23 setembro, 2005

||| A noite, o que é?, 54.
Havia um pátio, gente em redor, um colorido, tudo o que se perdeu ficou lá. Mesmo a felicidade, como um doença de que nunca me livrei. Mesmo aquele cheiro de que até hoje não me libertei. Aquele cheiro indefinido em volta de tudo. As pessoas liam e perguntavam. Procuravam sinais. O maior erro é o de procurar sinais no que se escreve. A infelicidade, às vezes, provoca grandes momentos de alegria. A alegria é uma fenda, uma noite no meio da folhagem. Escreve-se: «Folhagem, aroma, mão, braço, rosto, janela, noite.» E as pessoas não suspeitam que o sofrimento deixou de ser apenas uma espécie de metáfora mas que nunca se esquece essa imagem, as folhas das árvores vistas da janela. O grande mal que a literatura faz. Escrever é ser o contrário. Escreve-se contra a recordação, contra os sinais, contra as marcas; é a única honestidade, a única saída.

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"A infelicidade, às vezes, provoca grandes momentos de alegria", ou como a fragilidade nos permite sentir a beleza das coisas insignificantes, ou como medo que desaparece porque se transformou em dor real (e não antecipada) nos liberta.

Ex-anónima

2:20 da manhã  
Blogger Rui MCB said...

As palavras estão lá, guardadas, catalogadas, a sua presença ocupa espaço, sente-se-lhes o peso. No entanto estão isoladas, desarticuladas, esperando em fileiras como peões. Serão palavras?
Dizem-se entre dois fôlegos mas não se distinguem do ritmo involuntário dos pulmões. É preciso escrevê-las ou ouvi-las. É então que a escrita, ou esta outra fala, se apresenta como única saída. Saída de uma noite negra, inexorável, feita de tempo mas sem memória. Uma noite que nos atrai como um sono sem sonho, da qual não se desperta, nem para morrer.

Há uma outra noite que disputa o nosso tempo, que seduz pelo enfeite das estrelas e pelo chilrear tímido dos primeiros pardais na madrugada. Não é possível evitar esta noite, não é possível esquecê-la, mas é possível não a descobrir.
Lá chegando têm sorte os que dela se enamoram como a lágrima pela chuva. Apenas nesta noite se esquece, apenas nesta noite se (re)vive. A noite que nos surpreende como um agasalho leve no fim do dia, que nos cuida dos olhos cansados, que nos embala rumo à madrugada com um aconchego maternal. Apenas na noite tudo pode ser novo, outra vez. O cheiro que nos transporta para outras noites de palavras ou silêncios; a voz que nunca ouvimos tão bela; a brisa fresca que ficou perdida no frenesim do dia.

Nem as palavras fazem da noite aquilo que ela não é, mas é também por elas que melhor erramos pelas noites que sonhamos.

2:43 da manhã  
Blogger João Pedro said...

Caro Francisco, só uma pergunta: não acha que "A Origem..." é a continuação perfeita e linear do Aviz? Se sim, porque é que muou de blog, e, pior do que isso, lhes destruiu as memórias?

3:32 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

bonito.

3:34 da manhã  
Blogger F said...

Caro João Pedro: acho que pode ser a continuação (we have no more... ); e acho que há coisas que terminam a sua vida, que encerram um ciclo. Até os nomes precisamos de mudar, de vez em quando.

3:59 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: “La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos”.

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces, ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Como no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta de haberla perdido.

Aunque ésta sea el último dolor que ella me causa,
y éstos los últimos versos que yo le escribo

Pablo Neruda

6:55 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Cada noite é uma noite única. Esta noite única é o amplo sorriso do meu acordar, sem um despertador maquiavélico a espicaçar-me os olhos e a aurora matinal.
Esta noite é a primeira noite da minha liberdade semanal.
Porque amanhã é sábado!...
Rafaela Plácido

10:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

é dormir, como uma pedrinha, e ao acordar, dar graças por se sentir a vida. mas porque será que os poetas complicam tudo???????????
fátima

6:47 da tarde  
Blogger K. said...

A única saída...

10:10 da tarde  

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