01 novembro, 2007

||| Imperial Vila de Ouro Preto.
















Poemas de Tomás António Gonzaga, as ruas onde passou parte da melhor história de Portugal no Brasil. Havia uma poeira fina, amarelada. Essa não foi a primeira imagem mas foi a mais intensa, aquela que perdurou. A primeira foi a do desenho de um vale escuro, denso, sitiado pelo pico do Itacolomi e pela Serra da Mantiqueira, pelos fios de água do Rio das Velhas e do Piracicaba, mergulhado naquela vaga de calor onde cada pedra fala da história e do passado. É impossível não ceder ao peso da história; casarões erguidos em colinas, em ladeiras e becos, pracetas onde ipês frondosos servem de testemunhas à passagem do tempo. Mas a outra imagem, a imagem decisiva, apareceu depois: uma poeira fina misturada às nuvens de calor que subiam e desciam o vale. Foi mais do que isso que levou D. Pedro a chamar-lhe Imperial Cidade de Ouro Preto, substituindo o nome antigo, Vila Rica – o desígnio da história, o centro difusor do independentismo brasileiro que alimentou a Inconfidência Mineira e a conspiração do Tiradentes, a importância económica da região, a tradição de uma cidade que foi capital do barroco brasileiro. De alguma maneira, tanto Gonzaga como Cláudio Manuel da Costa fizeram o melhor da poesia pós-barroca, só comparável em génio ao atormentado e revolucionário Boca do Inferno, o “genial canalha” Gregório de Matos, o escandaloso poeta baiano do século XVI.
Ouro Preto lembra a história das cidades abandonadas por algum mistério do tempo. Há aqui o perfume da maldição e do castigo por, nesses tempos de glória, a riqueza dos seus habitantes ter levado a cobrir varandas e fachadas com folha de ouro. Isolada do mundo, escondida no vale, Ouro Preto fomentou aquela luxúria da decadência e foi um centro produtor de música, de pintura, de escultura, de literatura – e de contemplação, a mãe de todos os vícios artísticos.
Ao crepúsculo, Ouro Preto recebe os seus fantasmas, um a um. Eis a contemplação como um dos elementos da luxúria; não é por acaso: ao observar o vale desaparecendo sob a escuridão, percebe-se por que razão há cidades brasileiras a viver tanto o passado e os seus mistérios.
[FJV]

Etiquetas: ,

3 Comments:

Blogger Pedro said...

Nunca lá estive, mas cada imagem de Ouro Preto, cidade pela qual tenho uma paixão "platónica" de há muitos anos a esta parte, cria-me uma sensação de estar a recordar algo que não sei localizar nem no tempo nem no espaço.

4:40 da tarde  
Blogger clarinda said...

A foto com a praça e a antiga cadeia lá ao fundo é muito bonita.
A carta de Gonzaga, in Cartas Chilenas, que relata a construção da cadeia vale sempre uma releitura.

9:52 da tarde  
Blogger JPG said...

Alguém que aí esteve me disse que Ouro Preto tinha a maior concentração de igrejas e capelas, num só município, em todo o mundo. Fui conferir: 55, no total. Pois, deve ser. Se calhar, nem em Roma, Vaticano incluído.

1:36 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home