03 novembro, 2007

||| Ouro Preto, 5. Fórum das Letras.










1. Manhã agitada e cheia de trabalho, sempre em bom ritmo. Primeira nota para a leitura e apresentação de roteiros/guiões de adaptações cinematográficas feita no âmbito do Laboratório de Roteirismo do Cineport, Festival de Cinema de Língua Portuguesa (na foto, o grupo de roteiristas, com Newton Cannito, o segundo na imagem), e que começou em Abril passado, em João Pessoa. Esta manhã, apresentação do roteiro do romance Perdido de Volta (Angola, Portugal), de Miguel Gullander, um trabalho muito bom de Ricardo Andrade. Um grupo de actores representou um fragmento do roteiro, muito David Lynch, um nadinha de David Cronenberg.








[Miguel Gullander, José Eduardo Agualusa e Christiane Tassis]

Depois, com roteiro de Sílvia Godinho, foi a vez de As Mulheres de Meu Pai (Angola), de José Eduardo Agualusa; vimos uma espécie de diaporama do road-movie, no mínimo comovente, com música fantástica de um quarteto de cordas do Soweto. É preciso notar queAs Mulheres de Meu Pai é, em si mesmo, um road-movie sobre a viagem de Laurentina em busca do seu pai africano e das suas mulheres, numa viagem que nos leva de Angola até à Ilha de Moçambique. Para quem não leu o livro, pode abrir o apetite com a pré-publicação do Capítulo 1, Parte I , Capítulo 1, Parte II , Capítulo 2, Parte I. Pode ainda ouvir a entrevista de José Eduardo Agualusa no Escrita em Dia (versão em wma, em mp3 ou em realplayer.) Como bónus, pelo meio há três curiosíssimas canções do soul angolano dos anos setenta: «Chofer de Praça», de Luiz Visconde, «Kiá Lumingo», de Urbano de Castro, e «Mona ku Jimbe Manheno», de David Zé.
Finalmente, a adaptação de Sob a Neblina, de Christianne Tassis (Brasil), por Marcus Nascimento. Vimos um diaporama muito Alain Resnais, que enquadrava perfeitamente a história do livro: um fotógrafo (Henrique) que pede a uma ex-namorada (Lúcia), jornalista, que escreva a sua biografia, uma vez que pode morrer a qualquer momento, vítima de um tumor. Amanhã continua a sessão, com mais três roteiros.

2. Televisões e entrevistas, aqui e ali. Notícias que saem nos jornais. Os autores portugueses e africanos presentes são bem destacados. Ontem, um fotógrafo convocou-nos para a Igreja do Rosário ao meio-dia, para um fotografia colectiva a ser publicada na primeira página do «Segundo Caderno» (o de letras & artes) do Estado de Minas. Ouvi a convocatória (sabem o que, à meia-noite e meia, significa voz empastelada, lenta, atrapalhada, numa terra onde se bebe um dos melhores chopes artesanais do Brasil, além das cachacinhas Germana e Salinas?) e comentei para o moçambicano Nelson Saúte: «Vais ver que ele não aparece.» E não. Foi visto há pouquinho, às cinco da tarde.









[Nelson Saúte e Eduardo Coelho]
3. O prefeito de Ouro Preto foi já secretário de Cultura do governo estadual de Minas Gerais, em BH. Tem vantagens inegáveis (fala escorreito, é sucinto e activo, simpático e conhece bons vinhos). Durante o jantar de ontem, leu um poema de Nelson Saúte sobre Ouro Preto, justamente.










4.
Na foto anterior Nelson (que lança aqui, por estes dias, Rio dos Bons Sinais) está ao lado de Eduardo Coelho, e isso merece explicação. Eduardo é o editor principal na editora Língua Geral e, se não estou em erro, um dos melhores editores no mundo da língua portuguesa. Significa isso que livro editado por ele é livro sem gralhas
, distracções ou falhas de maior, salvo as que são atribuídas ao autor. É muito cuidadoso, metódico e muito exigente; mas também é um homem divertido, bom de copo, bom de garfo, bom de ler (está a concluir uma tese sobre Manuel Bandeira), bom amigo. A Língua Geral publicou a versão brasileira do meu romance Lourenço Marques com o título A Luz do Índico, e posso dizer que beneficiou bastante o livro. Sem peneiras.










