um jabutizinho (segundo lugar) na categoria de contos & crónicas ao Frei Betto, só por muito, mas mesmo muito descaramento. Hein?
||| Notícias do front.
Severino Cavalcanti segue os passos de Lula: ameaça ao ver a hora da saída. Lula não saiu, mas Severino já está fora.
Daniel Dantas, o banqueiro do Opportunity, lá menciona a Portugal Telecom. E tem a história deliciosa do filho de Lula, cujo preço até a Brasil Telecom achou demasiado alto -- a Telemar aceitou.
||| Optimismo histórico.
Meu caro José M. F.: esse optimismo parece-me, sem ironia, pertencer ao domínio da fé. O José já tinha dito que as críticas dos moderados a Soares eram prejudiciais para os moderados (porque assim o centro perdia Mário Soares, e nunca o contrário), mas esta ideia de que o destino da humanidade passa, na sua fase derradeira, pelo triunfo da virtude soarista contra a perversão cavaquista, serve, vamos e venhamos, para discutir daqui a seis meses.
21 setembro, 2005
||| A noite, o que é?, 53.
Há um código conhecido: acordar de madrugada. Cheiros. Uma janela aberta perto do mar, das árvores. Escrever para catalogar o mundo, diante de muros entreabertos. Acordar de madrugada para cozinhar, beber água, passear pela casa. Quando se acorda de madrugada há um código impresso nos dedos, no coração, na vida dos outros. Deixamos uma marca, ouvimos uma música. Deixamos um rasto.
||| A noite, o que é?, 52.
Uma casa onde os amigos chegavam e havia comida na mesa, nos armários; cerveja, água, café, o aroma do café, árvores, gente que passa na rua, um baralho de cartas, ruído dos aviões, poemaas de Cecília Meireles. Nunca estamos preparados para as grandes recordações. Aquelas que mudaram a nossa vida, ou apenas aquelas que a nossa vida foi capaz de mudar.
||| Religião aberta.
Depois de ter lançado a colecção Ciência Aberta há muitos anos, a Gradiva lança a Religião Aberta. O segundo volume é uma pequena preciosidade, de Danièle Hervieu-Léger, O Peregrino e o Convertido.
||| Arquivos.
A partir de amanhã os arquivos do Aviz estarão fora do ar.
||| Ela despedia-se da vida.
Ela despedia-se da vida, era a Páscoa. Melhor: as urzes
floridas ainda, sobrevivendo – um vento, as matérias
do medo, colinas de pinheiros, alegorias, orações.
Minha tia. Aconchegou-se ao casaco de lã e sorriu.
Procurámos a água da serra, uma fonte no meio da pedra,
o silêncio no meio da tarde, eu sabia que ela se despedia
da vida, das urzes, da serra que mais se inclinava
sobre o que amou: os rios, os lagos, os livros, a comida.
Minha tia. Não a morte, mas a luz, entrara pela porta
da Páscoa. A estrada de Montalegre coberta de geada,
tímidos açudes como na poesia clássica – eu gostaria
de ser outra coisa, na verdade, evitar a morte sem adorno
e sem a presença de Deus. Falaríamos de coisas vagas,
riscos de sombra, cinza das nuvens, as ervas do rio,
os nomes familiares. A ferida alastra, chamando a morte,
cruel, como se Deus tivesse dois nomes diferentes.
20 setembro, 2005
||| A noite, o que é?, 51.
Quando voltar a escrever sobre a noite é porque alguma coisa mudou em mim, ou alguma coisa regressou, ou alguma coisa aconteceu. Geralmente, isso não tem explicação. As pessoas liam o que eu escrevia e procuravam um sinal. Eu dizia: «As coisas não têm sentido, não têm explicação. O que se escreve não tem sentido, ou só tem sentido muito depois, organizados os restos, o que sobrou, o que ficou para lembrar.» Voltar a escrever sobre a noite. Sobre os ruídos, as formas, a folhagem que se via pela janela, os livros acumulados na mesa, os diálogos curtos. Uma forma qualquer de dedicação, de heroísmo.
||| A noite, o que é?, 50.
