26 dezembro, 2005

||| Balanço, 5.
Quando pensei escrever a tese, esse momento lancinante e na altura dramático (jovens assistentes perdidas entre Xanax e cachecóis, embrulhadas em fichas, caminhando com solenidade entre aulas, ou mestrandos aplicados onde sempre havia os melhores -- os mais irónicos, os mais soezes, os mais verrinosos, os talentosos que sabiam que Camilo era melhor do que a discussão sobre a natureza do romance e que Machado era superior à lamechice sobre o realismo)*, escolhi uma coisa grandiloquente. Só podia ser assim. O meu orientador vivia em Madrid, respirava a noite de Madrid, conhecia as mais bonitas universitárias de Madrid, o seu carro desfazia-se aos pedaços subindo os passeios, tinha uma biblioteca espantosa sobre literaturas nórdicas -- e tinha escrito, entre outras, uma tese sobre o artigo definido em islandês antigo. Eu ia a Madrid, almoçávamos longamente, até tarde. Falávamos sobre política (ele era trotsquista, mas da facção gastronómica), futebol (ele era madridista) comíamos, eram lições comoventes sobre o Edda, o Havámal, os pequenos versos dos vikings, a geografia do Norte. Percebi que estava perdido.

* Sim, eu acho que os estudos de Abel Barros Baptista são do melhor que há sobre literatura.

1 Comments:

Blogger Girolamo Savonarola said...

Essa da facção gastronómica é fantástica!

4:07 da tarde  

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