20 abril, 2007

||| O farisaísmo.
O meu amigo Eduardo Pitta gosta de ater-se ao essencial e ao que realmente importa. Como o conheço há muitos anos, sei que esta preocupação de rigor é uma das suas qualidades, que falta em muita gente. Não posso, no entanto, estar de acordo com a natureza & o sentido destes dois posts dedicados ao que o Eduardo designa, ora por farisaísmo galopante, ora por “notícias irrelevantes”. A questão não está na natureza e no sentido dessas notícias e desse suposto farisaísmo – mas na desvalorização de toda e qualquer notícia ou reparo como sintoma de um mal que cerca o bom rumo do governo. Votei Sócrates, fui um desses. E essa condição dá-me alguma legitimidade para falar do assunto (de que falaria mesmo se não o tivesse feito, ou se tivesse votado Santana Lopes ou Bloco de Esquerda, evidentemente): não aceito nenhum poder que não seja escrutinado, sujeito a vigilância e à desconfiança. Acho, mesmo, que essa vigilância e essa desconfiança devem, em certa medida, ser sistemáticas, permanentes. O Estado não é uma coisa particular que possamos entregar a um capataz, consoante ganhe ele as eleições; escolhe-se um primeiro-ministro por ser o que achamos o melhor para todos, por ser o que mais nos convém ou por ser o menos mau dos que se candidatam. Mas, em qualquer dessas circunstâncias, nada nos pode impedir de duvidar, de escrutinar e de desconfiar. Não se trata do mesquinho espírito lusitano ou da miserável mania de estar do lado do contra. Trata-se de ter respeito pela função. Portanto, essa série de notícias que «não interessa para nada» não deve, logo à partida, ser arrumada na categoria das irrelevâncias com o argumento de que houve eleições e pronto. Frequentemente elegemos cafajestes. Frequentemente sabemos que os cafajestes que elegemos são realmente cafajestes – e os cafajestes sabem o que pensamos deles e em que categoria os incluímos. Quem aceita figurar na galeria do poder sabe ao que se sujeita: ser observado e vigiado. São coisas legítimas essa observação e essa vigilância.

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