4.
Terminou há instantes a prim
eira mesa da tarde, que juntou José Luís Peixoto, Eucanaã Ferraz e um poeta de BH que vestia calças às riscas e que declarou estar em «transe erótico». Brilhante como sempre, Eucanaã; comovendo a assistência, Peixoto. Poesia às três da tarde com temperatura senegalesa parece absurdo, e é; mas os livros ficam.

5. História de almoço, brejeira e divertida, com Eucanaã e Eduardo Jardim, professor de literatura e filosofia, autor de vários livros sobre o modernismo brasileiro: quando Derrida veio ao Brasil, alguém queria colocar perguntas chocantes ao filósofo francês, digamos que perfeitamente desconstrucionistas. Do género: «O que pensa sobre a nossa mulher brasileira?
Qual é seu time de futebol? Já provou tutu de feijão?» Bom, a verdade é que isso aconteceu, mas com a apresentadora de futebol, Hebe Camargo, a quem coube entrevistar Jean Genet, imagine-se. E lá saiu a pergunta fatal: «O que pensa da mulher brasileira?» Genet balbuciou que não estava interessado. «Que gracinha», riu Hebe Camargo.
Pois isso é o que apetece fazer em certos debates sobre poesia, perguntando aos «poetas em transe»: «O que pensa de usar calças às riscas? Você é do Cruzeiro ou do Atlético Mineiro? Qual a sua opinião sobre o tucunaré?»








6. O angolano Ondjaki, que vem lançar no Brasil (edição Língua Geral)
Os da Minha Rua, anda em pesquisas por Ouro Preto. Barroco brasileiro, arquitectura, gastronomia, música? Não. Ondjaki anda a investigar chapéus. Chapéus. Depois dou notícias sobre o assunto. Chapéus.








[Ana Paula Maia, autora de A Guerra dos Bastardos, e Patrícia Reis]

7. Patrícia Reis lançará agora Morder o Coração no Brasil, antes de entregar o seu novo romance O Silêncio de Deus à Dom Quixote (quanto a este, já li, e é bom, uma história comovente que vale a pena reter). Foi sua uma das frases que marcou os debates: «Quando uma mulher escreve uma história de amor, diz-se que é uma história de mulherzinhas, cheia de corações e tal; quando é um homem, diz-se logo que é uma meditação sobre a condição humana.»

8. Chove em Ouro Preto. Finalmente, para felicidade de todos. Daqui a pouco, às 19h00, a francesa Laure Adler (cuja obra está a ser publicada pela Record) e o carioca Eduardo Jardim irão debater «O ensaio com recursos ficcionais». Mas a novidade é esta pouca chuva, que veio amenizar o clima e temperar as cores das árvores do outro lado da rua.

9. Próximo post com agenda: Elizabeth Bishop em Ouro Preto, Cláudio Manuel da Costa e Gonzaga em Vila Rica, Roberto Carlos, os debates sobre poesia e a música do Soweto String Quartet.
[FJV]

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2 Comments:

Blogger ondjaki said...

"ode lenta a ouro preto"


escrevo as pedras ausentes
luar raso
maresia em estrada
que o sonho traz

saudades dos sinos
que amanhã
hão-de chegar
saudades dos lobos
que longe - bem longe
se esquecem de uivar

escrevo o adeus às pedras
as que não cantam
as que não contam

escrevo estrada morna
acesa
bagaço, raiva, dormência
busco outra e outra vez
os lobos
as luas
o suor das grávidas
o odor raro das estradas
que dormem
nas raras vezes em que o luar
grita
outra e outra vez

o corpo sólido da igreja
que sonha
o calor insano
frio
que o sino
ontem
vai gritar
outra vez

escrevo os sonhos
as pedras
os gritos
dos ausentes
outra e outra vez.

escrevo
luar, calmaria
bilhos secos
nos olhos
na estrada
da maresia...


["investigador de chapéus", ouro preto, 1/11/2007]

10:06 da tarde  
Blogger jpt said...

abraço para o nelson, de leitor desse "rio"

12:08 da manhã  

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