15 fevereiro, 2006

||| Selecta literária.
«Todos os pequenos de Sønderhøj conheciam a fundo homens e mulheres mal humorados e finos, que em nome de Deus carregavam a prerrogativa de dirigi-los e tornar-lhes a vida menos festiva. Em seus mesmos olhares, nos trejeitos de suas expressões, vislumbrava-se aquilo que demarcava as diferenças de nível, o abismo que separava as pessoas. Aqui em cima estamos nós e, lá embaixo, estão vocês, meus pequenos. E ainda mais alto ondulava então Nosso Senhor, que vinha a ser deles, por se encontrarem mais próximos. Cedo aprendias a baixar o olhar e convencer-se da insignificância do que se era. O sentimento de inferioridade roía suas almas como os vermes as maçãs…» [Byens Lys, 1983]

«Não acontece na Dinamarca, não mais, agora. Talvez aconteça na América do Sul, na Sicília, em cidades portuárias da Grécia, no oriente, em Hong Kong, em Singapura, na ilha de Sumatra, em lugares assim, talvez aconteça até mesmo em Marselha e, naturalmente, em Tanger e Casablanca. Aqui e ali nos Estados Unidos poderá eventualmente acontecer, mas de resto: no mundo civilizado, a bem dizer, baniu-se.
Nas maiores das grandes cidades, onde tudo pode acontecer, lá sem dúvida acontece; do contrário, não. na Escandinávia jamais acontece, a não ser que pudesse acontecer em Estocolmo, mas na Dinamarca, não, na Dinamarca há muito superou-se esse tipo de acontecimento. E se, contra todas as probabilidades, ainda assim fosse o caso de indicar um lugar onde teoricamente pudesse vir a acontecer, naturalmente teria de ser em Copenhague (que é uma espécie, sabe-se, de grande cidade), em sua zona portuária, em Norrebro ou - mais provavelmente - em Vesterbro.» [Freud, Jung og de andre, 1978]

De Peter Poulsen (escritor dinamarquês nascido em Frederiksberg, 1940)
Tradução (para o português do Brasil) de Per Johns