|| Frankfurt. Relatos da Buchmesse.
APEL/UEP – As duas associações estão cada vez mais próximas da fusão, mas o caminho é tortuoso e anda minado aqui e ali. Depois do acordo histórico que permitiu (com mediação da Casa Fernando Pessoa) a realização conjunta da Feira do Livro de Lisboa, houve também o fim de processos judiciais. O caminho está aberto e é importante que continue. Este ano, o espaço era quase comum. Bom sinal.
Campo das Letras – A Campo das Letras, que acaba de publicar a nova edição de A Grande Arte, de Rubem Fonseca, vai lançar a obra de Schiller em português. Um acontecimento.
Catalunha – Era o país-tema. Houve bastante polémica acerca dos autores convidados; mas, mais provinciana do que a decisão do comité organizador ao não convidar autores que tivessem “traído” – escrevendo em castelhano – só o provincianismo de quem pensa que isso é importante para a Buchmesse. O stand catalão era muito minimal, moderno, atraente, sem informação relevante.
Clancy Martin – O The New York Times aponta-o como exemplo das pobres novidades da Feira: é um pacato professor de filosofia, especialista em Nietzsche e Kierkegaard, e autor de um romance de estreia, How to Sell.
Comboio – Perdemos, todos, um grande momento: o instante em que Manuel Alberto Valente desce do comboio na Hauptbahnhof, em Frankfurt, depois de atravessar a Europa. É uma viagem histórica, e que traduz o medo de voar de Manuel Valente. Este ano, foi uma das ausências mais notadas.
Convidados – Os próximos convidados da Buchmesse são a Turquia e a China. Depois de criticado e ameaçado no seu país (por causa da questão arménia e da questão curda), Orhan Pamuk tinha lugar de destaque no pavilhão oficial turco; para o lançamento da feira do próximo ano, Pamuk vinha a calhar. Curiosamente, um dos debates da Buchmesse andava à volta da censura na Turquia e na China. Ah, o negócio. [Por falar em China, o novo e mais do que promissor negócio do Fodor’s Guide to Beijing: 2008 Olympics Edition, que venderá bastante, esteve na base de um acordo entre a Random House e a Beijing Publishing House, que o co-produzirão; a HarperCollins já tinha assinado um acordo para publicar, com a editora chinesa Blue Sky Publishing, o Travel Around China.]
Doris Lessing – Rumores davam conta de que a Presença tinha adquirido os direitos de toda a obra de Doris Lessing logo a seguir ao anúncio do Nobel. A agência de Lessing registou filas à porta; editores que tinham direitos “cativados” mas não pagos desde os anos sessenta, pediam renovações de contrato. Houve, recentemente, casos de corrida a direitos derivados do Nobel da Literatura – distante, o de Toni Morrison; mais recente, o de Orhan Pamuk. Quase todos os outros, na última década, ou não suscitaram interesse por aí além (Jelinek, Fo ou Pinter) ou já estavam tradicionalmente garantidos (Naipaul, Coetzee, Xingjian). Jane Friedman, a CEO da HarperCollins, que este ano publicou The Cleft, estava radiante; mas, curiosamente, não tinha livros de Lessing para oferecer ou, sequer, mostrar no stand.
Download – O mercado do livro conta cada vez mais com essa palavra: “Download.” Fazer download de um livro: 10% do mercado digital alemão já se faz com downloads.
Festa Random House/Bertelsmann – Antigamente, havia várias festas. Os anos de crise interromperam o curso de cocktails, apresentações, big cocktail parties, e jantares de grande parte da edição internacional. O gigante Bertelsmann/Direct Group/Random House (com o Círculo de Leitores português), até porque está em casa, continua a organizar a sua festa. Há cerca de quinze anos passou do Grand Ballroom do Intercontinental para o Grand Arabella (na Konrad Adenauer Straße). Duas mil pessoas que se acotovelam e reencontram. Há os incondicionais e os clássicos (entre eles, muitos portugueses); há os desinteressados e os que não lhe dão grande importância (“mas é necessário ir”). Lembro-me dos tempos em que, no Intercontinental, Reinhard Möhn recebia os convidados um a um – e não era permitido levar jeans. Havia menos gente, era mais elitista, mas comia-se francamente mais à vontade e não havia tantos espanhóis a falar tão alto. Este ano, os portugueses constituíam um bom grupo. A “fonte de chocolate” (uma enorme fondue de chocolate em cascata permanente) continua a ser um “must”. Encontrei o Lorenzo, da Nuova Frontiera, em plena rua, que me perguntou: “Está lá a fonte? Venho por isso.” Os americanos continuam a invadir a sala de sushi e a julgar que é tudo deles; paulatinamente são expulsos e reconduzidos à mesa de frutas; a fila dos grelhados era enorme. Este ano, a cerveja era Paulaner pilsener e o vinho era italiano. Fiquei reduzido a espetadas de frango (com João Rodrigues e Jordi Nadal, que tinha acabado de lançar a Plataforma Editorial).
Frankfurter Hof – O hotel clássico da Buchmesse, cuja esplanada estava cheia até depois das duas da manhã – fumadores resistiam ao frio da Alemanha. Mas o frio não afastava ninguém. Depois da meia-noite consegue reunir a maior concentração de agentes literários por metro quadrado. As agentes de Doris Lessing festejavam na escadaria da esplanada. Nenhum jornalista consegue boas histórias da Feira sem pelo menos duas a três horas de “investigação” no Frankfurter Hof. É o maior centro de rumores. Este ano não foi excepção nem faltaram rumores. Meia dúzia deles, muito picantes. Mas as salas de reunião do hotel, essas, estavam todas reservadas desde Maio, sobretudo por agentes americanos e ingleses, que preferem manter um dia, pelo menos, de contactos reservados antes de aparecer na Buchmesse.