É de noite que as coisas vêm. As recordações, a folhagem rente aos muros, as obsessões, o ruído dos bichos, animais nocturnos. As coisas vêm. Nem é fácil nem é difícil. Apenas o que são: aromas, frutos, coisas perdidas e sem nome, despedaçadas, intensas, formidáveis, versos em prosa, diálogos, palavras cruzadas. Eu digo que as coisas vêm, mas não é verdade; são apenas marcas na pele, hábitos, nomes, enumerações. Não são memórias, sequer. São feridas, rumores, mais enumerações ainda, como resumos da vida inteira e que, com o passar do tempo, se podem transformar num pesadelo. Estou numa varanda, sentado, olho em frente: é um exercício de ficção rudimentar; o que vem à memória às vezes são coisas que não devia recordar, vindas do fundo da noite, quando a noite não tinha esta ordem, nem outra, nem nenhuma. E era só noite. Amável. Amável noite, amável sotaque, amável língua desconhecida, incerteza. Livros de palavras cruzadas comprados em papelarias de aeroporto, em quiosques de bairro.
||| Adeus.
A Simon Wiesenthal, consciência da shoah. Obrigado.
17 setembro, 2005
||| Era bem feito.
Se, depois das várias recusas que protagonizou (candidato, ministro, etc., etc.), António Vitorino aceitasse funções na candidatura de Soares (e depois do que Soares sugeriu sobre Vitorino), seria o fim de uma época (e de uma tradição). Mas Vitorino foi fiel a si próprio: não aceitou. Qualquer um via que eram ligações a mais. Quer dizer: até Vitorino percebeu. Para Soares não era demais.
(Actualizado)
||| Referendo.
Todos sabemos que é necessário resolver a questão. Mas quase todos nós suspeitamos que a realização do referendo sobre a despenalização do aborto no final de Novembro é impossível -- ou excessiva, dado o calendário eleitoral. A menos que seja apenas uma etapa a caminho de Janeiro e das presidenciais.
16 setembro, 2005
||| Humilhados & ofendidos.
A ideia, só a simples ideia, de que Carrilho exige um pedido de desculpas a Carmona Rodrigues é das mais reconfortantes e cómicas do fim-de-semana.
||| Visto de fora.
É curioso como mesmo na área governamental começa a haver reparos às nomeações políticas para cargos e funções não políticas.
||| Cavaco.
«Tenham medo, muito medo.» O artigo no JN.
P.S. - Mais uma vez, obrigado ao Paulo Gorjão, por ter escrito isto.
||| Teclas.
Pensavam que eu estava a brincar? Durante dois dias faltaram no meu computador as teclas «3», «e», «d» e «c». De modo que tenho assuntos em atraso.
|||Basicamente.
Na verdade, Guilherme Oliveira Martins é insuspeito. Rigoroso, será rigoroso. Não fará favores ao governo, sendo da área do PS? É pouco provável. Mas há uma questão de princípio que a nomeação de Guilherme Oliveira Martins para o Tribunal de Contas pode ferir: o da independência absoluta do Tribunal. Não basta que Oliveira Martins seja independente da vontade do governo; é necessário que o governo tivesse feito a nomeação pensando nesse critério de independência.
15 setembro, 2005
||| Aprende-se.
Aprende-se a escrever por cifras quando se torna necessário. Quando faltam teclas no computador ou quando faltam coisas na vida toda.
14 setembro, 2005
||| Balanço de intempérie.
# Há uma interrogação sem fim: até onde Lula levará o seu autismo e a sua hipocrisia? Agora, é Aldo Rebelo, seu ex-ministro (da Coordenação Política), do PC do B, que confirma que o presidente fora avisado sobre o mensalão. Que foi avisado diante de outros ministros e líderes do PT.
