||| Onésimo Teotónio de Almeida no Origem das Espécies [As eleições americanas] (republicado)
Dilemas no país dos anões
Caio nas eleições americanas regressadinho de Portugal e ainda cheio das brilhantes críticas e soluções portuguesas ouvidas em longas conversas (mais monólogos que conversas), noites dentro. Entre as inúmeras qualidades dos meus patrícios está essa enorme capacidade de divisar soluções estonteantemente simples para complexos problemas que assolam os outros países. Têm um conhecimento vastíssimo das mais e menos candentes questões da política do mundo. Duma penada propõem remédios que os líderes dos limitados países muito agradeceriam conhecer, se lhes fosse dado terem a dita de saber português e de poderem receber instant messages de tão luminosos estrategos políticos.
Desembarco em Boston e mergulho nos jornais e imagens de TV que me invadem a paz, chego a casa e procuro recuperar o fio dos acontecimentos deixados uma semana antes, e lamento deveras não ter à mão os meus compatriotas que se me quedaram do outro lado do Atlântico. Dar-me-iam jeito. Levá-los-ia à TV como comentadores ou tentaria conseguir-lhes um emprego como assessores dos nabos políticos desta terra de imbecis.
Na verdade, na falta deles, as minhas próprias capacidades de análise estão diminuídas, sinto-me incapaz de pensar e agir. Vou dar um exemplo que me deixa atado, inibido, sem saber como desenvencilhar-me moral e politicamente:
Aqui em Rhode Island, o mais pequeno estado da União, confronto-me com um dilema. Decorre nestes dias uma das mais renhidas disputas de um lugar no Congresso: o senador Lincoln Chafee é republicano e tem a concorrer contra ele um democrata, Sheldon Whitehouse. Chafee é o mais liberal dos republicanos, o único deles a votar no Senado contra a invasão do Iraque, quando o não fizeram colegas seus, democratíssimos, como Hillary Clinton, John Kerry e John Edwards, pilares do Partido Democrata.
A escolha é complicada mas, como nas tragédias gregas, o dilema é simples de expor: se decidir premiar Chafee e votar por ele, contribuirei para a eventual continuação do controlo republicano do Congresso. Se votar pelo candidato democrata poderei ajudar a passar a liderança para o outro lado após tão desastrosos anos de domínio.
Para complicar o cenário, porem, uma antiga colega da universidade e ex-namorada de um amigo de Lincoln Chafee trabalha como voluntária na reeleição do senador. Ambas as facções dão tudo por tudo e ela pede-me agora contactos-chave na comunidade portuguesa, que tradicionalmente votou sempre democrata. Quer tentar penetrar nela a ver se saca uns votos, pois cada um vai mesmo valer. Dou-lhe os contactos? Se sim, e se ela conseguir entre a nossa diáspora um único voto que seja, já estará eliminado o meu, se eu votar democrata. Uma situação a fazer-me evocar um velho professor da adolescência que repetia a história de dois compadres que se encontraram na rua a caminho de uma eleição. Um pergunta ao outro: - Em quem vais votar? - Em X - responde ele. - Ora eu ia votar em Y e portanto, como os nossos votos se anulam mutuamente, o melhor é voltarmos para casa.
Já perceberam como me seria útil o conselho dos meus patrícios. E como é triste emigrar para um país quando, se tivesse ficado na pátria, compreenderia muito melhor as realidades americanas do que vivendo aqui.
Mas não se pode ter tudo, como avisa a sabedoria popular. Tenho que conformar-me e acarretar com as consequências das minhas opções, observar de perto estes despiques e sentir-me indeciso e inseguro sobre opções a tomar em bicudos casos como este.
Onésimo Teotónio de Almeida é Professor e Director do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University, Providence, Rhode Island, EUA. Lecciona na Brown desde 1975. Doutorado em Filosofia pela Brown University (1980), é Fellow do Wayland Collegium for Liberal Learning, um Instituto de Estudos Interdisciplinares na Brown University, onde lecciona uma cadeira sobre Valores e Mundividências.
A Origem das Espécies
We have no more beginnings. {George Steiner}
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