12 novembro, 2006

||| Academia, 5.
Comentário de Paulo Batista, por mail, ao post Academia:

«Tenho acompanhado, com o máximo interesse, a discussão sobre a interdisciplinaridade entre "ciências". Acrescento aqui pequenas reflexões, muito soltas, mas que acrescentam uma opinião de quem vive no centro do problema e se debate com ele, todos os dias. Na minha opinião, o problema da falta de interdisciplinaridade científica não é causado por uma certa animosidade entre ciência social e natural, mas por um problema enraizado na cultura dominante das nossas academias. Encontra-se enraizada uma certa ideia, rígida, de fronteiras intocáveis, que não permite desenvolver um pensamento interdisciplinar. Dando um exemplo concreto, alusivo à minha área de estudo, o planeamento (regional e urbano) em Portugal é uma "ciência" completamente fragmentada (muito balizada – sem "contacto" entre os diferentes profissionais), quando na verdade deveria ser uma das ciências mais interdisciplinares do panorama científico.
Mas, hoje, que vemos nós acontecer? Planeamento é sinónimo de duas "disciplinas": Engenharia Civil, no caso do projecto / desenvolvimento / construção de infraestruturas e Arquitectura, no seguimento do anterior conceito, mas introduzindo uma certa "marca artística" no desenho concreto do território. A sociologia, a biologia, a economia, a química e física são meros acessórios – a que se recorre em casos muito concretos (estudos de impacte ambiental, por exemplo, – e, mesmo neste caso, com um pequeno grau de interdisciplinaridade – reduzidos a questões técnicas, também elas muito limitadas a determinadas balizas cientificas).
Olhamos para o território através de um funil, o que não nos permite compreender a complexidade das estruturas físicas e sociais que assentam sobre ele, e sem a integração das quais é impossível realizar uma intervenção, cuidada e equilibrada, que permita o desenvolvimento futuro e a redução das tensões entre as diferentes forças. Ora aqui está, neste pequeno parágrafo anterior, um pequeno exemplo: como seria, se alguém juntasse conceitos físicos como a "tensão", a "força", o "campo gravítico" – provenientes da física, com conceitos de sociologia ou por exemplo (como se tenta desenvolver hoje, mas ainda em meios muito restritos e científicos) da economia? Aplicando esta junção de ciências naturais (a física) com problemas de âmbito económico e / ou sociológico?
Existem trabalhos desenvolvidos com alguma interdisciplinaridade, o problema está na falta de estímulo para que isto aconteça de forma natural; resultante de ideias redutoras instaladas (talvez fruto de necessidades de afirmação profissional – por parte de alguns grupos profissionais) que se traduzem em cursos de licenciatura demasiado pesados na exploração dos mesmos conceitos e que não incentivam a procura de respostas e a abertura intelectual e cultural (veja-se que o único curso de planeamento regional e urbano do país, no qual me encontro, foi encerrado! – devido à tal lei do mínimo de 10 alunos…mas porque será que este curso se encontra "ás moscas"? Quando é o mais interdisciplinar de todos? Não será isto sintomático?).
No entanto, nem só o problema é o ensino (e seus promotores). Os alunos apresentam uma apetência por cultura, lamentavelmente baixa. Não existem circuitos disseminados de debate interdisciplinar, de cruzamento de culturas, espaços informais de criação artística e / ou aprendizagem científica. Hoje, os interesses da maioria dos alunos, centra-se num conjunto de actividade sem qualquer tipo de enriquecimento intelectual, que funciona em espiral e que vai arrastando atrás de si a população universitária. Da praxe ás semanas académicas, das actividades nocturnas habituais ao associativismo juvenil, poucos projectos apresentam uma preocupação de fomentar o conhecimento aos seus intervenientes, chegando até, a repelir aqueles que o desejavam! Está enraizada uma ideia de facilitismo e de promoção de um ideal de podridão social. A vida universitária pode até tornar-se em algo demasiado frustrante para quem pretender ir mais além do que os limites e mentalidades vigentes. Ajudado por políticas que não fomentam a igualdade de oportunidades, muitos, bons e potenciais vanguardistas nesta abordagem (falando de alunos), são travados nos meios universitários. Porque, a universidade hoje (apesar da exponencial evolução) ainda é reservada a alguns. Apesar de muitos alunos, provenientes de estruturas familiares mais frágeis, terem inundado o ensino superior, não são suficientemente apoiados e estimulados (de forma a compensar o facto de não terem oportunidade de contactar com uma diversidade cultural que outros recursos poderiam proporcionar). Denota-se até, uma certa estigmatização entre colegas, do género: "os pobres e os ricos". Não muito visível, mas que empiricamente é possível discernir, em certa medida. E que seria até interessante estudar. Este facto é potenciado por um certo snobismo reinante, daqueles que se situam num nível maior de recursos (e consequentemente os criadores das "modas" do pensamento dominante) e que inconscientemente (tal como acontece na sociedade em geral), tratam de ocupar estruturas que permitam o controlo do sistema, perpetuando a situação actual (veja-se os dirigentes associativos actuais e as lutas, sem sentido que promovem!).
Os poucos alunos, interessados numa certa interdisciplinaridade e que não são rejeitados pelo "sistema" formam pequenas tribos. Muito fechadas entre si e de reduzida dimensão, não permitem a tão necessária discussão e debate de ideias de forma alargada e desligam-se até da intervenção no espaço público.
Concluindo o raciocínio, talvez o grau de interdisciplinaridade parta de um pressuposto cultural, subjacente ao conjunto da sociedade. Mais do que um problema entre ciências, (seja arrogância, seja fuga) encontramos um problema cultural, muito comum na sociedade actual: olhar apenas para o próprio umbigo e defende-lo a todo o custo, marginalizar todos os que são (e/ou pensam de formas) "diferentes", matando à nascença qualquer tentativa de inovação (que pode por em risco um "estatuto" qualquer). Este é um facto muito comum entre estudantes (algo de que posso falar, apenas, de forma muito intuitiva, mas com base na minha própria experiência e conhecimento do meio – no qual me insiro), mais até do que se possa pensar ou percepcionar "de fora".»