22 novembro, 2007

||| Música portuguesa, cultura portuguesa, todos nós, 2.
Dos comentários a este post, um dos últimos, assinado pelo João Bonifácio, questiona-me directamente: «Não percebo porque é que tem de vir a conversa do bacalhau e da sardinha e da Claudisabel. Portugal é isso? Ou o Francisco tem medo que Portugal seja isso (ou tem medo disso)?»
Não. Não e não. Eu acho que a Claudisabel é Portugal e não me envergonho disso (sei que a menção à Claudisabel tem alguma coisa a ver com a minha tendência para a devassidão). E o bacalhau também é nosso. E a sardinha. Do que eu discordo é, também – e muito – do benefício atribuído aos compositores e executantes de «música portuguesa», que estão supinamente defendidos da «invasão estrangeira» por meio da política de quotas.
O João Bonifácio pede para que se «discuta racionalmente a questão». Pois cá estamos. Primeira pergunta: por que razão há uma vantagem da «música portuguesa»? Acha que é «caricatural» invocar os nomes de Claudisabel, de Clemente ou dos Delfins (para nos mantermos naquilo que é tendencialmente kitsch)? Eu acho que são exemplos naturais e elementares. Segunda pergunta: se o princípio das quotas é válido para a «música portuguesa», por que razão não há-de ser válido para outros domínios? Se o legislador pode «evangelizar» a propósito da «música portuguesa» (falando do património, dos valores, das nossas coisas), o que o impede de evangelizar acerca da gastronomia, do futebol, da arte em geral, das raças caninas? Está bem; estou a chegar à caricatura. Mas se a racionalidade tem medo da caricatura, então quer isso dizer que se vão punir as caricaturas, ou se vai perguntar porque é que «isto» dá para caricaturar?
Outro tema: as playlists das rádios. Nada tão absurdo como discutir as playlists sem discutir a formação cultural e as directrizes dos programadores de rádio. Pode assumir-se que os dj das rádios são apenas dj, e então sabe-se que eles são apenas passadores de música; parece assumir-se que as playlists são inimigas da música portuguesa. Esse sim, é um tema que merece debate. Proposição: só não existe uma rádio que passe exclusivamente «música portuguesa» por falta de visão comercial. Argumento contrário: «Ah, mas ninguém ouvia...» Então, é necessária uma lei, mascarada de «cultural», que beneficie o comércio da «música portuguesa», de Claudisabel aos Da Weasel? Discutamos isso racionalmente, porque de «O Carteiro» (saudosos versos: «“Traz carta p’ra mim” / e o carteiro que é gago/ espera um bocado/ e responde-lhe assim:/ “Não não não não não/ não não não trago nada/ só só só só só/ só trago o pacote/ da sua criada”) até às «sonoridades características» (cito da lei) da música de Roberto Leal, há muito para falarmos. Segundo argumento contrário: «Ah, mas então iam passar Claudisabel, Tucha, José Malhoa, Toy, Ágata ou Madalena Iglésias...» Tem isso. Mas não se pode pedir que o legislador faça a playlist.
Nesta matéria, como em quase todas as outras, sou pela antropofagia cultural. Devoremos e reproduzamos. A vida é assim.

No caso da Antena 2, por mais que gostemos de peças de Carlos Seixas, de Bomtempo, Emmanuel Nunes, Frederico de Freitas, Vianna da Mota, Luís de Freitas Branco, João Pedro Oliveira ou Fernando Lopes-Graça, talvez seja impraticável, eu entendo.
[FJV]

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9 Comments:

Blogger G said...

Dá o exemplo da Antena 2 como um caso de impraticabilidade, mas há outras situações onde é complicado encaixar os 25% ou seja qual for o valor. Há algumas bandas portuguesas de muita qualidade de música dita alternativa, mas será que a Radar vai conseguir respeitar a quota? E estar sempre a repetir os mesmos não será batota? E se as bandas portuguesas cantarem noutras línguas? Ou tocarem instrumentais? (Sim, porque não é só a música clássica que não envolve obrigatoriamente alguém a cantar)
Pode argumentar-se que é sempre possível mudar o posto de rádio que se está a ouvir, mas é melhor ficar calado não venha algum legislador dizer a que horas é suposto passar a música portuguesa.

2:18 da tarde  
Blogger Paulo G said...

Tenho um dúvida simples mas multi-resistente: uma banda de quatro elementos, sendo dois portugueses, e dois alienígenas, a música da banda vai ser considerada nas quotas, direi, com um desconto de 50% na frequência com que a tocam? Ou vai para o ar a cantiga até meio e aí se esgota a quota?, ou do meio até ao fim? Ou só passam no filtro da quota os instrumentos tocados pelos "nossos"?

E se for só um o português, o desconto será de 75%?

Ou não pode haver misturas?????

Olhem, multiplicaram-se; as dúvidas são sexuadas e férteis, reproduzem-se.

2:55 da tarde  
Blogger Luis Eme said...

