||| Academia.
O Paulo Gorjão toca num ponto essencial do debate sobre «a nossa academia», ou seja, da nossa pequena vida universitária:
«Um aluno de medicina só se pode interessar por medicina. Um aluno de jornalismo só se pode interessar por jornalismo e assim sucessivamente. Errado. Errado. Errado. Não vejo nenhuma razão substantiva, muito pelo contrário, para que um aluno de ciência política ou do que quer que seja não possa -- e não deva -- assistir, na sua universidade, a conferências sobre os mais variados temas. Se, por mera hipótese, por exemplo, João Magueijo está disponível para dar uma conferência sobre física por que motivo é que alunos de relações internacionais ou de antropologia não devem assistir à sua palestra? Alguém me explica? Não é essa uma das funções da academia, i.e. aguçar a curiosidade científica?»Genericamente, o Paulo tem razão. Há falta de contacto entre «as ciências» (se considerarmos que existem «ciências humanas e sociais») e os temas. Mas penso que a situação não se traduz por ignorância ou desconhecimento mútuos. Ou seja: a área das humanidades desconhece mais o mundo das ciências do que o inverso. É mais fácil encontrar investigadores, professores ou estudantes de ciências (matemática, física, biologia, etc.) interessados em matérias relacionadas com arte, literatura, política ou história, do que o seu contrário. As «humanidades» mostram em Portugal uma arrogância que lhes é fatal. O «predomínio» da «cultura literária» sobre a «cultura científica» traduz essa arrogância das Letras -- o que significa que alguém vindo da área das ciências pode discutir, de igual para igual com alguém das Letras, sobre política, ópera, relações internacionais ou o romantismo tardio, mas que a generalidade das pessoas de Letras tem grande dificuldade em apreender os conceitos fundamentais da ciência contemporânea; experimentemos perguntar a um aluno finalista de sociologia o que significam, em termos muito básicos, «mecânica quântica», «buracos negros», «teoria das cordas», ou se alguma vez leram Darwin, Stephen Jay Gould ou se são capazes de dizer que há uma teoria da relatividade restrita e uma teoria da relatividade geral (ou, até, neste caso, se se comoveram com o livro de Alan Lightman, Os Sonhos de Eisntein).
O exemplo que Paulo Gorjão aponta (uma conferência de João Magueijo) é exemplar e seria bom perceber até que ponto os alunos de Direito, de Psicologia ou de Relações Internacionais seriam capazes de relacionar o nome de João Magueijo com Einstein ou se se sentiram motivados, alguma vez, a comprar o seu livro Mais Rápido Que a Luz. Ou, para sermos ainda mais claros, se alguns se interessaram por ler os de Carlos Fiolhais ou os de Nuno Crato com Fernando Reis, Luís Tirapicos, etc.; se se aperceberam da actividade de Rómulo de Carvalho; se leram um dos livros de João Lobo Antunes; se ultrapassaram a contracapa dos livros de Damásio; se sabem quem é Maria de Sousa; se conhecem algum texto de Jorge Buescu, Alexandre Quintanilha, Rui Fausto, Rita Marnoto, João Varela, Teresa Lago, M. Moniz Pereira (só para citar aqueles que escreveram para «os grandes meios»); se já leram alguns livros de divulgação científica; se reconhecem os nomes de Feynman, Dawkins, Reeves ou Penrose; se acham que Sagan é astrólogo em vez de astrónomo; se se interessaram pelos livros de jogos matemáticos do João Pedro Neto e do Jorge Nuno Silva, etc. etc.
Estes são alguns dos maus hábitos da academia (a ignorância das Letras em relação às Ciências), sim -- e do país.
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