07 fevereiro, 2006

||| Uma nota pequena, 2.
O Eduardo Pitta pergunta: «Afinal, acreditamos ou não acreditamos no direito à liberdade de expressão?» Era essa a pergunta que eu tinha feito. Vamos lá: o que é que está em causa? Uma série de cartoons. Os cartoons têm qualidade? Não me interessa saber. Os jornais ingleses e americanos publicaram os cartoons? Tanto me faz; eu não os publicaria por princípio, mas, se está em causa a liberdade de expressão, eu publicá-los-ia, sim, para que não julguem que podem demolir a minha liberdade (e a dos outros) como demoliram os Budas de Bamiyan. Os cartoons são ofensivos? Não me parece, acho-os um tanto naïves; mas se alguém acha que são ofensivos, que o diga. Isto trará prejuízos à economia dinamarquesa e, por arrastamento, europeia? Sim; é talvez a altura de a economia política europeia declarar, com simplicidade, que está dependente do petróleo, como a administração americana já o fez (com o Vaticano atrás, que aproveita a boleia do Islão para se queixar de alguns atrevimentos de que tem sido alvo) , aliás, tendo vindo a condenar os cartoons, de rabinho entre as pernas e dedo moralizador espetado. Mas, afinal, entre nós, que somos irresponsáveis (é assim que José Sócrates e os bispos nos vêem), «acreditamos ou não acreditamos no direito à liberdade de expressão?» Era essa a pergunta que eu fiz; é essa a pergunta que tu fazes. É essa a pergunta que o Osvaldo Silvestre faz; é essa a pergunta que o Gustavo Rubim deixa no seu texto. É isto insensato, como sugere e afirma (são tempos diferentes) o Osvaldo Silvestre? É. Devemos deixar de o dizer? Não.

O Osvaldo Silvestre chama a atenção para um texto de M. Yiossuf Adamgy, publicado no Público («A liberdade de expressão deve ter limites»). O director da Al-Furqan, defendeu, há dois anos, na Antena Um, a aplicação da lei islâmica e a lapidação de Amina. É ele que aparece neste momento a dizer que «a liberdade de expressão deve ter limites». Tudo muito parecido com este cartoon. Não há maior insensatez (uso a palavra no seu sentido estratégico) do que ceder neste capítulo: no da dignidade.

Outra coisa: é evidente que não há muita gente «entre nós» (os irresponsáveis) a querer fazer cartoons com a vida sexual da rainha da Dinamarca. Chama-se bom-senso. Mas se queres coleccionar a quantidade de cartoons publicados na imprensa árabe e ocidental que facilmente poderia ser considerada «ofensiva», eu peço meças.

6 Comments:

Blogger luisnaves said...

Discordo desta opinião. O caso das caricaturas nunca foi do domínio da liberdade de expressão, mas sim do terreno político, puro e duro, ainda por cima dinamarquês. Sou jornalista e nunca me passaria pela cabeça publicar as caricaturas, pois sei que elas seriam sempre vistas como provocação. Não existe nenhum problema de liberdade de expressão na dinamarca, nem é isso que está em causa. Também acho que quem publicou as caricaturas foi, de facto, irresponsável, pois certamente não esperava estas reacções.
com um grande abraço para ti

11:19 da manhã  
Blogger Afonso Azevedo Neves said...

Por mais de uma vez e não será a última escrevi sobre a falta de respeito patente em textos e cartoons sobre as convicções religiosas que partilho com boa parte do mundo. Insurgi-me, berrei e enfureci-me com a gratuitidade e ignorância de algumas dessas peças que pouco mais eram do que ataques, puros e simples.

Os cartoons de Maomé que têm sido tão discutidos caiem na mesma lógica. São pouco mais que isso. Reveladores de muita ignorância e simplismo.

No entanto, é nestas alturas que devemos defender essa mesma liberdade. É fácil, tem sido fácil, defender a liberdade de expressão quando ninguém puxa de uma faca ou uma pistola para reagir ao que sente como ofensa aos seus valores.

A atitude politicamente correcta de vários quadrantes, os mesmos que defendendo noutras condições a liberdade de imprensa mas que, ao mesmo tempo, deploram vivamente as reacções indignadas dos que se sentem ofendidos, parecem agora extremamente sensíveis ao uso dessa mesma liberdade, sensíveis aos seus limites e até certo ponto, procurando no seu exercício a justificação de um tipo de reacções a que não estão acostumados. Ter uma arma apontada à cara muda muita coisa.

É de facto fácil ser um apologista da liberdade quando não se tem de arcar com os perigos inerentes ao exercício da mesma.

11:49 da manhã  
Blogger Nancy Brown said...

voltámos ao tempo do politicamente correcto salazar. uma certa sociedade pode e deverá ser inteligente o suficiente para poder falar e escarnecer, sobretudo...

12:06 da tarde  
Blogger luisnaves said...

caro afonso, tente perceber esta questão de outra forma e esqueça o problema da liberdade de expressão. assisti uma vez a um motim anti-ocidental numa cidade dominada por integristas e o primeiro alvo dos grupos de agitadores foi a destruição dos cinemas da cidade, que passavam filmes indianos e americanos aparentemente inócuos e certamente censurados de qualquer cena que pudesse exceder os limites. sabe qual era a ideia mais subversiva (do ponto de vista daquela sociedade)? O amor romântico e o casamento por paixão. Eram ideias devastadoras para aquela sociedade patriarcal, baseada em famílias extensas, que necessitam de casamentos planeados para manterem a sua estabilidade. A publicação das caricaturas apenas confirma o que eles pensam de nós, que somos uns hipócritas sem valores, que os oprimimos economica e culturalmente, ao mesmo tempo que desprezamos os valores deles (que eles acham serem muito superiores aos nossos)

12:59 da tarde  
Blogger Afonso Azevedo Neves said...

Caro Luís Naves,

Não percebo o seu convite.
Acha realmente que não é uma questão de liberdade de expressão, em termos gerais, ou de imprensa, neste caso?
A opinião dos muçulmanos mais radicais podem não estar ao abrigo de uma liberdade de expressão do seu país mas cabem na do meu. Ela não exclui ninguém.
Existe uma questão de imagem? Existe, mas não tem relevância se dela não resultam acções que visem diminuir a liberdade de terceiros. Fala de uma manifestação para exemplificar esse problema de imagem, note bem que os filmes em causa passavam em cinemas desse país e não cá.
Agora, eu falo-lhe de um deputado kowetiano a explicar que não lhe espanta o ponto a que desceu a civilização europeia. Uma que até permite, em alguns países, a suprema perversão do casamento homossexual e conclui que somos pouco mais que cães e porcos imundos.
É-lhe incompreensível o conceito? É. Essa incompreensão diminui toda uma civilização aos seus olhos? Diminui. Temos de adaptar os nossos valores, incluindo a liberdade de legislar em assuntos tão delicados, para não susceptibilizar outro povo, outra civilização? Não.

5:43 da tarde  
Blogger Luís said...

Francisco,
Há alguns dias que concordo consigo, palavra por palavra. Acho isto um atentado à minha liberdade de opinião.
Abraços

9:55 da manhã  

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