23 setembro, 2005

||| A idade & André Gide.
Caro José: obrigado pela citação de Gide. É muito boa. Eu gosto de velhos. Tenho medo da sua imensa sabedoria — porque é imensa, provocadora — e aprecio-a. Acho que é um bem indiscutível. As sociedades ocidentais esquecem os seus velhos, endeusam «a juventude», que é um estado ligeiramente flutuante e representa um mercado fabuloso, fácil e vulnerável. Mas a verdade é que este Ocidente despreza os velhos, abandona-os. Mesmo quando querem elogiar um velho salientam, antes de mais, a sua «juventude». Nelson Rodrigues dizia que a juventude não era propriamente uma idade — mas, antes, uma questão de «falta de idade». Em primeiro lugar, a juventude tem apenas uma vantagem: a idade. O que é, também, a sua grande desvantagem, e por isso deve ser «posta no lugar». A falta de idade permite, aos jovens, dar pulos, erros ortográficos e passar noites em branco. Mas impede-os de apreciar outras coisas. (A categoria mais próxima da «juventude» é a dos velhos gaiteiros: esses, não farão nem uma coisa nem outra. Morrerão de stress.)
Dito isto, deixe-me repetir que (como insisti desde o início) colocar adversativas à candidatura de Mário Soares a partir do dogma da idade é um argumento fraco e, certamente, injusto. Lembro-me sempre de uma entrevista de Álvaro Cunhal na RTP, por volta de 1982 ou 1983; alguém lhe faz uma pergunta sobre «as recentes críticas de António José Saraiva» ao Partido Comunista e Cunhal, com aquela crueldade fria mascarada de aura romântica, diz apenas: «Esse está é velho.» Não acredito que o José M. F. concorde com tudo o que Mário Soares pensa ou afirma, repetidamente, pensar (nem isso é importante) -- mas ambos sabemos que, em nenhuma circunstância diríamos essa frase. Mário Soares é uma referência indiscutível da democracia, evidentemente, e falar da sua idade é condená-lo a bonzo desta República. Precisamente porque, tal como o argumento da «juventude» é escasso, também o da «maturidade» (com a carga excessiva de nulidades que arrasta: «magistério de influência», «experiência», «animal político», «figura incontornável», etc.) parece de pouca utilidade. Eu quero que discutam com Mário Soares ou que apoiem Mário Soares sem veneração pela sua idade ou sem lhe desaprovarem a audácia e o atrevimento da idade. Porque, naturalmente, quem vai à guerra, dá e leva. Não há cerimónia; nem venham, depois, pedir respeitinho.
O que exactamente estava em causa na nossa discussão (e na qual entravam também o Paulo Gorjão e o João Gonçalves) era Soares como venerável figura, ligeiramente acima de todas as críticas. O que o José escreveu foi o seguinte: o centro (no caso, o João e o Paulo, por exemplo) não deve criticar Soares porque a figura de Soares é de tal forma avassaladora que não é Soares que perde o centro mas, sim, o centro a perder Mário Soares. Ou seja: se o centro criticar Soares vai ficar sozinho, coitado, enquanto Soares faz a sua inevitável marcha triunfal (o seu passeio pela avenida). Foi a isso que eu chamei optimismo político e, portanto, fé em excesso. Mas, enfim, é uma ideia.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A velhice assusta... Para não assustar é preciso a sabedoria da idade, e ela - pela natureza das coisas - está ausente daqueles com "falta de idade", quando não mesmo daqueles "sem falta de idade".
A velhice assusta...mesmo aqueles que gostam de velhos. ;)

Ex-anónima

11:49 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro Francisco:
Só falta no seu texto referir que quem levantou a questão da idade de Mário Soares foram os seus adversários.

12:17 da manhã  

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