05 novembro, 2007

||| Ouro Preto, 7. Fórum das Letras.










1.
Ouro Preto debaixo da neblina e da chuva numa segunda-feira com ar de despedida.

3. As editoras Língua Geral, Companhia das Letras e Record são as últimas a abandonar Ouro Preto; tirando a Companhia, tanto a pequena Língua Geral como a gigante Record estiveram representadas a “alto nível”, por – respectivamente – Connie Lopes e Luciana Villasbôas.





4. O Soweto String Quartet é uma das descobertas que devo a J.E. Agualusa, juntamente com Angelique Kidjo. Há anos que disputávamos os discos e as raridades de Abdullah Ibrahim e Anouar Brahem. Zebra Crossing, Our World e Four são discos apreciáveis para ouvir.

5. Grupo de autores, de várias idades. Conversa-se sobre música, canções daqui e dali, que canções figuram nos livros de uns e de outros (como no de André Takeda, Clube dos Corações Slitários); idades entre os 24 e os 67; descubro que todos eles têm uma coisa em comum, às escondidas ou às claras: Roberto Carlos.

6. «Ode lenta a Ouro Preto», de Ondjaki.

escrevo as pedras ausentes
luar raso
maresia em estrada
que o sonho traz

saudades dos sinos
que amanhã
hão-de chegar
saudades dos lobos
que longe – bem longe
se esquecem de uivar

escrevo o adeus às pedras
as que não cantam
as que não contam

escrevo estrada morna acesa
bagaço, raiva, dormência
busco outra e outra vez
os lobos as luas
o suor das grávidas
o odor raro das estradas
que dormem
nas raras vezes em que o luar
grita outra e outra vez

o corpo sólido da igreja
que sonha
o calor insano frio
que o sino
ontem vai gritar
outra vez

escrevo os sonhos
as pedras os gritos
dos ausentes
outra e outra vez.

escrevo luar, calmaria
brilhos secos
nos olhos na estrada
da maresia...










6. «Marília e Elizabeth»
Ruas do ouro antigo, barroco de noites escuras, janelas
sobre o vale; o que antigamente tinha uma história
é hoje enumeração simples, sombras sob as varandas,
nos sobrados elegantes, entre os nomes dos fantasmas
que se perderam antes de mim, nos muros, nas mesas
de botecos, Marília adormece nos braços de Gonzaga.
Ainda se ouve a música, ainda se ouve a chuva,
ainda se iluminam as ladeiras de Ouro Preto,

como uma ameaça vinda do fundo, num quadro que
reconhece amantes vencidos, conjura de solitários,
gente que vivia entre as montanhas, os arvoredos.
A história nem sempre é uma grande recompensa,
rodeada de arte, de velharias, varandas, ventanias
que vagueiam entre os vales. As duas mulheres dão-se
as mãos ao entardecer; brava coragem de enfrentar
as dezenas de igrejas cujos sinos dobram a finados

celebrando os mortos em nome dos mortos, o tempo
passado, não a alegria da espécie. Elizabeth escreve
no casarão, ou deixou de escrever; amantes, entristecem,
comovidas pela contrariedade, sabem que o Inverno
é rigoroso, que a trovoada e a maldade caminham mais
depressa, chegam mais depressa ao lado escuro da vida.
Não há romance que lhes ensine como perdoar o medo
onde não há refúgio diante da cidade inclinada.


[FJV]