# Severino Cavalcanti, presidente da Câmara de Deputados, por um fio, mas com futuro assegurado. (Com este pormenor delicioso)
||| Baía de Glasgow.
«Oh, funestas luzes de Glasgow, frias,/Distantes da terra e da alegria.» Para bom entendedor.
12 setembro, 2005
||| Música.
Disseram-me que o Benfica já tem uma obra sinfónica própria e composta por Victorino d' Almeida. Todos os grandes clubes têm isso. Mozart foi convidado pelo Casino Salzburg; Mahler escreveu uma sinfonia para o Rapid Viena; Sibelius, desconcertado com o futebol finlandês, atravessou o canal e entregou a partitura da sua sinfonia aos suecos do Malmö. Liszt, por exemplo, que era adepto do Ferencvaros, lá escreveu o seu poema sinfónico, tal como Brahms, cuja primeira sinfonia é, aliás, conhecida entre os íntimos como «a do Werder Bremen», para não mencionar Villa-Lobos, cuja paixão pelo Fluminense o levou a compor uma peça em honra do «pó de arroz». Por que razão o Benfica não podia ter a sua obra sinfónica?
||| Problemas.
Será que isto só acontece no meu computador? Estou há quatro dias sem poder ver o blog. Blank. Blank absoluto. Alguém me explica?
09 setembro, 2005
||| Sondagens.
Lidas as sondagens onde elas devem ser lidas, chegamos à conclusão de que estamos em Setembro e de que as presidenciais são em Janeiro.
Mas, por outro lado, não está um ventinho tão favorável como isso para os salvadores da Pátria.
08 setembro, 2005
||| Anatomia.
Alguns leitores, nos comentários, dizem que de vez em quando escrevo muito confuso. Admito que seja. É o luxo que posso ter num blog.
||| Tróia.
Admito que seja um acontecimento importantíssimo. Eu, que sou fanático de Tróia. Mas, acompanhando a emissão-especial-demolição na Sic Notícias, há aqui um exagero, não?
07 setembro, 2005
||| Revista de blogs: paixão.
«Hoje percebi que só se consegue acabar com um blog quando já se está apaixonado por outro. É o caso.»
{No Sotto Voce, «o blog que preferia ser um Steinway», um blog que dá vontade de ouvir música».}
||| Esquecia-me de dizer.
Que nunca julguei possível alguém inteligente escrever um artigo tão pouco inteligente como o de Fernando Rosas no Público de hoje.
||| Livros escolares.
Tal como os incêndios, os livros escolares. Só se fala do assunto quando chega o início do ano lectivo e, na verdade, como sabem os professores (e não sabem os pais), devia falar-se do assunto logo em Março. Além do problema do preço há outros: a sua qualidade (aspectos científicos e ortografia incluídos), a homologação, o sistema que leva editoras a apostar no escuro e a ter de rendibilizar o investimento, a «angariação de clientes», aspectos pedagógicos relevantes (como, por exemplo, escrever nos manuais -- o que, além do mais, os inutiliza para anos futuros), aspectos técnicos nada dispiciendos (já alguém pensou que os livros são tão caros porque têm aquele aspecto gráfico, aquele papel pesado e outras manigâncias provavelmente desnecessárias?). Por exemplo.
(Ver, entretanto, esta notícia.)
||| Mais estrangeiros.
A conveniência estratégica: um grupo de editores está preocupado com a entrada de estrangeiros na área do livro escolar. Ainda não percebi bem porquê.
||| Chuva.
