07 agosto, 2007

||| Natalidade.
O modo de vida urbano, essa coisa desgraçada, prejudica o aumento da natalidade. No entanto, hoje, o Público diz que a zona onde os portugueses se reproduzem menos é na Serra da Estrela; seguem-se «Douro, Alto Trás-os-Montes, Pinhal Interior Sul e Beira Interior Norte, todas com um índice sintético de fecundidade de 1,1». Segundo essa análise dos costumes, estas regiões vivem na maior devassidão e não se interessam pelas famílias. Na verdade, o interior é cada vez mais um deserto maltratado e que não faz notícia. O Estado quer que a população do interior se reproduza e dá-lhe 2 500€ por cabeça; os termos, na verdade, são esses. Quando o Estado anuncia incentivos para a fixação de empresas no interior, diz qualquer coisa como 5% do IRC (sim, está bem, eram 7% no tempo da ministra Elisa Ferreira); ninharias.
O litoral foi transformado em propriedade horizontal onde se acumulam periferias degradadas, indústrias que sugam mão-de-obra mas que não criam qualidade de vida nem infrastruturas necessárias para que os cidadãos pensem ser seu o país onde vivem. o interior é só interior, esperando que haja turismo que o reabilite e indústrias que não fechem. De vez em quando, o País inteiro (três quartos da população, um quarto do território) dá-se conta de que existe um País incompleto (um quarto da população, três quartos do território). Há vantagens e desvantagens nisso. Uma das vantagens é que se promete sempre completar um pouco mais o “País incompleto” – o País vagamente feito de interior, de estradas menos boas, de escolas sem aquecimento, de aldeias abandonadas e de outras coisas aparentemente incompreensíveis para quem acha que Lisboa é, de facto, o centro do mundo, a razão de ser da nossa cultura e do crescimento da nossa economia. Não discuto que Lisboa e o Vale do Tejo são, de facto, um dos motores essenciais dessa economia moderna, financeira, especulativa e democrática. O “País incompleto” pesa pouco na balança dos créditos e constitui uma ameaça para o orçamento, cada vez mais apertado quando se trata de financiar “regiões improdutivas”. Ora, esse “País incompleto” (um quarto da população, três quartos do território) é altamente deficitário. Para uma economia estritamente liberal, seria conveniente arrendar esse território e subcedê-lo à exploração de uma entidade privada essa parcela populacional. O Estado lucraria imenso e livrar-se-ia de uma grande parte da taxa de analfabetismo, de agricultores humildes, de funcionários da administração pública, de guarda-rios, de professores deslocados e de médicos que ambicionam viver em Lisboa, Porto ou Coimbra. Três quartos da população (ainda que confinados a apenas um quarto do território) talvez não rejubilassem, porque grande parte deles conserva a sua condição de emigrantes na periferia das três maiores cidades, mas os responsáveis pela administração do Estado sorririam à ideia. De vez em quando há problemas em Miranda do Douro, em Portalegre, em Mogadouro, em Almeida, em Pias, na Covilhã ou na ilha do Corvo. Lamentáveis ocorrências apenas explicadas pela incúria e inoportunidade desse “País incompleto”. Uma ponte cai em Castelo de Paiva? Trata-se de um despropósito. Mesão Frio fica um mês sem televisão porque o Estado não cumpre o preceito constitucional de levar o sinal televisivo a todo o território? É, certamente, inconveniente, para além de se tratar de uma zona claramente deficitária. Sejamos realistas: metade do País não rende. Quer dizer: não é prestável do luminoso ponto de vista da rendibilidade económica. Há umas fortunas pessoais, umas indústrias locais, uma agricultura que acrescenta dívidas à banca, umas economias familiares que são apenas migalhas. De resto, só défice: por que razão hão-de existir escolas em aldeias com menos de dez alunos do ensino básico? E que necessidade é essa de construir estradas (perdão, “acessibilidades”) para comunidades claramente exíguas, se nem os turistas vão lá? E que mania é essa de dizer que existem municípios do interior? Esse “País incompleto” é bom apenas por poucos motivos: oferece uma boa área para que as estradas que vêm de Espanha e do resto da Europa atinjam o litoral sem problemas de maior, pontuados aqui e ali de bombas de gasolina, de restaurantes e de lojas de artesanato; e é “a terra” de muita gente que vai lá às romarias ou ao jantar de Natal. Aliás, em muitos casos, o melhor são mesmo as estradas; não duvido. De resto, para o resto do território, são hortas, pastagens sofríveis e muita pedra.
Não está posta de parte a hipótese de arrendar essa parcela do território. Ficariam com a bandeira portuguesa, sim. E até se mandariam professores. Mas, que diabo, seriam administrados por uma empresa privada que garantiria que o orçamento de Estado não geraria défices assombrosos com essa terra de ninguém que era bom entregar ao turismo rural e à “literatura fantástica” que se encarregaria de divulgar as suas potencialidades para os fins devidos.
Mas eu continuaria com uma dúvida: e reproduzem-se?
[FJV]

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