Com estes pontos de vista fico com a sensação que estou num outro país...

Que eu saiba, mesmo os livros de autores estrangeiros estão escritos em português, pelo que não adianta defender a "nossa" dama. Não há comparações.
Infelizmente chegou-se a um ponto, que é mesmo necessário existirem quotas, caso contrário a música portuguesa é praticamente banida das rádios.

Fiz um pequeno exercício de memória num dos meus blogues (largo), sem aprofundar a questão, em que se percebe que passar meia dúzia de músicas por hora, não é nenhum bicho de sete cabeças, como alguns radialistas, querem fazer sentir.

Podem chamar-me bora de elástico, ou o que quiserem, mas para mim, esta questão das quotas nos dias de hoje tem de ser entendida como um acto cultural, de preservação da nossa língua e das nossas tradições, infelizmente.

3:18 da tarde  
Blogger David R. Oliveira said...

Luis Eme,
na dois, na RFM, na Antena 3 onde fôr não interessa, na música, como nas letras, na esculktura como na pintura, seja lá em que artes fôr... assino por baixo do FJV -antropofagia cultural. Devoremos e reproduzamos. A vida é assim.
Preservar o quê?! preservemos o que se fez ou faz de bom. Em 2007, música ligeira... uma! Jorge Palma e mais umas tantas no Fado mas chega de nos enfiarem por tudo quanto é poro de Mariza. Preservemos o que se faz de bom em português ou estrangês!

4:45 da tarde  
Blogger LA said...

25% talvez seja demais, especialmente se o programa é dedicado à música country! Mas passar uma média de 10% não seria mau.
Porque é que o estado tem que financiar o cinema português em milhões de euros e não pode ajudar artistas que não contam com nenhum subsídio estatal, obrigando apenas as rádios que usufruem do éter luso a passar um bocadinho da música portuga? Porque é que o estado tem que financiar as orquestras que tocam música para meia dúzia e não pode "financiar" a música ligeira? Acho que é uma pergunta válida.

Já sei que vais a Boticas encher a pança, mas vais em má altura, os recos ainda só agora começam a ir à faca e ainda não há fumeiro fresco, não sei o que é que os gaijos te vão dar, algum bocado de pernil rançoso do ano passado, ou alguma alheira que estava congelada há já um ano. Boa sorte!

6:33 da tarde  
Blogger samuel said...

Não saber muito bem do que se está a falar não ajuda nada a discussão.
Nenhum programa de rádio que se dedique exclusivamente a passar e divulgar country music será "obrigado" a tocar Toy, ou o que insinuou Pacheco Pereira quando disse que os programas de jazz talvez tivessem que incluir Quim Barreiros...
Mas há algo que me espanta: num determinado programa variado que até já toque 4 músicas portuguesas, tratando-se de músicas de duração standard (3 minutos), para atingir a astronómica quota de 25% seria preciso passar mais... UMA!
Oh, pá! E agora? Onde é que vamos encontrar mais UMA cantiga portuguesa, de "qualidade" para passar no nosso genial programa semanal?
Os produtores de programas são assim tão ignorantes, ou estão nas folhas de pagamento das editoras com catálogos internacionais?
Será preciso fazer um-dó-li-tá?

9:06 da tarde  
Blogger LA said...

samuel, eu estava na tanga, claro que não se pode passar Toy num programa sobre blues americanos.
O Quim Barreiros é um gaijo muito pimba mas o Zeca Afonso convidava-o para gravar a sua concertina e pedia-lhe conselhos, se calhar não sabias desta.
Eu estava a falar em médias de 10% ao longo de 24 horas, não numa hora, porque se há um programa de country depois tens que meter mais umas musiquetas portuguesas nos outros programas.
Só acho esquisito que tenhamos que patrocionar orquestras a tocar gaijos estranjeiros como o Mozart e o pessoal fique chocado de se ajudar um bocadinho os artistas nacionais.
Quer queiramos quer não, o Quim Barreiros é imediatamnete reconhecido como um som português, enquanto se calhar um livro do Viegas (especialmente se traduzido em francês) pode passar por ter sido escrito por um belga, não sei se me percebes?

3:20 da manhã  
Blogger F said...

Caro Ia: Em nome da Bélgica, agradeço.

9:32 da manhã  
Blogger LA said...

Monsieur f, eu não quero tirar o valor ao Viegas, só acho bem que se defenda a musicória lusa. No meu entendimento a rádio é um meio de divulgação e acho mal que haja rádios que só passem lixo anglo-saxónico que é ainda pior do que Toy.
Como também acho mal que no UK só 1% dos livros vendidos sejam de autores traduzidos que não escrevem em inglês, ou que quase ninguém nesse país conheça um tal Caetano Veloso.
Mas isto são apenas opiniões, a política não é como a matemática, nunca ninguém está certo.
Mas se não formos nós a puxar pelos Quins e pelos Viegas ninguém o vai fazer. Dez porcentozito não estaria mal, digo eu.

5:00 da tarde  

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