Chove em Lisboa. Ainda não aquela chuva como no princípio da Mazurca para Dos Muertos, de Cela. Mas era essa que apetecia. Chuva que lavasse as ruas, as paredes. Que levasse a poeira que não foi arrastada pelo vento. Que molhasse os vidros. Que demorasse por quinze dias. Há aqui um pouco daquele romantismo de Outono, sim, mas eu não quero ter saudades do Verão. Quase nunca me importo de ter Verão, embora aquele primeiro frio de Outubro me comova. A primeira chuva é fraca. É uma barreira contra a tempestade que não veio.
||| Debate sobre a «conveniência estratégica» da venda da TVI a espanhóis.
Nos comentários ao post Capital estrangeiro há algumas posições a debater.
# «A estrangeirização da TVI fará com que o nível qualitativo da televisão portuguesa suba uns pontos.»
# «O problema não é ser capital estrangeiro, é ser "capital" espanhol. Os países pequenos têm de se proteger das tendências económicas e culturais hegemónicas dos seus vizinhos. Até o Canadá faz o mesmo com os EUA. [...] Lembre-se que o pior "imperialismo" é sempre o mais próximo. Portanto, venda por venda, prefiro que seja a RTL a ficar com a TVI. Porque a Alemanha não exerce a pressão económica e cultural que a Espanha exerce sobre Portugal.»
# «O que tem o estado a ver com o que dois privados desejam fazer com as suas empresas?»
# «Pior que o capital estrangeiro é a falta de imaginação nacional.»
# «Este negócio foi instigado pelo governo socialista. Por vontade do PS a Lusomundo Media teria sido vendida à Prisa, mas como a venda foi deliberada no tempo de Santana Lopes, não tiveram hipótese. O mais que puderam fazer foi congelar a compra da Lusomundo Media pela Controlinveste, até encontrarem a solução Media Capital. Na mesma semana em que foi anunciada a venda da Media Capital à Prisa, a Autoridade para a Concorrência autorizou a compra da Lusomundo Media pela Controlinveste, após meses de "espera". Que coincidência tão conveniente...»
# «Se vier o capital espanhol, isso quer dizer que vamos ter a Moura Guedes outra vez vestida de bailarina de flamenco, como naquele programa de aniversário da TVI?»
||| Galeria de Horrores/2.
||| Galeria de Horrores/1.
05 setembro, 2005
|||Surpresas.
Depois do Dias com Árvores, o Cidade Surpreendente. O Porto.
||| Capital estrangeiro.
A ideia de que o capital estrangeiro vem amordaçar a pobre da TVI e os restos de honra da Pátria é muito fraquinha. Lembra o pior do nacionalismo pobretanas que impede estrangeiros de serem proprietários de jornais e televisões (no Brasil, por exemplo, serviu para calar Samuel Wainer). Começar por aí é triste.
||| Sócrates.
Sim, há aqui um risco: o de Sócrates ser desvalorizado com o aparecimento de Soares. O ex-presidente tratou de identificar o deserto à sua volta. Sócrates já fez parte dele (as declarações de Soares não enganam), como um elemento desprezível.
||| ||| Optimismo, 4.
Ser optimista é um desafio pessoal. Os têxteis chineses são responsáveis pelo desemprego na Covilhã? Jesus Cristo era mais optimista porque não sabia de finanças (ou porque não tinha biblioteca)? Uma pessoa chega à farmácia e pede um anti-depressivo «Mário Soares»? O facto de as respostas serem complexas não arruína o optimismo dos pessimistas. Mas espalha o descalabro à porta dos que têm saudades da agitação permanente.
||| Optimismo, 3.
Vida simples, somos incapazes. Queremos ser suecos sem a dificuldade de sermos suecos (e para quê sermos suecos se temos Verão durante mais tempo?), queremos ser alemães sem a dificuldade de sermos alemães (e para quê sermos alemães se não é necessário ler Goethe no original para se ser feliz?). Há uma imagem de glamour permanente de que não nos desabituamos: festa aqui, comemoração ali, vitória ontem, vitória hoje, inauguração de uma ponte, festival de optimismo, somos bons e somos capazes. O excesso dos anos oitenta provocou esta míngua e a necessidade de alimentar permanentemente a sede de glória. Mas há outra glória desconhecida: gestos simples, mercearias, praia, caminhadas, trabalho regular, serões televisivos, leituras, esplanadas, prémios para os que arriscam. O Katrina vem quando menos se espera e nunca estamos preparados.
||| Optimismo, 2.
