20 abril, 2007

||| O farisaísmo, 2.
A questão é que os lugares públicos supõem uma ética do serviço público. Muitas vezes, as notícias que perseguem os cargos públicos são irrelevantes, reconheço. Mas convém não arrumá-las todas no mesmo lado da estante, sobretudo na hora de fazer o balanço. Também é verdade que a ética política não se pode arrumar do mesmo lado da ética pessoal, como se sabe. Felizmente que não vivemos num país de moralistas, onde as pessoas não são perseguidas publicamente por excêntricos tarados ou vigilantes de sacristia. A vida sexual dos candidatos não nos interessa. A vida pessoal dos políticos não nos interessa. A vida familiar dos detentores de cargos públicos deve ser protegida. As suas leituras dão-nos uma ideia vaga do que são, mas as pessoas têm direito à privacidade, ao silêncio. A vida financeira dos que ocupam lugares públicos só lhes pertence a eles, desde que não haja uma intersecção com a vida financeira do Estado ou do serviço público. Acredito que há vida pública e vida privada. Mas quem tem vida pública deve saber proteger a sua vida privada. Ou seja: deve manter um padrão exigente na vida pública para que a vida privada não se torne suspeita. Fui – e sou – defensor do direito de Sócrates à vida privada; ninguém tem nada com a sua vida privada e até creio que Sócrates tem sabido proteger esse lado da sua vida. Mas quando um político diz que “se lembrou” de uma pessoa para “determinado lugar” (leiam-se certas declarações de Armando Vara) depois de ter apresentado como recomendação “ser natural de Carrazeda de Ansiães”, há lugar para investigação. No caso dos dinheiros públicos deve ser-se bastante rigoroso. É dinheiro dos contribuintes e nem todos os contribuintes estão dispostos a facilitar a vida. É um direito seu. Fui – e sou – contra a inversão do ónus da prova quando o Estado se põe a desconfiar dos cidadãos e dos contribuintes, como se fosse um pai severo ou um pai extremoso. As coisas podem não nos interessar. Mas existem. Acontecem. Frequentemente acontecem.

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