Frankfurtfatigue – Uma nova doença que se manifesta todos os anos em Outubro.
Fumar – A lei anti-tabaco entrou em vigor na Alemanha, e já é proibido fumar no interior da Buchmesse. Mas as portas mantêm-se abertas para a rua e havia duas zonas de fumadores nos limites (uma delas estava junto do press centre e outra perto do pavilhão alemão). Dois países criaram off-shores (a designação foi de Carlos da Veiga Ferreira, naturalmente): Portugal e a Argentina. Em ambas as áreas, havia um cantinho – muito visitado por gente de outras latitudes – para cigarrilhas (cada vez com mais “praticantes”), cachimbos (o de Zeferino Coelho) e cigarros. Na festa do Grand Arabella, havia uma sala de fumo onde não se conseguia ver nada a cinco metros de distância. Zeferino Coelho, sentado, comentava que se tratava de um cenário literário que lhe lembrava a lei seca americana. Centenas de pessoas passaram por lá; era a única sala do Arabella para onde os criados estavam autorizados a transportar bebidas; tudo o resto era self-service. No Frankfurter Hof, a rush-hour, que habitualmente terminava à meia-noite, foi prolongada diariamente até às duas; na sexta-feira, estendeu-se até às 3h00 – mas na esplanada. Houve gente previdente que trouxe sobretudos e anoraques para Frankfurt: fumar, na rua.
Grupos – Não sei bem se foi uma novidade actuante, a existência de três novos grupos de edição portuguesa (o de Pais do Amaral, que agrupa a Asa, a Caminho, a Texto e a Gaialivro; o da Oficina do Livro com a capital de risco Explorer e Invest, a que acabou de juntar-se a Teorema; e o da Bertelsmann/Direct Group, com o Círculo de Leitores, Bertrand, Temas e Debates e Quetzal). Havia curiosidade. E muita urbanidade, cavalheirismo: editores de um e de outro grupo conversavam nos corredores. Mas a ninguém escaparam as “nuances”, os segredos bem guardados e as alianças estratégicas. Novidades a seguir.
Ilídio Matos – O único agente literário português mantinha a sua presença clássica. É mais do que uma figura – uma referência para a história da edição. O nosso Grande Tio. Se há pessoas cuja autobiografia ensinaria muito sobre a edição portuguesa (como a de Figueiredo Magalhães, por exemplo – o editor da velha Ulisseia), a de Ilídio Matos seria uma delas.
José Rodrigues dos Santos – Curiosidade à sua volta? Nem tanto. Mas o jornalista foi visto aqui e ali, em negociações. O novo livro vai ser pré-publicado pelo Diário de Notícias. E o autor está na categoria dos “protagonistas”, o que é uma boleia para as livrarias. Façam contas.
Keith Richards – O guitarrista dos Rolling Stones vai estrear-se como romancista. Quem deu a novidade foi o agente literário Ed Victor; exactamente o mesmo que, este ano, já tinha vendido a autobiografia de Richards à Little, Brown por um preço que rondava os sete milhões de dólares.
PFD - Foi curioso ver Pat Kavanagh, a agente literária e mulher de Julian Barnes, entrar no Frankfurter Hof pela porta das traseiras, mas muito, muito vista e comentada; ela é uma das mais respeitadas agentes britânicas (e de bons autores, naturalmente), que tinha acabado de abandonar os quadros da PFD, a maior agência do país, depois de a CSS ter tomado conta da empresa. Pat Kavanagh leva consigo autores como Ruth Rendell ou Robert Harris; mas ainda não se sabe o que acontece a nomes como Nick Hornby, Alain de Botton, John Mortimer ou Margaret Drabble (para além de actrizes como Kate Winslett). A nova patroa da PFD é Caroline Mitchell, que vem da agência William Morris (e casada com o antigo patrão da Faber & Faber). Cerca de metade dos quadros da PFD ameaçaram demitir-se; um quarto deles (23) já saiu. E Mitchell não apareceu na Buchmesse.
Roger Moore – O agente Lesley Pollinger anunciou o livro de Roger Moore, My Word is My Bond; a título de curiosidade, apenas, para mencionar que se trata de uma venda de 3 milhões de euros. Essa era a base mínima para negociar.
Salada de batata – A salada de batata do pub da Feira mantém as suas qualidades: deixa-se sempre a meio. Mas as salsichas melhoraram nos últimos anos. Curiosamente, no meio de tanto puritanismo, a Buchmesse ainda não transigiu em matéria de cerveja de pressão: não há alkoholfrei bier de pressão nos bares e cafés do recinto.
Zita Seabra – O Correio da Manhã deu-a como candidata à liderança do grupo parlamentar do PSD mas ela estava na Feira a negociar a edição inglesa de Foi Assim. Ainda não tem título; havia uma sugestão, a de It’s All, Folks, mas não deve pegar. Um dos livros de que Zita Seabra comprou os direitos foi Prolétaires de Tous les Pays, Excusez-moi, de Amandine Regamey.
Etiquetas: Livros
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