A ideia de termos um candidato à Presidência que vai eleger o pessimismo e a falta de auto-estima como inimigos centrais é estranha. O presidente actual lutou contra o pessimismo, a cepa-torta e a falta de auto-estima. Como se alguém dissesse: eu dou-te mimos, eu digo-te que estás a portar-te bem, eu castigo os economistas (essa gente ridícula que anda sempre com calculadora na mão, a mostrar-te o que já sabes mas não te alegra), eu mostro-te que a selecção ganhou ao Luxemburgo e vai ganhar à Rússia e que os nossos cientistas são bons e fazem boas descobertas. Mas isso nós sabemos: vem nos jornais. O problema da auto-estima acabava-se se houvesse dinheiro a circular, como se sabe. A questão é que o dinheiro vem de algum lado.
||| Optimismo.
Há questões que voltam, periodicamente, a abalar o nosso optimismo. Uma delas é a «questão do optimismo». Em vulgata, a auto-estima e, mais vulgata ainda, o pensamento positivo. Hoje, por exemplo, o Museu de Arte Antiga estava fechado e havia mais luz por perto, diante do Tejo. Foi uma imagem bastante positiva, apesar de tudo.
||| Severino, Gabeira, mensalão e o que todos sabiam.
Neste blog pode acompanhar algumas interrogações sobre a crise:
«Quando Severino assumiu a Câmara, declarou em entrevista publicada na Folha de S. Paulo que os deputados não trabalhariam direito sem receber uma verba por fora. Disse que era "algo em torno de R$ 20, 30 mil". Isso foi em fevereiro. Todos sabiam o que estava acontecendo, mas esfriaram o assunto por uma questão de agenda.»
04 setembro, 2005
||| Brasília, mais. [Actualizado]
Por exemplo, se houvesse impeachment de Lula e se o vice José Alencar (que, entretanto abandonou o seu Partido Liberal) não pudesse assumir por razões de saúde, como se prevê, então a presidência cairia nas mãos de um dos mais dilectos filhos de Sucupira, o presidente pernambucano da Câmara de Deputados, Severino Calvalcanti. Seria uma passagem de pernambucano a pernambucano. Difícil encontrar melhor. Mas acontece que talvez não possa acontecer: Cavalcanti, que Lula condecorou na semana passada (tudo te acontece, Lula!, mas é bem feito -- um pernambucano condecora outro pernambucano), foi acusado de corrupção por um empresário local. Difícil encontrar melhor.
# Eles vão fazer tudo para que haja pizza.
# Lula, o relativista: «Cassarem o Professor Luizinho por causa de R$ 20 mil?», disse o presidente. Esta frase é hoje citada pela Folha.
Mais leitura: # Quais as razões para não haver um processo contra Lula? # Por que razão Lula precisa de «entregar» Dirceu? #
# Oposição reúne para pedir o afastamento de Severino: o sucessor de Severino Cavalcanti poderá ser o deputado José Thomaz Nonô (do PFL, de Alagoas). Imagina.
||| Coisa de homens.
No restaurante, pai e mãe trazem a filha e o energúmeno. O energúmeno é o filho, oito ou nove anos. Digamos dez. O energúmeno frequenta um clube de futebol e, ao jantar, conta entusiasmado as aventuras da semana no balneário e no campo de jogos. E de como perderam o jogo com uma equipa vizinha. «O mister não percebe nada daquilo. E quando me mandou substituir mandei-o levar no cu.» Ri. O pai ri. A mãe diz que ele não pode dizer palavrões e não pode portar-se assim. O pai vem em defesa do energúmeno: «Isto são coisas de homem, é futebol. Querias que ele andasse no futebol e fosse um merdas?»
||| Uma alface.
