05 setembro, 2007

||| Não gosto de literatura. Eu sabia. 3.
O personagem mais injustiçado da nossa literatura é a Senhora Condessa de Gouvarinho. Tenho por ela uma adoração infame. Na galeria de personagens de Eça, a Sra. Condessa merecia mais. Desgraçou-a aquele machismo que passou por ser uma espécie de mistura de Julie d'Aiglemont, a mulher de trinta anos de Balzac, e de Emma Bovary. Pessoalmente, fico sempre enamorado da senhora condessa, que ainda me comove trinta anos depois de a ter conhecido. Gosto daquela incerteza, daquele ar perverso e romântico, daquela facilidade com que trai, daquela coragem que a leva ao consultório do dandy antes de ir, devota, beijar o Senhor dos Passos. Ela tinha um perfume de verbena que fascinava Carlos. No fundo, é uma mulher fulgurante que o machismo queirosiano condenou a penar entre chás, jantares, presenças aborrecidas do marido, encontros adúlteros. No livro, ela aparece como um ornamento destinado a satisfazer o tédio de Carlos da Maia mas, no fundo, é ela que toma a iniciativa, seduzindo-o, propondo uma visita «à casa da Titi», compreendendo melhor do que ninguém a mediocridade da vida lisboeta. Sem querer incomodar, sem querer um romance devastador, ridículo e sofrido. Só ela, a minha personagem preferida, se eleva ao nível de Craft, o céptico dos cépticos, o mais perfeito dos desesperados do grande romance de Eça.
[FJV]

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