21 setembro, 2005

||| Ela despedia-se da vida.













Ela despedia-se da vida, era a Páscoa. Melhor: as urzes
floridas ainda, sobrevivendo – um vento, as matérias
do medo, colinas de pinheiros, alegorias, orações.
Minha tia. Aconchegou-se ao casaco de lã e sorriu.

Procurámos a água da serra, uma fonte no meio da pedra,
o silêncio no meio da tarde, eu sabia que ela se despedia
da vida, das urzes, da serra que mais se inclinava
sobre o que amou: os rios, os lagos, os livros, a comida.

Minha tia. Não a morte, mas a luz, entrara pela porta
da Páscoa. A estrada de Montalegre coberta de geada,
tímidos açudes como na poesia clássica – eu gostaria
de ser outra coisa, na verdade, evitar a morte sem adorno

e sem a presença de Deus. Falaríamos de coisas vagas,
riscos de sombra, cinza das nuvens, as ervas do rio,
os nomes familiares. A ferida alastra, chamando a morte,
cruel, como se Deus tivesse dois nomes diferentes.

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