Lamento informar, mas a melhor alface que já comi, tirando as que eram cultivadas pelo meu avô, no Douro, foi esta em Viseu. Nos arredores de Viseu. Durante meia-hora fui um «saladívoro». Acabei por perguntar se tinham mais alface daquela. Sim, que vinha de uma horta. Pois que viesse. Uma vergonha.
02 setembro, 2005
||| Averiguações.
Curioso. Estas informações do DN de hoje circulavam há uns tempos. Mas aguardam-se notícias sobre outros inquilinos dos mesmos edifícios de São Paulo.
||| César Maia.
Este é o link do blog de César Maia, o prefeito do Rio de Janeiro, que desmentiu Palocci em directo, quando este prestava declarações sobre o mensalão de Ribeirão Preto.
||| Brasília, ponto da situação.
# Chefe de gabinete de Antonio Palocci, ministro da Fazenda, pede a demissão depois de depoimento na CPI dos bingos. Entretanto, Palocci continua sem desmentir as acusações da Veja.
# Ligações portuguesas no depoimento de Buratti, o assessor de Palocci em Ribeirão Preto. E outras investigações portuguesas.
# CPIs pedem a cassação do mandato de 18 deputados.
# Comissão de Ética aprova pedido de cassação de Jefferson.
# Irmão de Celso Daniel envolve assessor de Lula. Celso Daniel era prefeito petista de Santo André e foi assassinado durante a campanha de Lula. O médico-legista responsável pela autópsia declara que o relatório oficial, das autoridades locais, é falso (e que Celso Daniel foi torturado antes de ser assassinado). A suspeita é de que o prefeito tinha descoberto o esquema de desvio de dinheiro para o partido. Pode ainda ser reaberta a investigação de outro homicídio, o de Toninho do PT, prefeito de Campinas -- com contornos idênticos.
||| É essa a questão.
«Eu era chefe da Casa Civil, não era deputado, não era tesoureiro do PT. Como o chefe da Casa Civil poderia administrar o PT?» [José Dirceu, ex-ministro, chefe da Casa Civil de Lula, numa entrevista ontem à noite.]
Entretanto, é a Polícia Federal (que os habituais crentes em Nossa Senhora da Aparecida e na Pirassununga diziam nada ter apurado contra a quadrilha) que afirma ter elementos para indiciar alguns do suspeitos. Genoíno, o ex-presidente do PT chegado de Sucupira e vestindo a pele do prefeito Paraguassu, recusa a ideia, dizendo que é «açodada, prematura e espetaculosa qualquer cogitação sobre indiciamento». Este homem destrói o dicionário em dois tempos. Ou seja, se Genoíno é Odorico Paraguassu, José Dirceu é o ingénuo Dirceu Borboleta.
||| Histórias de amor.
Às seis da manhã, a rua foi ocupada pela polícia. Dois carros bloquearam os passeios, ali a dois passos do Tejo. Oito agentes saem a correr e sobem as escadas do prédio até lá cima. Está uma luz clara, azulada, quase bonita. Ela tinha tentado degolá-lo. Ele defendeu-se atacando. A vizinhança tinha outra opinião, havia sexo a mais, chegavam tarde demais, de madrugada, vindos das Janelas Verdes, embriagados, cheios de nuvens na cabeça, se me entendem. Talvez fosse ele a empunhar a faca. Desceram com os agentes, havia sangue. Ela era bonita, ele também. Vinte anos. Pouco mais, se for. Ainda se ouviu uma pergunta, no meio da rua: «Levas o iPod?»
||| O discurso da ética.
O problema da ética, na política, é que é frequentemente atraiçoada pela necessidade.
