15 agosto, 2007

||| Viagens na minha terra.























































«O reino maravilhoso já não existe. Existem – em seu lugar – paisagens, declives, montanhas, enseadas junto do rio , esconderijos pelas colinas, florestas que resistem ao granizo do tempo. E existe a luz, a luz fantástica do Douro, a luz das suas águas e da poeira que vai de uma margem a outra; falo dessa luz porque sempre identificou, na minha memória, uma paisagem condenada a ser admirada não apenas pela sua beleza monumental – criada do nada – mas também pela sua história e pelo sofrimento. Construída degrau a degrau, elaborada nos seus muros, nas suas pedras, nas suas sombras, nos seus carreiros de pó e lama, subindo e descendo as serras, levando a aldeias inóspitas ou a clareiras no meio da desolação geral. O reino maravilhoso apenas existe se for visto do céu, sim: e é uma paisagem. Os geógrafos falam da aridez, do clima mediterrânico, da doçura dos seus frutos, tal como os economistas mencionam a importância do seu vinho e o isolamento das suas terras. Mas são evocações. Esse reino, decifrável pelos seus sinais – a charrua, a enxada, a luz heróica e melancólica dos seus crepúsculos, a vegetação nobre, a força das tormentas, os corpos arrastados pelo rio, os episódios de heroísmo narrados em nome dos seus habitantes, a beleza desesperada dos seus campos delimitados pelo granito e pelos outeiros, a solidão inteira de um sino invadindo o silêncio dos vales –, esse reino, pois, é uma evocação. O tempo interrompeu o seu curso, a memória é o que nos resta.»
[FJV]

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