01 setembro, 2005
||| Cultura, aí vou eu
Preparem-se. A cultura está aí a bater à porta e a preparar-se para o beija-mão. São as presidenciais. Soares será o candidato da cultura, dos artistas, dos intelectuais, do pessoal cosmopolita, dos universitários. Suponho que Cavaco, se avançar, arregimentará apenas o que sobrar dos jogos florais. Ah, o Portugal da Cultura já está em bicos de pés. Preparem-se para mais uma lavagem, se ainda tiverem paciência.
||| O centro.
Caro José: voltei várias vezes atrás para ler a sua formulação. Se bem compreendo, com algum exagero, admito, se pessoas como o João Gonçalves ou o Paulo Gorjão fazem críticas (mesmo que «ásperas») à recandidatura de Mário Soares, estão a aniquilar o centro. Não é Mário Soares que tem de recuperar o centro, portanto, ou de o cativar; mas sim «as pessoas do centro» (como o João e o Paulo) que não podem perder a oportunidade de perder Mário Soares. É isso?
||| Da humilhação.
Mas um dos pormenores desagradáveis dos últimos dias tem sido a constatação de que, afinal, Manuel Alegre não era tão querido da esquerda nem do PS como se fazia crer. Depois do anúncio da candidatura de Mário Soares, Alegre foi visto como um empecilho «sem apoios». Alegre devia, portanto, limitar-se a ser o que «sempre foi»: um apoiante de Soares. E se Soares avança, Alegre devia prestar-lhe vassalagem incontrolada, infinita, inquestionável. Se Alegre se mostra ferido (são questões pessoais, sim, mas mais vale assumi-las claramente), é visto como um ingrato que não sabe reconhecer «o pai da República». Não me parece justo para ambos. A estratégia é transformar Alegre num pequeno peão, um poeta que é preciso defender quando o poder não está em causa, um autor de canções de Adriano Correia de Oliveira que tem algum interesse instrumental -- mas inimputável politicamente e dispensável quando se trata de falar de coisas sérias. E, assim, dar de Soares não a ideia de ser um «pai» mas um «padrinho da República».
Ou seja: sim, Alegre devia reconhecer «o seu lugar». Ele seria «apenas uma extravagância com alguma utilidade».
||| Sobre o homem comum.
[Do Outro-Eu, de Carlos Vaz Marques.]
||| Rex Stout. Adormecer em paz (2).
Lucy Langlon já sabe quem é a mãe. Uma desavergonhada, parece. Mas, no final, Nero Wolfe pede quarenta minutos para preparar ovos mexidos. Quarenta minutos. Voltei atrás duas vezes para confirmar.
||| Seca.
Há a seca nos campos, a fotografia da desolação. E a seca nas cidades. Não se fala muito dela, mas acho que é muito mais perigosa. Lisboa está cheia de pó, poeira suja, lixo que apodreceu nos becos, cheiros, luz demasiado branca -- e necessidade de chuva. Uma chuva que limpe, lave, arrefeça as ruas, leve consigo o lixo acumulado nos passeios. Há aí um problema: mal a chuva apareça (e eu queria pelo menos quinze dias de chuva), Lisboa vai contabilizar inundações e desgraças; basta ver como estão entupidas as sarjetas e obstruídas as ruas. As cidades nunca mais aprendem. Tudo isto vai acontecer em plena campanha eleitoral.
||| Evidências.
Primeira, que Alegre seria um bom candidato para a direita intrumental. Seria um candidato fácil de bater. É de outro mundo, fala para um mundo reduzido à sua gramática e ao seu léxico. Seria fácil demais.
Segunda, que a candidatura de Soares faz bem à direita. Daqui em diante, os meninos deixarão de se limitar a discutir estratégia e a fazer contabilidade; talvez passem a pensar mais e a não ver Cavaco como o resíduo que vem salvar as almas. Uma vitória de Soares seria desastrosa para Sócrates a médio prazo, com certeza. Mas seria uma lição definitiva para a direita, que também anda a merecê-la.